FEIJOADA COMPLETA
Conto publicado na coluna "Enredo do meu samba" no blog Ouro de Tolo em 8/6/2013
Confesso
que deixei cair algumas lágrimas com a história e Maneta também emocionado
comentou que o rapaz estava recuperado e foi muita maldade o ocorrido. Manolo
apenas comentou “Deus sabe o que faz” e triste com aquela história decidi ir
embora.
No dia
seguinte liguei para Bia e comentei sobre a feijoada no “Casa de bamba”
convidando a ela e Julia para me acompanharem. Bia estranhou dizendo que eu
nunca fora muito apaixonado por samba, meu pai que era o membro da família
apaixonado e perguntou o porque daquele convite.
Respondi
que seguia o que a diretora falou e que achava uma boa estarmos mais tempo
juntos, unidos. Bia concordou e perguntou se podia levar o Zé.
Engoli em
seco e respondi “tudo bem” e depois desligando injuriado.
No sábado
peguei meu pai e passei na casa de Bia. Minha filha veio correndo pedindo para
ir conosco e Bia autorizou. Zé saiu de dentro da casa vestindo rosa, óculos
espalhafatoso e todo excitado dizendo nunca ter ido a uma feijoada com samba.
Comentei
com meu pai “e aí?” e meu coroa respondeu “é, você ta certo”. Assim eu, meu pai
e Júlia em um carro e Bia e Zé no outro nos encaminhamos para o bar.
Chegando
lá o local já estava cheio e sentamos na mesa de Manolo, a “mesa da diretoria”
como falavam. As baianas da Estácio de Sá que fizeram a feijoada e estava deliciosa. Comentei que há tempo não comia uma feijoada
tão boa e meu pai rindo comentou “ainda bem que não é a feijoada da Zezé”.
Perguntei
qual era o problema da tal feijoada e ele me contou mais uma grande história.
Zezé era baiana da Em Cima da
Hora, gloriosa escola de Cavalcanti autora de uma das maiores obras primas do
nosso carnaval, o samba-enredo “Os Sertões” do compositor Edeor de Paula e a
mulher desfilava na escola desde pequenina. Até que decidiu descansar e comprou
um sítio em Magé, interior do Rio de Janeiro.
Mas o descanso de Zezé era
trabalho. Ela tinha um bar na frente do sítio que reunia quase todos os bebuns
da cidade e outros do Rio que iam até o local matar saudades da velha baiana. A
rapaziada adorava ouvir as histórias de Zezé e principalmente ir até lá pro
“beija mão”. Ela era a madrinha de todos.
Revelou muitos artistas de
sucesso, muitos bambas hoje das escolas de samba devem seus sucessos a velha
baiana então quando ela realizava uma de suas famosas feijoadas no sítio o Rio
de Janeiro parava.
A feijoada mais famosa que
existia. Reunia artistas, famosos que lhe tinham devoção, aspirantes com o
sonho do estrelato, políticos, jogadores de futebol. Todos se espremiam e
confraternizavam para provar aquela delícia e tomar uma gelada ao som de muito
partido alto.
O feijão era muito saboroso e
levava carne de todos os tipos. Carne seca, orelha de porco, rabo de porco, pé
de porco, costelinha, paio e linguiça portuguesa.
Não podiam faltar as cebolas
grandes, o maço de cebolinha verde picadinho, folhas de louro, dente de alho,
pimenta do reino, pinga, sal, couve, farofa e claro a
laranjinha e o torresmo que dão todo o sabor.
E dependendo da quantidade de
gente mais água no feijão.
O sonho de qualquer carioca que
tenha um pouquinho de balacobaco e telecoteco nas veias era ser convidado para
essa feijoada e no fim de semana teria mais uma.
Zezé era casada com Joca,
antigo compositor da Em Cima da Hora. Joca era o típico malandro carioca.
Adorador de uma pinga e de sinuca chegava altas horas da noite em casa. Rei do
carteado e dizem das mulheres. O que provocava grandes “qüiproquós” na
residência dos baluartes do samba. Não era raro panelas voarem pra cima de Joca
e o malandro dormir do lado de fora com cachorro lhe lambendo o focinho.
