CARLINHOS FUZIL
*Coluna publicada no blog Ouro de Tolo em 22/9/2013
Sábado
passado estava na União da Ilha assistindo mais uma apresentação de seu
concurso de samba-enredo. É um programa ótimo pra quem curte samba e melhor
ainda para um compositor que não está no concurso porque relaxamos vendo, sem o
stress que uma disputa provoca e por ser do meio vemos as entrelinhas.
Entrelinhas
são aquilo que o frequentador que vai apenas para beber sua cerveja e o
compositor que está envolvido no concurso não conseguem ver. É poder ser
neutro, observador e entender o que se passa.
Só não
fui uma vez esse ano e um personagem é o que mais me chama atenção, é um
compositor e o nome dele está no título do texto.
Vocês que
me acompanham nesses quase dois anos e meio de colunas já leram esse nome várias
vezes. Carlinhos Fuzil foi meu parceiro de samba e fomos campeões juntos na
União da Ilha em 2012. Nos separamos e o Fuzil mostrou nesses dois últimos anos
que não estamos juntos a força que tem.
Carlinhos
Fuzil tem esse apelido, mas é do bem. Fuzil vem de fuzileiro, Carlinhos
Fuzileiro era seu apelido nos tempos de quartel e virou Fuzil através de seu
grande amigo Quinho, sim esse mesmo do Salgueiro. Os dois são amigos de
infância, assim como meu pai.
Fuzil e
Quinho são crias do Boi da Ilha do Governador. Escola que também é minha
origem, que também já falei muitas vezes aqui e hoje se encontra no grupo C do
carnaval carioca desfilando na Intendente Magalhães. Não só nós três somos
crias do Boi da Ilha, os dois ainda mais antigos, do bloco Boi da Freguesia.
Alguns dos maiores nomes do carnaval de nosso bairro surgiram no Boi como
Marquinhus do Banjo, Mauricio 100, Bujão, J.Brito, o mestre sala Raphael, João
Sergio que foi mestre de bateria do Boi e compositor da União.
Didi, o
maior dos compositores do bairro fez quatro sambas para o então bloco e
considerava esses sambas os melhores que fez.
Fuzil
começou garoto no bloco e disse que perdeu sete finais de samba na agremiação
até conseguir ganhar a primeira. Mas ali, perdendo, ralando que conheceu a
malandragem e se tornou um deles. Ganhou seis sambas no Boi e é hoje um de seus
maiores vencedores.
Além de
ser grande compositor sempre foi perspicaz. Viu talento no seu cunhado, ainda
garoto e levou para o samba. Esse garoto cresceu e se tornou um dos grandes,
chama-se Mauricio 100. Também na mesma época puxou outro garoto para seu lado,
Marquinhus do Banjo. Marquinhus que em 1981 com apenas 10 para 11 anos fazia
parte do time de intérpretes de um samba concorrente na Ilha.
Montaram
um trio invencível no Boi da Ilha, nunca perderam samba juntos na escola e foi
assim, com a cara e a coragem que foram pra União da Ilha.
Assim, só
os três, na base do talento e no apoio de amigos que formavam um grupo chamado
“A turma do copo” que derrubaram os grandes da União da Ilha e ganharam em 1992
com o enredo “Sou mais minha Ilha”.
Carlinhos
Fuzil não abandonou o Boi. Boiadeiro apaixonado de acompanhar nas arquibancadas
seus desfiles e que sempre diz que um compositor da Ilha para ser famoso tem
que ganhar no Boi, não adianta ganhar na Ilha, tem que ganhar no Boi.
Ganhou na
Ilha em 1996, 2002, 2006 e 2007. Muito malandro quando nós víamos uma disputa
na escola equilibrada dizíamos “O Fuzil
vai ganhar”. Nunca deu ponto sem nó, sempre foi inteligente não batendo de frente
em causa perdida. Perdia sambas, alguns memoráveis como de 1999 e assista a
festa do campeão sorrindo. Dizia “Você reclama do vencedor, depois ele tira 40
na avenida e quem fica com cara de otário é você”.
Também
falava que quando perdia um samba ia pra praia mergulhar e chorar, Ali é lugar
de você soltar a mágoa da derrota, não na escola na frente dos outros.
Um
professor.
Professor
que me orientou, elogiou e deu broncas desde o meu princípio. No meu primeiro
ano como compositor, na primeira final que fiz ele que tentou acalmar minha mãe
que queria quebrar o Boi todo e enfiar o troféu num lugar nada agradável dos
diretores da escola dizendo a ela que eu só estava começando e tinha futuro.
Ele que
me dava broncas dizendo que samba tem que investir e botar cantores bons. Ele
que deu “bolo” na minha mão quando perdi no carnaval de 2000 no Boi dizendo que
eu sendo da casa não podia perder em torcida pra parceria de fora. No ano
seguinte quando venci sorriu e falou “Não disse que era pra investir?” E no
seguinte, em 2002, numa reunião de compositores da União da Ilha, ele como
presidente da ala disse a todos “Se eu fosse vocês não colocava samba no Boi,
tem uma pedrada lá”. Era o meu samba.
Ele disse
isso e sorriu pra mim.
Sempre
sincero. Dizendo se meu samba era bom ou passado bem mesmo que eu não gostasse
da resposta. Nunca perguntei a ele o que achava, mas me posicionava perto dele
pra obrigá-lo a passar por mim e me contar o que achara. Dessa forma fomos
ficando amigos e viramos parceiros.
