AS ESCOLAS QUE A MÍDIA ESQUECEU
Escrevi essa coluna para o Ouro de
Tolo faltando poucos dias para o carnaval 2012 e infelizmente continua atual.
Como sei que o pessoal gosta de textos sobre samba trouxe pra cá.
Vamos ao texto abaixo:
As escolas que a mídia esqueceu
Está chegando o
carnaval. Em poucas semanas começa o maior espetáculo da Terra. As escolas
estão a todo o vapor realizando seus ensaios de quadra, rua e os técnicos na
Sapucaí.
Os barracões preparam
suas mega alegorias, e as fantasias que muitas vezes custam mil reais começam a
ser entregues. Todos os ingressos mesmo que caríssimos se esgotaram faz tempo e
as emissoras de tv, sites, jornais e rádio dão grande destaque ao desfile das
escolas de samba do grupo especial do Rio de Janeiro.
Mas
se engana quem pensa que as escolas de samba resumem-se apenas às treze escolas
que desfilarão na Marquês de Sapucaí no domingo e segunda de carnaval. Elas
formam a elite do carnaval carioca, mas tem muito mais carnaval e escolas por
traz disso.
O
carnaval do Rio de Janeiro comporta seis grupos de escolas de samba e quatro
grupos de blocos de enredo.
Os desfiles dessas
agremiações acontecem na Marquês de Sapucaí onde desfilam o grupo
especial patrocinado pela LIESA, Liga Independente das Escolas de
Samba. Grupos A e B desfilam aos sábados e terças de
carnaval patrocinados pela LESGA, Liga Independente das Escolas de samba dos
Grupos de Acesso e os grupos C, D e E que desfilam na Intendente Magalhães aos
domingos, segundas e terças e são patrocinados pela Associação das Escolas de
Samba do Rio de Janeiro.
Os Blocos têm sua
Federação e desfilam entre a Intendente Magalhães e o bairro de Bonsucesso
durante os quatro dias de folia. Ultimamente se utiliza o critério de rebaixar
a bloco as quatro últimas colocadas do grupo E das escolas de samba e
transformar em escola a campeã do especial de blocos.
A realidade dessas
agremiações é bem diferente das 'super escolas de samba s/a'. Não tem o glamour
do Grupo Especial, seu charme e principalmente suas condições de trabalho e
dinheiro. Enquanto as escolas de samba do Grupo Especial têm a cidade do samba
para fazer suas alegorias, as escolas e blocos menores têm que se virar a fim
de realizar seu carnaval.
Muitas delas se
organizaram e montaram barracões numa área chamada de “Carandiru”, localizada
perto da rodoviária no bairro de Santo Cristo. Um lugar complicado de fazer
carnaval, sem muito espaço, muitas vezes sem condições mínimas de segurança e
conforto, mas é o que elas têm.
Ou tinham porque a
prefeitura abriu processo de retomada - o local faz parte do projeto “Porto
Maravilha”. A revitalização da área para as Olimpíadas.
Como eu falei as
condições são mais difíceis para construir o carnaval. A subvenção é bem menor
que as escolas do grupo especial e existe uma dificuldade bem maior de arrumar desfilantes. Se em uma
escola do grupo especial as pessoas brigam por fantasias de mil reais, em uma
escola pequena há dificuldades pra dar fantasia. Sim, de arrumar componentes
para desfilar de graça.
Quem trabalha em
escola pequena é porque gosta de carnaval e ama aquela agremiação. O trabalho é
tão ou mais árduo que em uma escola grande, mas a pessoa não recebe nada
para fazer: apenas a satisfação e emoção do trabalho feito e ver sua amada
escola desfilando.
Ninguém tem um cargo
específico, não há espaço para poses. O presidente da escola carrega sacos de
gelo, o diretor de carnaval empurra carros alegóricos, o carnavalesco fica todo
sujo ajeitando o carro na avenida (já que invariavelmente há danos no trajeto),
o presidente da velha guarda usa sua Kombi pra transportar as crianças ao
desfile, o diretor de harmonia leva o lanche pra comunidade...
E o desfile se não é
um primor na parte plástica dá um show de emoção, garra, luta, amor, samba no
pé.
Os desfiles na
Intendente Magalhães são um barato. Não existe aquela frieza da Sapucaí. Lá é
uma mistura de carnaval competitivo com carnaval de rua.
