ACADEMIA DO DENDÊ
*Continuando a homenagem que comecei terças às escolas de samba que venci semana passada republico aqui uma coluna de 2011 do "Ouro de Tolo" em homenagem ao Acadêmicos do Dendê. Agremiação que sexta-feira dia 6/12 tive a felicidade de vencer seu concurso de samba-enredo pela sétima vez.
Semana que vem o blog volta ao normal com "O clube dos 23: Bangu"
Academia do Dendê
Já falei aqui da União
da Ilha e minha saga nela, do Boi da Ilha e minha história na agremiação.
Contudo, faltou uma escola que assim como as duas citadas é muito importante
pra minha história. Eu costumo dizer que a União da Ilha é a minha escola como
torcedor. Por causa dela que comecei a gostar de samba e carnaval. O Boi da
Ilha a minha escola como compositor, lá eu aprendi o pouco que sei e lá me
impulsionei pra outras conquistas.
E o que dizer do
Acadêmicos do Dendê? Até a madrugada de sexta para sábado eu não tinha definição
e agora eu tenho: o Dendê é a minha escola como sambista.
O Dendê foi uma
daquelas escolas de samba que surgem como meteoro. Antes bloco, se tornou
escola de samba em 1992 e em 1997 já desfilava no grupo de acesso A, um grupo
apenas antes do Grupo Especial. Até chegar a esse ponto o Dendê nunca desfilara
duas vezes no mesmo grupo - simplesmente o Dendê foi campeão dos grupos E,D,C
(na única vez que enfrentou a coirmã Boi da Ilha) e vice campeã do B em 1996,
conseguindo o seu lugar no sábado da Sapucaí.
Seu primeiro
intérprete foi o Quinho, hoje cantor do Salgueiro e já tema de uma coluna
minha. Chegou ao último degrau antes do especial tendo o inesquecível Carlinhos
de Pilares (foto) como seu cantor. Era a hora da consagração da escola, chegar a um
surpreendente grupo especial.
Mas não foi bem assim.
Como quase todas as
escolas de samba que tiveram subida meteórica, o Dendê tinha um mecenas. Como
em boa parte dessas escolas, o seu vinha do tráfico. O mantenedor do Dendê era
o “dono do morro” Miltinho do Dendê, que na ocasião virou o traficante mais
procurado da cidade e acabou preso. Isso foi um grande baque à escola, que
continuou sem repetir desfiles no mesmo grupo, mas fez o caminho inverso.
Ficou em antepenúltimo
no grupo A em 1997 (caindo pro Acesso B), rebaixada do B em 1998, não desfilou
em 1999 sendo rebaixada do C e em 2000 rebaixada do D chegou ao grupo E. O
último grupo, o Dendê que teve uma subida fantástica estava prestes a enrolar
bandeira, ou seja, deixar de existir.
Mas houve guerreiros
que não deixaram que isso ocorresse e o maior deles é o maior
sambista que conheci até hoje: Ubiraci Oliveira, mais conhecido como Macalé (foto).
Antigo mestre sala que foi tudo no Dendê: diretor de harmonia, de carnaval,
presidente - mas também aderecista, costureiro, empurrador de carros
alegóricos... O Macalé simplesmente pegou o Acadêmicos do Dendê em seus braços
e não lhe deixou morrer. A escola voltou ao grupo D em 2001, ao C em 2006 e
caiu novamente para o Acesso D em 2010, onde está hoje.
E eu nisso tudo?
Já conhecia a escola
de nome, mas pisar na agremiação pisei pela primeira vez em 1997 quando meu
samba já tinha sido eliminado na União da Ilha e eu estava na disputa do Boi da
Ilha. Me juntei com Paulo Travassos, Cadinho da Ilha, Dãozinho e Waltinho da
Ilha e fizemos um samba pro enredo sobre o Dendê. O enredo não era apenas sobre
a escola, mas o morro, azeite, tudo que envolvesse Dendê.
