AMOR: CAPÍTULO V - A NAMORADA DO MEU AMIGO
Devastado.
Destruído. Foi assim que eu saí do salão naquela noite. Encontrei todos na
porta e Samuel já veio pulando em cima de mim gritando o mesmo que Guga. “Você
é foda moleque!!”.
Não. Não
era. Eu era apenas um babaca apaixonado.
Eu não
conseguia ter reação a não ser mostrar um sorriso sem graça. Camila, abraçada a
Guga, se soltou dele e veio ao meu encontro. Fez carinho no meu rosto e disse
“não é que você conseguiu? Virou dançarino?”. Sem graça respondi apenas “é” e
ela me deu um beijo no rosto voltando aos braços de Guga.
Bia que
sempre foi capaz de desnudar minha alma percebeu que eu não estava legal e
perguntou se ocorria algum problema. Apenas respondi que não enquanto Guga
virava o centro das atenções, mesmo eu sendo o campeão e tendo ralado tanto
dizendo “Vamos a restaurante não, vamos a uma boate, vamos zoar!!”.
Paramos
em uma boate na Barra com todos animados e dançando na pista. Menos eu que fui
para o bar. O atendente perguntou o que eu queria e respondi “veneno de rato”.
Ele não
entendeu e perguntou “como senhor?”. Respondi “Na verdade queria uísque, mas como não bebo me
dê um suco de laranja”. Eu estava decidido naquela noite a tomar um porre de
suco de laranja.
Observava
do bar a alegria das pessoas. Que estavam lá por minha causa e
esqueceram totalmente de minha existência. Não conseguia tirar os olhos de
Camila e Guga numa mistura de tristeza e revolta.
Eu que
estava com o troféu no bar, mas ele que estava com o prêmio, o prêmio que eu
queria. Camila e Guga dançavam felizes, se beijando o tempo todo e nossos
amigos aplaudiam e gritavam a cada beijo. Parecia que o Guga que dançara,
ganhara o concurso. Ele era o centro das atenções.
Depois de
um tempo não aguentei mais aquela situação e decidi ir embora. Me levantei e já
estava quase na porta quando perceberam minha ausência. Chamaram meu nome e
quando vi era Camila.
Ela
perguntou se eu já ia embora e respondi que sim, estava com dor de cabeça. Camila
riu e disse “dor de cabeça é desculpa de mulher”.
Sorri
apenas e ela perguntou se eu estava legal. Respondi que sim, apenas estava
mesmo com dor de cabeça quando ela se aproximou.
Eu sempre
tremi quando Camila se aproximava, desde o primeiro atropelamento. Meu coração
acelerou quando ela chegou perto de mim e disse “Melhor coisa que eu poderia
ter feito na vida foi ter te atropelado”.
Eu não
sabia o que responder e ela continuou “Você cuidou de mim, me pegou no colo, se
tornou essencial na minha vida. Eu não consigo mais imaginar um dia sem te ver,
sem falar contigo”. Eu continuava sem saber o que dizer quando ela me abraçou e completou
“você é o melhor amigo que uma mulher pode ter”.
Pronto.
Se você quer ferrar com um homem é só chamá-lo de amigo.
Eu pensei
em chutar o balde e dizer “amigo de mulher é cabeleireiro”, mas me segurei e
apenas respondi “obrigado”. Me desvencilhei dela e contei que precisava
realmente ir. Camila concordou dizendo que precisava voltar a pista, pois Guga
esperava por ela e ficamos um tempo em silêncio até que dei tchau e saí.
Até ali
conseguira me segurar de boa, mas na rua sozinho não consegui me segurar. Abri
o berreiro, chorei muito e acabei dando o troféu para um mendigo que não deve
ter entendido nada. Andei pelas ruas do Rio de Janeiro a madrugada toda e
acabei parando no Arpoador para ver o nascer do Sol.
Estava lá
vendo o mar, as pessoas pescando e tentando entender o que eu fazia de errado.
Porque eu era um cara tão bobo, tão sem graça e nada dava certo na minha vida
enquanto para Guga tudo acontecia, tudo era mais fácil.
