A DENGUE


*Conto da coluna "O buraco da fechadura" publicado no blog Ouro de Tolo em 15/12/2012


Mais uma vez o Rio de Janeiro passava por uma grande epidemia de dengue. Cada ano um novo tipo de dengue era descoberto e pelos últimos cálculos do ministério de saúde existiam 7365647579458 variações da doença.
A dengue já era um produto tradicional do Rio de Janeiro como o carnaval, o futebol, a praia com mulheres bonitas e o tráfico de drogas, a dengue sempre vinha passar o verão em terras cariocas e deixava sua marca em muitos dos nativos.
Desidério era um cara que tinha certa convivência com o mosquito da dengue. Ele era agente da prefeitura e ia de casa em casa verificar e acabar com os focos. Mostrava a importância da prevenção, acabar com a água parada, tampar garrafas, limpar pneus e todas aquelas coisas que ouvimos sempre no verão, poucos dão importância e o mosquito faz a festa.
Desidério trabalhava muito, corria toda a cidade para combater o mosquito maldito e só pensava em voltar pra casa e dar uns beijos em Matilde, a mulata espetacular, ex rainha de bateria que o homem conseguiu fisgar.
Desidério conheceu Matilde numa tarde no Cacique de Ramos, famoso bloco de carnaval do Rio de Janeiro. Debaixo da tamarineira enquanto o samba rolava Desidério encheu-se de coragem, levou uma cerveja e dois copos até a mulata e lançou a isca. O agente sanitário sempre foi bom de papo e naquele dia mesmo já deu uns beijinhos na mulher.
Namoraram um tempo e alguns meses depois a mulata já foi de mala e cuia pra casa de Desidério. Tiveram dois filhos e viviam uma relação harmoniosa e feliz.
Desidério gostava nas horas vagas de soltar pipa com os filhos, assar uma carne e chamar os amigos, tudo regado a muita cerveja, jogar bola, sinuca no bar do seu Abílio e assistir jogos do Botafogo.
Desidério era botafoguense fanático do tipo que ia a todos os jogos que podia. Tinha camisas, bonés, calções, chaveiros, tudo sobre o clube. Ficava doente por causa do Botafogo, chorava e não queria comer quando ele perdia.
Naquele domingo especialmente Desidério estava tenso. Era dia de jogo contra o Flamengo e ele odiava o rubro-negro. Acordou cedo e preparou o manto alvi negro para ir ao estádio. Como bom botafoguense era supersticioso e preparou todas as mandingas possíveis pro time vencer.
Quis comida leve naquele dia e pediu a Matilde que preparasse uma rabada. Comeu, deu um beijo na patroa e dirigiu-se a casa de Silas, seu melhor amigo para irem ao Maracanã.
Devidamente uniformizado pra “guerra” Desidério bateu palmas no portão do amigo e ele apareceu na janela. Abriu a porta tocando uma corneta e Desidério gritava “Fogooo” do lado de fora, um desavisado pensaria que se tratava de um incêndio.   
Cumprimentaram-se e Silas gritou que era dia de depenar o urubu, Desidério devolveu com um “pau na mulambada” e com aquelas palavras carinhosas os dois foram ao estádio.  
Chegaram, o jogo começou e foi tenso. Jogo lá e cá como toda grande partida, mas no fim o Botafogo venceu por 2x0 pra alegria dos dois amigos.
Voltaram pra casa felizes, mas antes de regressarem ao lar decidiram passar no bar de seu Abílio, jogar uma sinuca e tirar uma onda com os flamenguistas. Silas e Desidério jogavam sinuca, riam, bebiam e gozavam os rubro-negros se divertindo imensamente,mas Rubens, um amigo rubro-negro deles se aborreceu.
Silas tentava fazer o amigo se acalmar, mas Rubens irritado com as gozações semeou a discórdia dizendo que tinha cara se preocupando muito com futebol e tomando bola nas costas da esposa.
O único casado no ambiente era Desidério e um clima estranho pairou no bar. Desidério que na hora que Rubens fez esse comentário errou a tacada que faria na sinuca olhou para o homem e pediu que ele repetisse.
Rubens perguntou se além de corno o agente tinha ficado surdo e Desidério riu, começou a gargalhar com essa situação e depois partiu pra cima de Rubens. A turma do deixa disso interveio e Abílio gritou que não queria confusão em seu estabelecimento.
Desidério perguntou que papo era aquele e Rubens respondeu que ele se informasse com sua esposa, já tinha dado o toque, o resto era com ele.
Silas conseguiu convencer um Desidério furioso a sair do bar e o agente inconformado reclamava com o amigo sobre a insinuação maldosa de Rubens. Silas mandou que o amigo não levasse em consideração, pois, era flamenguista e flamenguista não devia ser levado a sério.
Na frente do portão de casa Desidério respirou fundo e Silas mandou que ele entrasse e se acalmasse que Matilde era uma santa. Desidério deu razão ao amigo, agradeceu e entrou.
No lado de dentro encontrou Matilde na sala que perguntou quando fora o jogo. Desidério coçou a testa e respondeu que o Botafogo vencera por 2x0. Matilde correu para abraçar o marido e na imaginação de Desidério outro homem abraçava sua mulher por trás fazendo dela um sanduíche.
Assustado Desidério se afastou de Matilde que perguntou se ele estava bem. O pobre homem respondeu que sim. Matilde então mandou que ele sentasse à mesa que esquentaria a janta.
Desidério sentou e ficou observando a esposa preparando o jantar. Em sua imaginação ela estava com um homem na cozinha, ele jogava as panelas no chão e colocava Matilde sentada no fogão para transar com a mulher.
Coçou os olhos assustado e quando parou viu sua esposa sem homem nenhum do lado colocando seu prato na mesa. Matilde sentou-se a seu lado fazendo carinho em sua mão dizendo que preparou um feijão pra ele comer com a rabada e esperava que ele gostasse.