O SAMBA
Vem ver, vem ver, vem
ver
Na nossa festa tem
Dendê
Botamos o nosso
tempero
Damos um banho de
cheiro
A alegria está no ar
Nosso coco tem Dendê
Azeite quem vai querer
Mãe África de encantos
mil
Trás a dor no peito
Seu povo não é tratado
com respeito
Quero vatapá, acarajé
Vou pra Bahia, lá tem
festa todo dia
Vamos pra lá minha
Iaiá
Lavagem do Bonfim, festa
de Iemanjá
Levo oferendas pra
meus Orixás
Cheguei ao Brasil,
conheci a maldade
Lutei, sou liberdade
Falam que nossa festa
é profana
Coitado de quem diz
Nós somos simplesmente
muito felizes
Me dê carona
marinheiro, vou pro Rio de Janeiro
No samba vou ser
aprendiz e ter a emoção
Ao ver as baianas com
seus tabuleiros
No morro do Dendê eu
me criei
Na avenida eu sou rei
A minha escola é amor,
Ilha querida
Seu tempero é gostoso,
tudo é maravilhoso
Na avenida
Posso dizer que esse
samba é um dos três piores que já fiz até hoje. Nossa primeira
apresentação, quando não teve corte, até foi boa, o desastre veio na semana
seguinte - quando teve. Cadinho não pôde cantar por trabalhar bem na hora dela.
Dãozinho então assumiria o comando, mas ele não estava em um estado, digamos,
bom. Bebera um pouco além da conta, então Paulo Travassos e eu tivemos que
subir para cantar com ele. Eu não canto bem e o Paulo nem podemos dizer que
canta - ele não tem ritmo nem pra bater palmas em “parabéns pra você”.
O samba foi eliminado
no primeiro corte e o Dãozinho ainda foi assaltado quando voltava andando pra
casa.
No ano seguinte a
escola não desfilou e no carnaval de 2000 voltamos a competir. Outro samba
péssimo, mais um da lista dos três piores (o terceiro é o que competi na União
da Ilha no carnaval de 1999) e não passamos das quartas de final.
Até então minha
história no Dendê era muito fraca. Ela começou a mudar no ano seguinte, quando
cheguei à primeira final. Perdi e perdi também a final do ano seguinte, com
sambas melhores que os dois primeiros que concorri.
A primeira vitória
veio pro carnaval 2003, em um enredo sobre assombrações e numa difícil disputa
contra Gugu das Candongas, Marquinhus do Banjo e Ito Melodia. Começava ali uma
parceria vitoriosa minha e de Cadinho da Ilha com Gilberto Lua, Maneco e
Decicka Jonnes.
Parceria que conquistou o bicampeonato no ano seguinte em um
enredo sobre cruzeiros marítimos e foi desfeita pro carnaval de 2005. Gilberto,
Maneco e Decicka compuseram sozinhos e entraram na junção feita pela escola -
nós ficamos de fora.
Para o carnaval de
2006 voltamos a ser parceiros e perdemos pra Gugu das Candongas e Marquinhus do
Banjo.
Em 2007 começou uma
nova etapa em nossa parceria. Maneco e Decicka saíram e entraram Bruno
Revelação, Walkir e o dono do blog Pedro Migão. Em 2008 a parceria foi mantida
com a entrada de Barbieri e Ito Melodia. E ganhamos o bicampeonato. Nas duas
finais vencendo parcerias de Carlinhos Fuzil com Marcelo Cossito e de Gugu das
Candongas com Marquinhus do Banjo.
Em 2007 vencemos em um
enredo sobre festas e
2008 sobre lendas. O samba de 2008 é muito especial pra mim. Disputa muito
acirrada contra hoje o meu parceiro de samba Carlinhos Fuzil. A final foi
inesquecível. No meio de nossa apresentação nosso som acabou e os integrantes
da quadra cantaram nossa obra de forma forte mostrando qual samba queriam.
E vencemos.