Guga já
era um cara milionário, bonito, cercado de mulheres. Por quê ele precisava da
minha também? Por quê a Camila?
Era uma
dor que sufocava o peito e funcionava como ácido corroendo por dentro. Não
existia injeção, analgésico ou morfina que fizesse amenizar.
Mas eu
podia tentar fazer algo por mim. Podia tentar mudar.
Sempre
fui um cara boa praça, amigo, de fácil acesso e que levava tudo na
esportiva e com um sorriso no rosto. Talvez por isso passasse por dissabores.
Decidi que estava na hora de mudar um pouco e me afastar de tudo que me fizesse
mal.
Começando
por Camila.
Na manhã
de segunda andava pela rua quando ouvi uma buzina. Olhei e era Camila no carro
rindo e comentando “quase que te atropelo”. Apenas dei um sorriso discreto de
volta e ela emendou “entra aí”.
Tive
muita vontade de entrar, mas apenas respondi “vai dar não”. Camila estranhou o
motivo e eu disse “quero ir andando, to me sentindo gordo”.
Camila
mandou que eu parasse de bobagem e entrasse logo que de gordo eu não tinha nada
e agradeci dizendo que precisava, pois me sentia inchado. Camila insistiu,
alegou que a faculdade era longe e contei que não adiantava insistir que eu não
iria aceitar.
Ela
entendeu que realmente eu não iria entrar e falou “vai ao salão hoje de noite. Acho
que devemos continuar dançando, fazemos um bom par”. Respondi que iria, ela se
despediu e partiu.
Depois
que ela foi reclamei “que merda, a faculdade é muito longe mesmo”.
Andei por
uma hora até chegar lá e saí mais cedo da aula para que ela não me encontrasse
na saída para oferecer carona. De noite decidi não ir ao salão. Fiquei em casa
lendo e ouvindo música quando provavelmente ela estava me esperando.
Na manhã
seguinte ouvi a buzina e vi que ela se aproximava. Antes que chegasse entrei no
primeiro ônibus que apareceu e parti. Por sorte era para minha faculdade.
Aquela na
verdade foi a última vez que fui a faculdade. Decidi trancar a matrícula e me
dedicar a música e ao ofício de DJ. Samuel, Bia, minha mãe e Pinheiro foram
contra, mas estava decidido.
Um dia
Camila perguntou por mim a Bia achando que eu estava sumido e ela respondeu que
eu trancara a faculdade. Camila estarrecida comentou que eu estava muito
estranho e minha amiga respondeu “ele sempre foi”.
Foi dessa
forma que eu vendo tv na sala ouvi a campainha tocando insistentemente,
levantei e me deparei com Camila.
Com cara
séria Camila perguntou se podia entrar e eu respondi “claro” acenando para
dentro. Ela entrou e antes que eu convidasse a se sentar me perguntou o que eu
tinha.
Respondi
que estava normal e ela revidou que não “Você está ainda mais recluso só saindo
para tocar nas festas. Não vai a nenhum evento da galera, trancou a faculdade e
dá a impressão que está me evitando”. Respondi que não evitava e ela disse
“Nunca mais foi ao salão”.
Lembrei a
ela, desviando de seu olhar, que eu nunca prometera que iria continuar dançando
no salão e que tomara a noção que não nascera pra dança. Camila me interrompeu
dizendo “Quero meu amigo de volta”.
Respondi
que estava ali e ela completou “Não, não está”.
Nos
olhamos por um tempo e ela disse que não iria me importunar e respeitar minha
privacidade, mas quando resolvesse voltar a ser o que eu era bastava lhe
procurar que ela me receberia de braços abertos.
Completou
dizendo “Volta logo pra mim. Sinto sua falta” e foi embora.
Deus!
Como é difícil!
Minha
vontade era de puxá-la de volta e dizer que a amava loucamente e tudo que eu
fazia me causava mais sofrimento do que ela sentia. Mas não podia. Além da
minha timidez que evitara que eu falasse em vezes anteriores agora tinha o
fator dela ter virado namorada de meu amigo.
E Guga
continuava o mesmo “garganta” de sempre tirando onda e se fazendo de gostoso.