Primeiro
em um concurso do Boi da Ilha em 2010. Depois num audacioso telefonema que eu
dei graças ao Cadinho que insistiu que eu ligasse pra ele convidando para fazer
samba na União. Pensei “Vou ligar nada, o cara é cinco vezes campeão na União
da Ilha, claro que já tem parceria”.
Liguei,
ele não tinha e topou.
Carlinhos
Fuzil nos deu o que faltava para um concurso na União da Ilha. Credibilidade.
Com ele passamos a sermos vistos como grandes, postulantes a vitória.
Na
primeira apresentação para o carnaval de 2011 ele disse “estamos na final”.
Incrédulo, perguntei como ele sabia, se alguém falara algo. Ele me respondeu
“Ninguém me falou nada, conheço isso aqui, estamos na final”.
Realmente
chegamos. Perdemos a final e ficamos os dois sentados em cadeiras no palco
calmamente esperando acabar o quebra pau entre os que venceram, perderam e os
seguranças. Tinha aprendido com meu mestre que escola de samba não é lugar de
choro.
Mestre.
Sim, ele é meu mestre. Como parceiro continuou me orientando e dando broncas. Duras
quando era preciso, sorrindo quando necessárias. Temos personalidades bem
diferentes e fortes. Ele é o velho malandro de samba, eu um garoto às vezes
pavio curto, que faz bobagens por vaidade, por ser idiota e fico irritado
quando levo broncas. Algumas vezes eu estava certo, na maioria ele.
Um garoto
que muitas vezes quer tudo pra ontem, fica ansioso, se desespera e não entendia
e se enervava quando ele sorria e dizia “calma garoto, no fim dá certo”. E
dava.
Dessa
forma vencemos o concurso de 2012. Antes da final ele e eu demos entrevista
para a rádio Arquibancada representando duas gerações da União da Ilha. Deu
orgulho fazer essa entrevista junto a ele.
Mas sou
um cara que comete muitos erros e cometi com ele um grave. Um dos piores que já
cometi na vida.
Faltando
um dia para inscrição dos sambas ano passado um de nossos parceiros saiu do
grupo, o Roger Linhares. Ele se reuniu com algumas pessoas do alto escalão que
não queriam que ele viesse com o Fuzil e ali mesmo nessa reunião montaram uma parceria
nova pra ele.
Ficaram
vagas em aberto e o Roger ligou pro Cadinho que ligou pra mim chamando para
essas vagas. Não nos deu tempo para pensar, tínhamos que decidir ali. Ficar com
o Fuzil, com essas pessoas do alto escalão não querendo e “sem proteção” no
concurso ou ir com o Roger.
Conhecia
e tinha grande amizade com o Fuzil fazia dois anos, com o Roger dez. Isso, além
do fato daquele momento a parceria estar sem grana me fizeram topar.
Poderia
jogar culpa na pressão feita para topar. Ainda entrei em contato com a Bia,
minha ex de São Paulo e grande amiga perguntando o que fazer, fiquei muito
confuso tendo que decidir entre dois amigos, o meu futuro no samba e tudo em
tão poucas horas.
Mas não
sou moleque, não vou fazer isso. Tinha idade suficiente, era homem suficiente
para tomar decisões independente de pressão. Fui fraco, covarde com um amigo,
com um cara que praticamente era meu pai.
Ele
evidente que ficou magoado vendo seus parceiros lhe deixarem e deixarem
sozinho. Com razão nunca mais falou comigo.
Perdi o
mestre, o conselheiro, o grande amigo e o pai. Mas teve um lado muito bom
porque a vida sempre ensina. Nossa parceria nova foi um redundante fracasso. O
que poderia ser proteção pra gente acabou se voltando contra e o Fuzil
mostrando o grande compositor e sambista que é montou uma nova parceria e fez
sucesso.
Fez um
grande samba e uma grande disputa ano passado não vencendo por circunstâncias,
mas era o samba preferido de muita gente e é lembrado até hoje.
E esse
ano concorre com um samba lindo. Um samba que causa um frenesi na quadra que eu
não via há muito tempo e confesso, um dos motivos que tem me levado aos ensaios
é ver essa simbiose samba e quadra. Tem sido muito bonito.
Não sei
se vai vencer, tem outros sambas muito bons ali como do próprio Marquinhus, do
Walkir, Myngau..Mas todo mundo reconhece que eles estão na frente hoje e a
adesão de segmentos que vem recebendo.
Voltando
ao começo da coluna eu estava na Ilha semana passada observando. Observando a
quadra toda cantando seu samba com bandeiras, uma festa linda e no alto de um
camarote quase como um anônimo o velho fuzileiro com bandeira na mão, olhos
fechados se esgoelando cantando seu samba e me emocionei. Imaginei o que
passava por sua cabeça naquele instante vendo a quadra toda. Os segmentos, a
comunidade cantando seu samba.
Sorrindo
olhei para ele e falei baixinho “Que fdp, esse cara é foda mesmo”.
Desculpe
Migão, mas não tinha outra palavra pra retratá-lo.
E no fim
lá estavam Fuzil e dona Rosa, sua esposa braba e que defende sempre o marido
recolhendo e juntando as bandeiras pra guardar. Depois ele sentou e abriu uma
cerveja pra acompanhar o ensaio. A cerveja devia estar saborosa, com sabor de
sucesso.
Sucesso
completamente merecido e que para um coração cheio de culpas como o meu faz um
bem enorme. Boa sorte mestre e espero que um dia possa perdoar esse seu aluno
que gosta de você, mas às vezes é muito infantil.
“Ser criança, não é brinquedo não”.
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