Em 2009 ficamos eu,
Cadinho, Gilberto Lua e Bruno e o samba perdeu. Perdemos pra parceria de
Barbieri, Ito Melodia e Marquinhus do Banjo, mesmo levando o hoje cantor da
Mangueira Zé Paulo Sierra na final. Em 2010 Barbieri e Pedro Migão voltaram
para nossa parceria e ganhamos empatado com a parceria de Gugu das Candongas,
Marquinhus do Banjo e Gegê da Ilha - que faleceu logo depois do concurso.
As coisas começavam a
mudar no Dendê.
Alguns anos antes o
compositor Antônio da Costa, mais conhecido como Toninho, se juntou a Macalé
para poder ajudar a escola. Tornou-se presidente da agremiação, com Macalé
virando presidente de honra. Com Toninho chegaram pessoas novas a fim de
administrar a agremiação.
Com o amor e a
malandragem de Macalé e o profissionalismo do Toninho o Dendê virou uma nova
escola. Finalmente a escola conseguiu um teto pra sua quadra e isso fez toda a
diferença em sua auto-estima. O Dendê começou a se organizar e atrair público
para sua quadra e novos compositores.
Assim para o carnaval
de 2011 chegaram ritmistas da União da Ilha para concorrer na escola. Jovens
com toda disposição que a idade trás, como os gêmeos Mauricio e Marcelo, o
chefe da segurança da União Carlos Mistura mais Fabrício, Kinho PQD, Marcelo WG
e a parceria deles mudou a história das disputas de samba do Acadêmicos do
Dendê.
Com samba de fácil
assimilação e grande torcida eles entraram atropelando na disputa do carnaval
2011. Mesmo com uma parceria com nomes fortes como o meu, Cadinho, Gilberto
Lua, Carlinhos Fuzil, Bruno, Gugu das Candongas, Pedro Migão e Marquinhus do
Banjo nós não conseguimos acompanhar o ritmo - e fomos derrotados por eles.
Aí veio nossa terceira
mudança radical na parceria. Assim como em 2003 quando entraram Gilberto Lua,
Maneco e Decicka Jonnes e 2007 quando entraram Walkir, Barbieri, Bruno
Revelação e Pedro Migão.
Gilberto Lua decidiu
não fazer samba então resolvemos que era hora de misturar experiência e
juventude. Com vitórias no Dendê ficamos Cadinho, eu, Migão e Fuzil e a nós se
juntaram Lobo Junior, Neco do Banjo, Birazão e Violinha. Desses apenas o Neco
disputava sambas na escola, todos os demais eram estreantes.
Era o vigor, o frescor
que precisávamos e a disputa desse ano foi épica.
O enredo sobre a União
da Ilha, a parceria campeã do ano passado toda da Ilha e recebendo forte apoio
da agremiação. As duas parcerias tomaram conta da disputa. A quadra toda semana
lotada com pelo menos metade dos integrantes pertencendo à torcida de um dos dois sambas.
Cada semana uma das parcerias levava novidades e surpreendia a outra. Teve de
tudo na disputa: fogos, cascatas, apagar de luz da quadra, show de luzes, mega
bandeiras.. A disputa inflacionou, ficando bem mais cara do que nos meus
primeiros anos até 2010. A coisa que sempre foi séria lá virou seríssima esse
ano - ninguém queria perder.
E chegou a final em 11
de novembro de 2011, uma sexta feira. Quadra com maior público de sua história,
convidados importantes de todos os lados. Laíla diretor de carnaval da
Beija-Flor levando dois ônibus com os segmentos da agremiação. O Dendê que
surgiu de forma meteórica nos anos 90 e quase morreu na virada do século
mostrava que era uma nova escola. Jovem e tradicional, profissional e
romântica, humilde e grande.
E principalmente,
mostrava que não precisava de tráfico de drogas pra existir e se fazer notar.