Não era raro estar com ele e Samuel e Guga começar a contar detalhes sexuais de
sua vida com Camila e dizer que era insaciável e a menina mal dava conta dele.
“Mas é
uma putinha, faz tudo como eu gosto” costumava contar sorrindo.
Minha
vontade era de socá-lo. Estava ganhando ódio de meu amigo.
Achei
melhor tentar me distrair e fui visitar minha mãe. Filei aquele almoço
maravilhoso que só ela sabia fazer. Uma macarronada à bolonhesa de fazer
italiano babar e depois fui jogar futebol de botão com Pinheiro enquanto ela
cantarolava o cd de Roberto Carlos que tocava na sala.
Como eu
já disse Pinheiro sempre me vencia, mas naquele dia eu estava pior que o
normal. Ele me enchia de gols e eu não conseguia me concentrar só pensando em
Camila e na situação em que eu vivia. Quando eu já estava perdendo de 12 x 0 e
tomava gols de tudo quanto era jeito Pinheiro parou e perguntou se eu não iria
me concentrar.
Respondi
que estava concentrado. Ele disse “prepara”, ajeitou o botão para chutar e
disse “Fica pensando na garota, dá nisso”. Enquanto eu assustado perguntei
“como?” ele metia mais um gol.
Com 13 x
0 Pinheiro deu o jogo por encerrado e disse “vamos para o bar”. Eu fiquei
desconcertado enquanto meu padrasto gritava para a minha mãe que iríamos
comprar cervejas.
Chegando
lá Pinheiro disse ao dono do boteco que iria levar duas cervejas, mas beberia
uma ali. Perguntou se eu já tinha virado homem e eu respondi “fanta uva”.
Pinheiro resmungou dizendo “não virou” e gritou “portuga, manda uma fanta uva
pro mariquinha”.
Ele bebia
a cerveja, eu minha fanta e Pinheiro perguntou “A menina que você gosta está
com o Guga né?”. Eu tentei desconversar, dizer que era nada daquilo, mas
Pinheiro era malandro, vivido “Qual é Toninho? Anos e anos de praia e você ta
querendo me enganar? Vi o jeito que
olhava para ela enquanto dançavam”.
Eu nunca
contara para ninguém que era apaixonado por Camila e achei que aquele podia ser
o momento de desabafar. Olhei para ele e respondi “É, é verdade e eu não sei o
que fazer”. Desabafei tudo. Como comecei a gostar dela, nosso reencontro e como
perdi para o Guga.
Pinheiro
deu um gole na cerveja e disse “Você não perdeu”. Perguntei como não e o homem
emendou “a vida é cíclica. Nada é definitivo nela. Única coisa que você precisa
é acreditar em você. Essa mulher é sua e só vocês dois ainda não sabem disso”.
Levantou,
pagou as bebidas, pegou as sacolas com as cervejas e me puxou para irmos embora
dizendo “o Guga tem mais dinheiro que você, mas você é mais rico que ele”.
Voltamos
para casa e quando chegou a noite me preparei para ir embora. Antes que eu
fosse Pinheiro pediu desculpas para minha mãe e disse que não poderia
acompanhá-la para a excursão a Aparecida do Norte. Minha mãe lamentou, mas meu
padrasto emendou dizendo “Mas o Antonio pode”.
Ele não
me perguntou nada. Não perguntou se eu podia, se eu queria e antes que eu
falasse algo o homem disse “Será bom pra você sair um pouco da cidade,
espairecer e pensar”. Antes que eu pudesse responder algo minha mãe esperançosa
perguntou se eu podia.
Olhei
Pinheiro que me olhava firme e quando vi minha mãe ansiosa com a resposta eu
disse “posso sim mãe”. Minha mãe me deu um abraço feliz enquanto Pinheiro
acenava positivamente com a cabeça.
Pedi que
Samuel segurasse a onda dos eventos no fim de semana para que eu pudesse viajar
com minha mãe. Camila não me procurou naquela semana, estava muito ocupada
namorando Guga e vi que realmente era a melhor decisão a tomar e lá fui eu para
Aparecida.
Era um
ônibus de excursão e eu era o mais novo do ônibus, minha mãe era a segunda mais
nova e aí vocês veem o nível da situação. Só tinha terceira idade ali e eu já
imaginava estar embarcando em um programa de índio.
