HOMENAGEM A JAIR
Pensei em fazer uma homenagem ao gigante Jair Rodrigues, um dos maiores intérpretes que esse país já conheceu, mas lembrei que nos primórdios do blog colocava meus livros aqui e logo no primeiro chamado “O retrato da vida” tem a maior homenagem que eu poderia fazer.
O livro conta a história de um personagem chamado “Doido” e sua vida se mistura com os acontecimentos mais importantes do século XX. Quem quiser conferir é só ver as primeiras postagens do blog.
Transcrevo aqui um pedaço do capítulo “Tempos de chumbo” onde coloco toda minha admiração e respeito a Jair Rodrigues.
Uma pequena homenagem a Jair
TEMPOS DE CHUMBO
“Os anos
60 eram a pura efervescência pelo mundo inteiro. Um grupo chamado Beatles
formado por quatro garotos de Liverpool na Inglaterra eram a grande febre
musical e todos queriam imitar. Pelo país começava um movimento chamado
Jovem Guarda capitaneado por um rapaz chamado Roberto Carlos e claro eu não
poderia ficar de fora disso.
Reuni
meus amigos no boteco do seu João e comentei com eles qual era a melhor forma
de ganhar mulheres. Os três responderam dinheiro e eu falei que tinha uma forma
melhor e que poderíamos ficar famosos. Perguntaram o que e respondi “montar uma
banda de rock”.
Os três
começaram a rir de mim. Fernando perguntou como iríamos montar uma banda de rock
se não sabíamos tocar nada, Marquinhos disse que só sabia tocar cavaco e achava
que isso não adiantaria em uma banda de rock e Bruno com seu jeito “boca suja”
de ser contou que só sabia ir para o banheiro em um ato solitário tocar..melhor
não dizer, podem ter crianças lendo.
Reclamei,
falei que eles não podiam desistir antes da hora e que tudo que quiséssemos
poderíamos alcançar, ganhar o mundo e ser um novo Beatles. Eles riram do meu
otimismo, mas decidiram topar.
Começamos
a ensaiar na garagem do Bruno e a família dele reclamava muito. Com razão
éramos péssimos. Fernando era o vocal e baixo, eu e Marquinhos nas guitarras e
Bruno na bateria. Uma formação parecida com a dos Beatles. Pegávamos umas
músicas dos Beatles e da Jovem Guarda para ensaiar. Íamos bem o problema era só
acertarmos o ritmo, enfim faltava tudo.
Aos
poucos por incrível que pareça melhoramos. Isso depois de seis meses ensaiando.
A família de Bruno que reclamava começou a parar pra assistir e depois até a
vizinhança foi. Viramos os ídolos da rua, os novos Beatles. Bruno morava no
bairro de Ramos, zona Norte do Rio de Janeiro então viramos os “Beatles da
“Professor Lacê”. Era a rua que Bruno morava.
Um dia
descobri que aconteceria um festival de música que passaria ao vivo na TV
Record em São Paulo. Corri para contar aos meus amigos e falando que tínhamos
que participar. Os três gargalharam e falaram que era loucura minha e eu
realmente era doido. Depois de falar o “doido desde que nasci” de sempre falei
que tínhamos que confiar em nós mesmos, nós estávamos cada vez melhores e
devíamos tentar.
Junto com
Marquinhos compusemos uma música pro festival, pegamos os outros dois e
ensaiamos exaustivamente. Dia e noite. Depois que vimos que ficou legal fomos a
um estúdio, gravamos e mandamos a fita pra TV Record cheios de esperança.
Apenas
trinta e seis músicas seriam escolhidas para apresentação ao vivo e nossa
ansiedade era grande. Até que recebi uma ligação, atendi e era da produção da
Record. Eu só conseguia balbuciar “sim..sim..sim”. Bruno estava na minha casa e
ficou ansioso com o telefonema. Quando desliguei gritei “passamos, vamos para o
festival!!!”.
Eu e
Bruno nos abraçávamos e gritávamos emocionados. Fomos correndo atrás dos outros.
Os quatro comemoraram muito, era a grande chance de nossas vidas. Fomos
festejar no bar do seu João com feijoada e caipirinha fazendo planos de ganhar
aquele festival e mostrar nossa música pro Brasil.
O dia de
nossa apresentação se aproximava e nossa ansiedade também. Em vez da garagem
começamos a ensaiar em um estúdio alugado com um produtor nos ajudando. Bruno
pegou suas economias e comprou uma guitarra pro Marquinhos que emocionado
agradeceu lhe abraçando.
Nós quatro havíamos nos transformado em uma família de
verdade e eu ensaiava e pensava se Aloemi me assistiria. Torcia que sim para
que ela assistisse, lembrasse do seu amor por mim e quem sabe assim voltaríamos
a nos ver.
Chegamos
ao local do festival e nas coxias já ficamos nervosos vendo tantas estrelas
circularem., Elza Soares, Roberto Carlos, Gilberto Gil, Caetano Velloso,
Geraldo Vandré, Chico Buarque, Jair Rodrigues, Edu Lobo, Elis Regina, Paulinho
da Viola..e nós, tremendo como vara verdes.