A final com três
sambas foi grandiosa. Parceria do compositor Dudu Valente com um belo samba e
as duas parcerias que guerrearam com fair play e amizade durante toda a disputa
mostravam toda sua força. Nós com a força de nossa torcida que cantou todo o
samba e a beleza de nossa obra. Eles com explosão de seus refrões e o reforço
de Ito Melodia e Marquinhus do Banjo no palco.
No fim deu empate.
Juntaram nosso samba com o samba deles.
Assim o dono do blog
tornou-se pela quarta vez campeão da agremiação e eu que comecei com aquele
samba ruim que foi eliminado de primeira com cantor bêbado cheguei a minha
sexta vitória me juntando a Gilberto Lua e Cadinho da Ilha como o maior vencedor da história
da escola de samba.
E pelos nomes que
citei que enfrentamos nesses anos todos dá pra notar que não foi fácil chegar a
isso, deu muito mais sabor.
No Dendê consegui
também a marca expressiva de doze finais seguidas de samba-enredo, estive com
samba em todas as finais de samba da escola no século e o Dendê é a escola que
mais compus (catorze sambas) e mais venci até hoje (seis), marca que foi por
onze anos do Boi da Ilha.
Tenho muito orgulho de
minha história no Acadêmicos do Dendê, tudo que consegui na escola e de
pertencer a sua ala de compositores. Já que coloquei a letra do primeiro samba
também colocarei do mais recente, o que a escola desfilará em 2012, já com
fusão.
(Lobo Jr/ Bruno
Revelação/ Neco do Banjo/ Carlinhos Fuzil/ Birazão/ Aloisio Villar/ Cadinho da
Ilha/ Pedro Migão/ Kinho PQD/ Fafa Maumau/ Carlos Mistura/ Marcelo China/
Marcelo WG)
Reflete na imensidão
Traduz a paixão que me
faz sonhar
Eu vi no chão batido
de um terreiro
Rodas de samba, jogos
e banho de mar
Ilha de tantas
histórias
Cantada em verso e
prosa
Que Natal se encantou
De um sonho de amantes
do samba assim fundaram
A União da Ilha do
Governador
Segura marimba,
calouro
Minha canção é o meu
tesouro
A festa profana é de
bar em bar
Meu sorriso não pode
chorar
Louco pela Ilha fiquei
Nas asas da minha
madrinha voei
Sambistas imortais,
antigos carnavais
Velhos tempos que não
voltam mais
Na voz do mestre
Aroldo Melodia
Suor, amor e fantasia
A simpatia coloriu meu
coração
Cantei, brinquei,
sonhei que a vida fez um rei
Com muito amor posso
dizer sou União
Compra que eu vendo
alegria, paga pra ver
Vem cair nessa folia
com a Ilha no Dendê
Abrakadabra, pra
sorrir não tem idade
Eu vou te dar um porre
de felicidade
Lembram quando disse
no começo que na madrugada de sexta para sábado descobri porque o Dendê era
minha escola como sambista? Porque na espera pelo resultado eu fiquei mais
nervoso que aguardando o resultado da União da Ilha. Sim, a escola está no
grupo D eu já tinha ganhando cinco sambas lá e fiquei mais nervoso que
esperando minha primeira vitória na União da Ilha no grupo especial.
Só sambista pra passar
por isso, não pensar em dinheiro ou vaidade de grupo especial e sim no seu
samba em um concurso de uma agremiação que aprendeu a gostar e se tornou
importante em sua vida.
Uma escola de
sambistas que me fez virar um.
A Academia do Dendê
SAMBA EXALTAÇÃO DA
ESCOLA
Dendê, amor
Razão, paixão
Coisas do meu coração
Não é morro, montanha
nem colina não
Uma cidade no alto que
a luz de Deus ilumina
Minha oração, minha
prece
Minha vida, meu clima,
meu lazer
Porque mudar daqui por
que pra quê?
Porque mudar daqui por
que pra quê?
CAMPEÃO NO ACADÊMICOS DO DENDÊ EM 2003/2004/2007/2008/2010/2012/2014
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