Chegando
lá realmente tudo era muito bonito e a basílica uma das coisas mais lindas que
já vi. Era bacana ver a fé daquelas pessoas. Gente indo pedir, outras
agradecer. Cheguei a pensar em pedir por mim e Camila, mas depois pensei que
Nossa Senhora tinha coisas mais importantes
para se preocupar.
Eu não
conseguia parar de pensar em Camila e chegava a conclusão que não adiantava
viajar se em pensamento eu continuava com ela. Tentava me distrair e pensava
também no que Pinheiro disse, sobre ela ser minha e não saber ainda. Será?
Passeando
pela cidade vi um grupo jovem, de minha idade. Era o primeiro grupo desses que
encontrava ali e achei interessante decidindo me aproximar.
Cheguei
perto e eles estavam em uma rodinha tocando violão e cantando músicas gospel.
Achei legal e tímido perguntei se poderia me juntar a eles. Rapidamente recebi
sorrisos e sim como resposta sentando.
Achei
aquilo bem gostoso, clima tranquilo, de paz e me tirando da tormenta em que
vivia. Notei uma moça loira linda que cantava divinamente e me olhava. Primeira
vez desde que me aproximei de Camila que eu reparava em outra mulher.
Ela
sentou perto de mim e continuou cantando. Ficamos ali por horas até que
cansamos e cada um decidiu passear para um canto.
Fui
passear com a moça.
O nome
dela era Amanda e disse que era de Juiz de Fora, cidade que fica na divisa de
Minas Gerais e Rio de Janeiro e a família estava ali para agradecer a
recuperação de seu irmão que sofrera um acidente de moto e ficara quinze dias
em coma.
Conversamos
várias coisas e por algum tempo consegui não pensar em Camila. Amanda além de
muito bonita era cativante e pensei “eu poderia me apaixonar por essa garota”.
Depois de
passearmos por um tempo sentamos em um banquinho e continuamos conversando.
Papo vai, papo vem, um clima surgiu e acabou que nos beijamos.
Um beijo
gostoso em uma mulher bonita. Tudo que um homem quer.
Mas não
foi um beijo de amor.
Depois do
beijo nos olhamos e a única coisa que consegui dizer foi “desculpa”. Amanda
entendeu a situação e perguntou “Tem outra né?”.
Sem jeito
respondi “Meu coração sim, mas eu mesmo não”. Amanda fez carinho nos meus
cabelos e disse “Você é especial Antonio. Moça de sorte”.
Passeamos
mais um pouco e nos despedimos. Era hora dela voltar para Minas e eu ao Rio.
Dentro do ônibus voltando pensei em Camila, mas pensei também em Amanda.
Refleti “Uma moça linda como Amanda se interessou por mim, justo por mim. Não
devo ser tão ruim
assim”.
Continuei
refletindo “Talvez Pinheiro esteja certo. Talvez só me falte confiança”. Decidi
ali mudar o meu destino. Iria no dia seguinte me declarar a Camila, contar todo
o meu amor não importando qual seria a sua resposta.
Como
prometido no dia seguinte fui à faculdade procurar por Camila. Perguntei para
várias pessoas até que a vi em um corredor.
Ela
chorava e discutia com Guga.
Fui me
aproximando aos poucos para tentar entender a situação e quando cheguei perto
reparei que Camila chorava muito. Quando ia perguntar o que ocorria vi Camila
dar um tapa no rosto de Guga e ir embora. Esbarrou em mim e prosseguiu sem nem
me dar atenção.
Olhei
para Guga que passava a mão no rosto e quando me viu apenas disse “não fala
nada” indo embora.
Procurei
Camila pela cidade toda preocupado e tentando entender o que ocorria sem obter
sucesso. Desolado voltei para casa sem achá-la e entrei no quarto.
Dando de
cara com Camila.
Ela
estava sentada na minha cama e ao me ver me abraçou forte e chorando. Eu não
conseguia dizer nada. Apenas abraçá-la e fazer carinho na sua cabeça.
E mesmo
naquela situação me sentir feliz.
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