Desidério deu as primeiras garfadas olhando desconfiado para sua mulher que por sua vez olhava para ele com muito carinho. A imaginação do homem voltava a trabalhar e nela o “amante” de Matilde sentava a seu lado e beijava seu pescoço passando as mãos por seu corpo.
Desidério em um surto gritou “chega” e Matilde perguntou o que ele tinha. O agente respondeu que apenas estava estressado e que iria deitar. A mulher deu um beijo nele e desejou que tivesse bons sonhos.
Mas estava complicado para que Desidério tivesse bons sonhos. Mal pregou os olhos e quando dormia tinha pesadelos como sua esposa participando de um filme pornô numa cena de gang bang, que vem a ser uma mulher com muitos homens.
Foi para o trabalho e mal conseguia se concentrar pensando na mulher e no que ela vinha aprontando. Ia de casa em casa pra falar do mosquito da dengue e se referia a ele como o mosquito safado que pegava a mulher dos outros.
Foi para o bar depois com Silas e comentou o drama que passava. O amigo mandou que Desidério parasse de besteiras que Matilde era uma mulher decente. Desidério coçava a cabeça e respondia “sei não, sei não”.
Silas irritado perguntou como o agente podia desconfiar assim da mãe de seus filhos e que em vez dele estar lá no bar bebendo devia estar com ela em casa, dando lhe chamego e atenção, assim ela nunca iria querer de outro homem.
Desidério concordou com o amigo, levantou-se e disse que a conta naquele dia era dele. Saindo do bar deu de cara com Rubens. Um olhou para o outro e Desidério com cara de poucos amigos saiu.
Chegou em casa gritando por Matilde e que ela se preparasse que naquela noite teria, mas ela não atendeu. Percorreu toda a casa e nada. Sentou-se no sofá se perguntando onde a mulher estaria àquela hora e imaginando que estivesse com algum macho.
Apenas duas horas depois ela chegou com os filhos e Desidério irritado perguntou onde Matilde estava. A mulher sem entender a reação do marido respondeu que estava na casa de sua mãe e nunca vira o marido daquela forma. Desidério caiu na real e para não assumir o ciúme, nem que estava desconfiado pediu desculpas e comentou que estava preocupado porque a cidade andava violenta.
Matilde deu um beijo no marido e se encaminhou para a cozinha. Rapidamente Desidério pegou o telefone e ligou para a sogra perguntando se Matilde esteve lá. A senhora respondeu que sim e para não haver desconfianças o agente disse a sogra que Matilde perdera um brinco e pediu que a senhora procurasse.
Desligou e sem ser visto observava Matilde pegando uma maçã na geladeira. O homem estava desconfiado demais.
A paranóia aumentava e Desidério começou a seguir a mulher na rua, mas não conseguia descobrir nada, não via nada de errado com ela. Comentou com Silas que nem conseguia dormir mais direito e notou que o amigo estava estranho. Perguntou o que Silas tinha e ele respondeu que realmente estavam rolando uns comentários que Matilde lhe traía.
Desidério ficou verde, amarelo, azul e branco, queria matar a esposa e Silas pediu que o agente se acalmasse que talvez fossem só boatos. Desidério transtornado repetia que não era boato, ela realmente o traia e só não conseguira descobrir como ainda.
O agente planejava o que faria se encontrasse a mulher com outro na cama. Disse que a mataria e mataria o homem também, mataria os dois. Silas falou que violência não levava a nada e Desidério respondeu que chifre levava a tudo.
Uma noite muito desconfiado Desidério estava em casa com os filhos porque a esposa alegou que iria ver uma amiga doente quando o telefone tocou.  
Desidério atendeu e de forma anônima do outro lado da linha um homem falou “quer saber onde sua mulher está? Ela está no motel carinhus quarto 203, corre lá” desligando.
O chão sumira dos pés de Desidério. O homem sentou-se e o filho mais velho perguntou se o pai estava bem. Desidério respondeu que sim e pediu que ele tomasse conta do irmãozinho, pois, teria que sair.
Desidério pegou um ônibus e foi direto ao motel Carinhus. Muito nervoso chegou no saguão quebrando tudo e subindo direto com o atendente não conseguindo lhe segurar. Na frente da porta do 203 respirou fundo e arrombou a porta com um pontapé tomando um susto com o que viu dentro.
Encontrou seu amigo Silas deitado na cama com uma mulher, na verdade um travesti, não era Matilde.
Constrangido Desidério pediu desculpas ao amigo e se retirou, decidiu voltar e da porta falou.
- Poxa Silas, viado?
Do lado de fora foi algemado por policiais chamados pela gerência do motel e feliz falava “Não era Matilde, minha mulher é uma santa”.
Também reclamou de dores no corpo e se sentia quente, febril.
Da cela foi transferido para um hospital, estava com dengue. Matilde foi visitá-lo e enquanto lhe dava sopa Desidério contou tudo que ocorrera e pediu desculpas à esposa contando que nunca mais desconfiaria dela. 
Matilde olhou com carinho Desidério, disse que amava o marido e lhe beijou.
Saiu do hospital e entrou em um carro beijando na boca o homem que lhe esperava, era Rubens. Matilde riu e disse que o “otário” ficaria uns dias internado, estavam livres.
Rubens gargalhou e respondeu que agora podiam ir de verdade ao Carinhus, acelerou o carro e partiram.
Onde há fumaça, há “fogo”...

 

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