MARACANAZO E OS HOMENS QUE NÃO DESCANSAM
*Coluna publicada no blog Ouro de Tolo em 1/12/2013
Está
chegando a copa do mundo. Já temos as trinta e duas seleções que disputarão a
copa e o sorteio será na próxima sexta na Bahia. Nesse sorteio serão definidos
os grupos e a copa começa de fato.
Semana
passada as últimas equipes se classificaram. Pela Europa França, Croácia,
Portugal e Grécia, em repescagens mundiais o México e o Uruguai. Sim o Uruguai.
O mesmo
Uruguai que venceu a última copa realizada no Brasil. Durante as eliminatórias
esteve muito ameaçado de eliminação, mas conseguiu a vaga para enfrentar a
Jordânia na repescagem. O time jordaniano é muito inocente, inexperiente e não
foi páreo para os uruguaios tomando 5x0 em casa.
O jogo de
volta foi apenas uma formalidade. Um 0x0 em que apenas um gol foi comemorado.
É, é estranho, mas ocorreu um gol nesse 0x0.
Na
verdade o gol ocorreu sessenta e três anos antes e ficou conhecido como “O gol
do silêncio” ou “O gol que não foi comemorado”. Resolveram comemorar naquele
jogo de eliminatória. Foi o gol de Ghiggia contra o Brasil em 1950.
As
primeiras coisas que aprendemos na vida são falar “mamãe”, “papai” e que o
Brasil perdeu uma copa em casa para o Uruguai em 1950. Os uruguaios também e
sempre fazem questão de lembrar esse momento.
Levaram
Ghiggia velhinho, usando muletas, com quase noventa anos de idade para o
estádio. Evidente que o homem se emocionou com o telão, a contagem regressiva e
a imagem de seu gol com toda a torcida comemorando. O velho homem com lágrimas
nos olhos, que diz que apenas ele, o papa e Frank Sinatra calaram o Maracanã,
assistia finalmente seu gol ser comemorado.
Logo após
a partida a PUMA, fornecedora de material esportivo da seleção uruguaia,
colocou uma bem humorada campanha no ar em que um fantasma azul e com a
inscrição 50 “aterrorizava” cariocas em cenários típicos do Rio de Janeiro até
chegar ao Maracanã e fazer embaixadinhas.
Eles
usarão muito esse artifício até a copa. Estão certos, pois é um orgulho que o
país tem e foi sua última conquista relevante no futebol. Eu cresci ouvindo
sobre “Fantasma de 50”, “Maracanazo” e todos os jogos entre Brasil x Uruguai
seja em eliminatórias para a copa ou até mesmo amistosos, jogos entre dente de
leite ou aquelas seleções de maters do Luciano do Valle eram tratadas como
vingança e lembravam de 1950.
E em
quase todas o Brasil venceu. Se cada vitória que eu vi do Brasil sobre o
Uruguai foi uma vingança o Brasil é um ser magoado pra cacete.
Mas como
eu disse os uruguaios estão certos e agora então que a copa voltará ao cenário
de sua história épica eles vão explorar ao máximo o “Maracanazo” como uma forma
até de motivar sua equipe e sua torcida, já que faz tempo, tirando o brilhareco
da copa de 2010, que o Uruguai virou coadjuvante no futebol mundial.
A questão
toda é que assim como o Uruguai o Brasil faz questão de se lembrar dessa
história a todo o momento.
E eu me
pergunto o porque.
Brasileiro
gosta de sofrer, é masoquista, gosta de reviver essa copa. A impressão que dá é
que todos os brasileiros com mais de 70 anos estiveram no Maracanã naquele dia.
Conta com gosto a derrota, o silêncio no estádio, as pessoas chorando, o oba
oba antes da partida.
Resumindo.
Se o Brasil fosse adepto do BDSM ele seria o submisso. Aquele que curte vela
derretida e chicotada nas costas.
Agora
então uma série de documentários surgem falando da partida de 1950. Quase todos
os dias o SPORTV passa, a ESPN Brasil com seu patriotismo comovente sempre
lembra com alegria, esfregando as mãos e um de seus jornalistas escreveu que a
final de 1950 foi a “jornada mais épica” da história do futebol.
Cacete!!
Ganhamos cinco copas depois disso!! Ganhamos uma em 1958 na casa do adversário
da final metendo cinco e nesse jogo reinventando o futebol. Ganhamos em 1970
com um baile, com obras de arte naquele considerado o maior time da história e
só falam em 1950.
Sim, isso
me incomoda e não porque eu quero vingança, por temer os uruguaios, nada disso.
Incomoda porque isso faz sessenta e três anos e quase ninguém que vive nesse
país hoje em dia viu essa partida ou mesmo era nascido então quase ninguém tem
trauma porque é impossível ter trauma de algo que não viveu.
Mas meu
incômodo maior é por outro motivo.
Incomoda
por Barbosa, Juvenal, Bauer, Augusto, Danilo, Bigode, Jair, Zizinho, Friaça,
Ademir e Chico. Onze dos maiores jogadores de futebol que esse país já teve.
Onze caras que teriam que estar em qualquer memorial do futebol, que deviam ter
sido reverenciados e tiveram que passar o restante de suas vidas explicando o
16 de julho de 1950. Não deixaram esses homens “curtirem” suas dores nem mesmo
esquecê-la. Barbosa passou a vida sofrendo e dizendo que o máximo de prisão no
país por um crime eram trinta anos e a condenação dele já passava de cinquenta.
Barbosa
foi um goleiraço. Um dos maiores de nossa história e só é lembrado por causa
desse jogo. O homem morreu sem receber o perdão.
Barbosa
morreu. Todos morreram. Apenas Ghiggia daqueles que entraram em campo está vivo
e recebe todas as homenagens justas enquanto os jogadores brasileiros não
conseguem descansar. Sempre lembrados e relembrados como aqueles que perderam o
mundial em casa.
Eu
procuro ver de forma diferente. Esses homens foram vice campeões mundiais. Os
primeiros do futebol brasileiro. Os pioneiros, aqueles que começaram essa
história de amor entre o povo brasileiro e o futebol.
Aquela
partida entre Brasil e Uruguai acabou. Nem o Maracanã é o mesmo daquela data.
Não existe mais “Maracanazo”.
Deixem
esses homens descansarem.
Obs. E no
dia que a coluna é escrita mais um dos homens de 1950 descansa. Do banco de
reservas viu a derrota e teve uma segunda chance na vida..Uma terceira. Bicampeão
mundial, o maior lateral da história. Descanse em paz enciclopédia.
Tantos
sonham ser Nilton Santos.
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