A velha era danada e depois da
velhice a coisa foi ficando séria. Até queixa em delegacia Joca deu depois de
apanhar da mulher.
Mas o tempo era de alegria, era
dia de feijoada!!
Dona Zezé acordou cedo e pegou
duas noras para ajudar. A Zélia, mulher
de seu filho mais velho Joquinha e a Yara, mulher de Nestor, o do meio.
Norminha namorada de Dinho fugiu, essa só queria saber de piriguetear.
A senhora colocara de molho na
véspera as carnes já salgadas e na manhã do evento levou o feijão preto ao
caldeirão com bastante água. Em outra panela ferveu os ingredientes postos de
molho e já no fim da manhã na companhia das noras juntava o refogado feito à
parte e deixava ferver.
Os convidados chegavam e dona
Zezé recebia a todos com sorriso aberto. Joquinha e Nestor chegavam com os
engradados de cerveja e Dinho preparava a caipirinha que nunca pode faltar a
uma feijoada. Era uma grande festa.
Uma roda de samba foi montada
misturando sambistas da velha e da nova geração. Mulatas faceiras sambavam e a
caipirinha batia bem na garganta acompanhada da cachaça e da cerveja. O
torresmo enganava a fome dos convidados enquanto a feijoada ficava pronta.
Dona Zezé deixou as noras
tomando conta da cozinha e pegou o microfone para cantar sambas antigos da Em
Cima da Hora e do Império Serrano, sua segunda escola. A escola do morro da
Serrinha, fundada em 1947, é inúmeras vezes campeã do carnaval carioca e uma
das escolas mais tradicionais e respeitadas. Dona de um acervo fantástico de
sambas.
Cada vez mais convidados
chegavam e escutavam logo na entrada a voz aveludada de dona Zezé. Candidatos a
câmara dos deputados misturavam-se a bêbados sem identidade que eram apenas
conhecidos por apelidos. Um deles, o Xexéu era metido a poeta e adorava
declamar suas poesias no meio do samba. O homem parecia incorporar Vinicius de
Moraes com o microfone na mão e declamava sonetos que misturavam lirismo e
cachaça, dizia-se não um parnasiano, mas um “beberziano”.
Já Zé Gaguinho era cantor
apesar do nome. Era difícil e nervoso conversar com o homem que mal conseguia
pronunciar as palavras. Mas quando soltava a voz para cantar era uma
transformação. Zé Gaguinho tinha uma voz grave, poderosa e dizia com orgulho
cantar parecido com Nelson Gonçalves. E o danado cantava bem mesmo.
Negão do frete era um sujeito
muito engraçado que lembrava o Mussum. Dono de uma gargalhada contagiante
contava piadas como ninguém. Até o Costinha teria a aprender com o jeito do
Negão contar piadas, ele incorporava o personagem e fazia todos acreditarem que
a história era real.
Tinha o pastor Eugênio, sujeito
sério, homem de Deus que adorava comer sua feijoada com suco de
acerola, a Lady Batalhão, único travesti da região que se emperiquitava todo
para ir a feijoada parecendo ir numa festa de quinze anos, detalhe era filha do
pastor e o Moreirinha, famoso 171 de Magé que contava mentiras absurdas como se
fosse verdade como no dia que ele jurou ajudar Zeca Pagodinho e Arlindo Cruz a
terminar uma música.
E foi chegando gente, mais água
no feijão..
Deputado Clementino precisava se
reeleger e claro foi na feijoada.
Todo mundo sabia que ele odiava
povo por isso aplaudiam alto de forma irônica seu discurso. No fim o deputado
foi de pessoa em pessoa entregar seu “santinho” de campanha e pegou inúmeras
crianças melequentas e choronas no colo fingindo a felicidade de tomar um vinho
em Paris.
Todos estranhavam a ausência de
Joca. Dona Zezé de forma séria respondia que botara o safado para correr, mas
nenhum convidado levava a sério e rindo comentavam que daqui a pouco ele estava
de volta mais uma vez.