Vemos as escolas
passando ao nosso lado em pé na calçada ou em arquibancadas de madeira.
Bate-bolas passam batendo suas bexigas por trás das arquibancadas, as pessoas
colocam cadeiras de praia na frente de suas casas com churrasco e isopor com
bebidas para ver as escolas passarem. Várias barracas em torno da avenida
vendem churrasquinhos, salsichões, sopa de ervilha enquanto suas
TVs passam o desfile
das escolas do especial.
Desfile realizado
perto dali, mas às vezes tão longe.
Com muita honra posso
dizer que sou oriundo de escolas pequenas. Apesar de ser da União da Ilha o
primeiro samba que compus, tudo que eu aprendi foi no Boi da Ilha, escola que
hoje desfila no grupo C e tenho raízes também no Acadêmicos do Dendê, hoje no
grupo D.
Já disse em uma coluna
que venci esse ano na União da Ilha e no Dendê e fiquei mais nervoso na hora do
anúncio do resultado na segunda escola, apesar da vitória na primeira ser um
sonho.
Não só eu, mas muita
gente começou nessas escolas. Elas são verdadeiramente escolas de samba e dão
espaço para quem quer aprender. Se você pensa em começar em alguma escola de
samba aconselho que comece por uma pequena.
Têm escolas pequenas
que desfilam na Intendente Magalhães que já revelaram muito mais sambistas que
super escolas do especial. E essas escolas que estão hoje fora do grupo
especial não ensinam ou ensinaram apenas pessoas a se tornarem sambistas.
Elas ensinaram o
samba. O inventaram e lhe reinventaram.
Só ver na Intendente
escolas como Unidos da Ponte, hoje no grupo C a escola esteve por anos no
Especial e tem um Estandarte de Ouro de melhor samba do grupo especial, o samba
“E eles verão a Deus” (83).
Nos grupos de baixo
encontramos Unidos de Lucas do antológico
“Sublime Pergaminho”,
Em Cima da Hora que tem em seu cast “Os Sertões”, considerado por muitos o
melhor samba de todos os tempos e
outras escolas que passaram ou ficaram um bom tempo no grupo especial como
Unidos de Villa Rica, Unidos do Cabuçu, Leão de Nova Iguaçu, Vizinha Faladeira
(oriunda dos anos trinta) e muitas outras.
Chegando um pouco mais
acima, no grupo B encontramos a Caprichosos de Pilares, uma das escolas mais
queridas do carnaval carioca por sua simpatia e irreverência. Quem nunca ouviu
“tem bumbum de fora pra xuxú/qualquer dia é todo mundo nu”.
No grupo A temos as
campeãs do grupo especial Unidos do Viradouro e Estácio de Sá.
E ele...
... Ele que não é um
qualquer, representa a fidalguia e a aristocracia do carnaval. O menino de quarenta
e sete é um os maiores vencedores do carnaval carioca, um dos que inventaram o
que é hoje o desfile das escolas de samba e dono do maior acervo de samba de
enredo do nosso carnaval.
Como eles mesmos
dizem, são patente e só demente que não vê.
Falo do Império
Serrano.
Grupo especial sem o
Império Serrano não é a mesma coisa, simplesmente porque ele deixa de ser
especial. Eu vejo o Império, assim como vejo a Portela como uma força da
natureza, um Orixá e a impressão que dá quando vejo o especial sem o Império é
que falta alguma coisa.
Império Serrano de
Dona Ivone Lara, Beto sem braço, Aluizio Machado, Arlindo Cruz, Roberto
Ribeiro, do trem de luxo que parte, que enfeita nossos corações de confete e
serpentina, que se embalou pra me embalar, que cantou que Carmem Miranda estava
aí, que a sereia morava no mar e brincava na areia.
O Império Serrano do
Pelé do samba de enredo, de Silas de Oliveira que cantou que Brasília tinha seu
destaque na arte, na beleza e arquitetura e num lamento pediu liberdade
Senhor.
Agora..fala sério, com
tudo isso que eu escrevi. Como são essas escolas, suas batalhas, seu acervo
musical e histórico, importância pra cultura de nosso país você ainda pensar
que carnaval do Rio se resume a Marquês de Sapucaí eu sinto muito.
Porque enquanto
existir emoção existirá carnaval e emoção nem sempre vem do luxo, mas vem
sempre do coração.
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