Pelo
sorteio nos apresentaríamos depois de Jair Rodrigues que cantaria uma música do
Geraldo Vandré e Théo de Barros. No meio de tantos astros da música Bruno ia e
voltava toda hora do banheiro de nervoso. Nosso papo estava hilário.
Fernando
: Bicho, vocês estão vendo? Só tem artista consagrado aqui.
Doido:
Fiquem calmos por favor. Calmos, calmos porra!!!
Fernando:
Você pede calma, mas ta nervosão bicho.
Doido: Eu
to calmo, calmíssimo, todos aqui são iguais a gente, sem exceção.
Marquinhos:
Não Doido, não são iguais a gente. O Chico Buarque por exemplo não é igual a
gente. Ele é bonitão, é boa praça, é ótimo compositor, cantor, se eu fosse
mulher dava pra ele.
Fernando:
Héin?
Marquinhos:
Se eu fosse mulher porra, não sou.
Doido: Tá
bom, ta bom, tirando o Chico todo mundo é igual.
Marquinhos:
Tem a Elis também que...
Doido:
Cala a boca !!
Bruno:
Ai.. vou ao banheiro de novo..
Estávamos
assim para fazer nosso show, nesse clima de paz e tranquilidade.
De
repente Jair Rodrigues foi chamado. Nós éramos o seguinte a nos apresentar
então fomos até a beira da coxia assistir. O “cachorrão” como era chamado
começou com suas brincadeiras de sempre e abriu o vozeirão. Quando abriu a voz
mandou isso aqui...
“Prepare o seu
coração prás coisas que eu vou contar
Eu venho lá do sertão, eu venho lá do sertão
Eu venho lá do sertão e posso não lhe agradar
Aprendi a dizer não, ver a morte sem chorar
E a morte, o destino, tudo, a morte e o destino, tudo
Estava fora do lugar, eu vivo prá consertar
Eu venho lá do sertão, eu venho lá do sertão
Eu venho lá do sertão e posso não lhe agradar
Aprendi a dizer não, ver a morte sem chorar
E a morte, o destino, tudo, a morte e o destino, tudo
Estava fora do lugar, eu vivo prá consertar
Na boiada já fui
boi, mas um dia me montei
Não por um motivo meu, ou de quem comigo houvesse
Que qualquer querer tivesse, porém por necessidade
Do dono de uma boiada cujo vaqueiro morreu “
Não por um motivo meu, ou de quem comigo houvesse
Que qualquer querer tivesse, porém por necessidade
Do dono de uma boiada cujo vaqueiro morreu “
Ouvimos a isso
estupefactos. Quando começou a parte acelerada da música e ele cantou
“Boiadeiro muito tempo, laço firme e braço forte” um clima de “fudeu” tomou conta da gente.
Fernando falava que queria a mãe dele, Marquinhos de olhos arregalados
perguntava “que porra era aquela?”. Bruno foi mais uma vez ao banheiro e eu
paralisado ouvia aquela apresentação magistral.
Nunca havia visto
coisa parecida, estava vendo a história da música sendo feita na minha frente.
A apresentação visceral do Jair acabou aos gritos de “já ganhou”.
Ele saiu sob
aplausos e anunciaram o nome de nossa banda “Os 4 fabulosos”. Estávamos
paralisados e não entramos, o locutor chamou novamente e continuamos parados.
Chico Buarque
chegou perto de nós e desejou boa sorte. Marquinhos segurou em sua mão e antes
que pedisse o Chico em casamento o puxei para o palco.
Entramos sob o
silêncio da plateia, ajeitamos nosso equipamento virei para meus parceiros e
falei que nós éramos bons e não estávamos ali a toa, faríamos uma grande
apresentação. De repente ganhamos a dose de auto confiança que precisávamos,
demos as mãos gritamos e nos posicionamos para nossa apresentação.
E começamos a
nossa apresentação e posso dizer tranquilamente que foi a pior apresentação de
um artista já feita na televisão brasileira. Nada deu certo. Fernando
desafinava como uma taquara rachada, as guitarras estavam desconcentradas,
Bruno errava tudo lá atrás e deixava peças da bateria cair. Começamos a ser
vaiados no começo timidamente.
No começo foram
tímidas, mas foram aumentando, aumentado virando uma coisa pavorosa. As pessoas
em protesto cantavam “A banda” do Chico Buarque e “Disparada” que acabara de
ser cantada. Com as vaias a apresentação conseguiu piorar até que não
conseguíamos mais tocar.
Marquinhos em um
acesso de fúria pegou a guitarra e a destruiu toda batendo no chão. Bruno
chegou perto dele com os olhos arregalados e Marquinhos perguntou qual era o
problema, Bruno respondeu “Minha guitarra seu filh.. da put..!!!”. Marquinhos
havia esquecido que a guitarra era emprestada.
Bruno pegou
Marquinhos pelo pescoço e uma grande confusão começou no palco parecendo luta
de tele cach. Fomos expulsos do palco e assim se encerrava a carreira dos “4
fabulosos”.”
Valeu Jair!!
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