O delicioso cheiro da feijoada
já exalava por todo o sítio e o samba comia solto com medalhões da MPB fazendo
duetos e improvisando com os jovens num espaço democrático. Quase na hora da
comida chegaram alguns jogadores de futebol dos quatro grandes times do Rio que
sentaram na roda e pegaram tamborins, tantãs e surdo de marcação como qualquer
outro.
Até que a hora chegou. As
panelas foram colocadas em mesas na varanda e a fila enorme foi montada sem
privilégios. As pessoas batucavam com os talheres nos pratos felizes cantando
sambas enquanto dona Zezé e as noras serviam.
E como sempre a feijoada estava
maravilhosa. Todos elogiavam dona Zezé e comentavam pela carne estar ainda
melhor naquela tarde. A senhora respondia que
fizera de um jeito diferente e recebia elogios entusiasmados. Xexéu subiu em
uma cadeira e de improviso declamou uma poesia em homenagem a feijoada dizendo
que a feijoada era o Brasil que dava certo, em cada grão de feijão ou pedaço de
carne estava a alma e o coração do povo.
Deputado Clementino mandou que
um assessor anotasse para usar aquelas frases na campanha.
Ninguém conseguiu comer um
prato só, repetiam uma, duas vezes. Fazia um calor infernal no Rio de Janeiro,
mas ninguém se importava. O que importava era a feijoada!! A comida dos
Deuses!!
E de qualquer jeito a cerveja
amenizava o calor.
Aquele dia bacana passava. As
pessoas felizes conversavam, paqueravam, cantavam, batucavam e sambavam. Dona
Zezé sentou na roda e pegou um chocalho para acompanhar os sambistas. Uma
equipe de tv da Alemanha chegou no sítio para fazer uma reportagem mostrando
duas paixões do brasileiro, o samba e a feijoada. Moreirinha se ofereceu como
tradutor, mas ninguém sabia se o 171 estava traduzindo sério ou só dando mais
um golpe.
Dona Zezé mostrou todo o sítio,
os convidados e as panelas quase vazias com os produtos de sua feijoada. A
repórter, uma loira que já estava com rosto vermelho e suando em bicas por
causa do calor queria saber os segredos da feijoada e o tipo de carne que ela
usava, mas dona Zezé respondeu que era segredo. A fórmula era só dela e
morreria com ela.
Acabou convidando a equipe da
emissora alemã para provar a feijoada fazendo um prato pra cada um. Nestor fez
a caipirinha e os alemães ficaram loucos com os sabores.
O samba rolava com as pessoas
ainda estranhando a ausência de Joca achando que era uma briga boba e
rapidamente ele entraria na feijoada, mas nada do homem
chegar. Era a primeira vez que ele não participava do evento.
Até que um carro da polícia
parou na frente do sítio e os policiais entraram. Yara pediu que Cleide fosse
ver se ainda tinha feijoada, mas dona Zezé mandou que esperasse que talvez o
motivo fosse outro.
Os policiais se aproximaram e
dona Zezé perguntou em que poderia ajudar. Um deles contou que receberam
denúncia anônima que ocorrera um assassinato na casa.
Nesse momento o pagode parou,
tudo parou.
Todos prestavam atenção no que
dona Zezé tinha a falar, até Xexéu ficou bom da bebedeira. Dona Zezé pediu que
o policial prosseguisse e ele continuou dizendo que pela denúncia ela teria
matado o marido e jogado o corpo para os cachorros em seu canil.
Todos ouviam a história
abismados quando dona Zezé serena respondeu que aquilo não era verdade.
Antes que as pessoas se
aliviassem ela respondeu que só jogara os ossos para os cachorros e o policial
perguntou onde tinha parado o restante do corpo.
Dona Zezé com olhar frio de
psicopata apontou para as panelas.
Estarrecidos um olhava para o
outro começando a vomitar enquanto dona Zezé era algemada e levada para a
delegacia. A feijoada daquela tarde se encerrava e de alguma forma os
convidados descobriam que Joca estava presente no evento.
Aquela turma toda que se
esbaldou e fez fila para cair de boca no feijão e na carne agora fazia fila no
hospital Souza Aguiar.
É..aquela feijoada não caiu
bem.
E vamos botar água no feijão..
ENREDO DO MEU SAMBA (CAPÍTULO ANTERIOR)
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