ERA DA VIOLÊNCIA 2: CAPÍTULO XXI - PAIS E FILHOS
O disparo foi certeiro, o juiz
morreu na hora. Mesmo assim Rui deu mais três disparos para garantir.
Galalite,
desesperado por grana, revirou os bolsos do defunto atrás de dinheiro, pegou
sua carteira, tirou as notas e colocou no bolso. Jogou a carteira longe e
consegui ver uma foto do juiz voando da mesma. Ele estava acompanhado de dois
adolescentes e uma criança. Deviam ser seus filhos.
Entramos no carro e partimos. Mais
uma vez o silêncio tomou conta do veículo como em todas as ações. Eu olhava
pela janela com sentimento de culpa. Não sou santo, já tinha matado gente pra
cacete, alguns inocentes, mas tempo que não matava sem ser para me defender.
Aquilo me fez mal, me fez ter
raiva daquela situação toda e não podia fazer nada. Rui tinha me ajudado com
Guilherme e sou um cara que mantém palavra. Tinha uma dívida, foi paga.
Voltamos ao galpão. Rui foi até
seu carro e pegou uma maleta, abriu e mostrou para gente. Uma maleta cheia de
dinheiro, quantidade não vista ainda nesses trabalhos.
Dividiu igualmente em quatro. Deu
a parte de Galalite, de João e me chamou.
Perguntei o que ele queria. Rui
pegou um paco de dinheiro e me disse “É seu”. Perguntei porque e ele respondeu
“Você trabalhou hoje, tem direito, toma”. Galalite não me dissera nada, mas
percebi que ele estava precisando de dinheiro e disse “Dê pro Galalite, ele ta
precisando”.
Rui me olhou sem entender e
completei “Paguei uma dívida apenas”.
Andei saindo do galpão e Rui
gritou “Você atira bem professor, pode ganhar muito dinheiro”. Não lhe dei
ouvidos e saí do local entrando em meu carro. Fiquei uns minutos quieto dentro
dele e fui embora.
Vaguei pela cidade desnorteado,
com pensamentos confusos e parei em frente da mansão. Olhei para a casa durante
um bom tempo e peguei o celular telefonando para Juliana.
Era tarde, mas mesmo assim ela me
atendeu. Disse alô e fiquei mudo. Depois de um tempo, com ela insistindo em
perguntar quem era respondi que era eu e ela perguntou se havia algum problema.
Fiquei mais algum tempo em
silêncio e ela nervosa perguntou onde eu estava e se eu precisava de alguma
coisa. Nada respondi. Desliguei e fui embora.
No dia seguinte bateram cedo na
minha porta. Era Galalite. O homem entrou e agradeceu pela ajuda. Perguntei o
que ele tinha e o bandido abriu seu coração contando toda a história que eu
antecipara.
Comentei “Que dureza, queria poder
te ajudar em alguma coisa”. Galalite respondeu “Ajudou muito ontem cara, aquela
grana, muito obrigado, nunca esquecerei”. Galalite era uma pessoa boa, talvez o
melhor de nós e falei que era uma pena que ele estivesse nessa vida. Completei
“Sai dessa enquanto é tempo, você tem mulher, filha pequena, não estrague sua
vida”.
Galalite ficou um tempo em
silêncio e respondeu “Já estraguei a minha vida, agora tenho que salvar a da
minha filha e só com dinheiro consigo isso. Não será fazendo bico que vou
conseguir essa grana”.
O dia estava movimentado pra mim.
Andando pela rua ouvi uma buzina. Na imaginei que fosse para mim e continuei
andando até que tocaram novamente e perguntaram “Você é surdo?” Quando vi era
Rodrigo Saldanha.
O homem pediu que eu entrasse no
carro. Olhei desconfiado para ele que reforçou “Entra aí, não vou te prender,
não agora”. Entrei e falei “Cem reais o programa”. Rodrigo deu uma risadinha e
respondeu “Continua engraçadinho, mas quero te fazer uma pergunta. Como andam
os cachorros velozes?”.
Comentei que o homem cismara com
essa história de cachorros e Rodrigo continuou “Você sabia que mataram um juiz
ontem? Juiz Salomão Silveira?”.
Respondi que não sabia e Rodrigo
perguntou “Você sabia que o juiz tinha embargado a obra do estádio olímpico por
suspeita de superfaturamento?”. Respondi que não sabia, não estava acompanhando
política e ele completou “Embargo que prejudicou diretamente Rubinho e Donato
Barreto. Rubinho que é o marido de sua ex-mulher”.
Comentei “Mas o senhor que é amigo
do Rubinho, deve saber mais do que eu”. Rodrigo disse que não era seu amigo,
era conhecido e desse tipo de detalhe era mais fácil eu ter conhecimento que
ele então eu falei “O senhor sempre foi um ótimo policial investigativo então
devia saber que eu e o Rubinho nos odiamos então não teria o porque eu estar pro dentro dessa
história”.
Rodrigo se virou pra mim e disse
“Alguma coisa me diz que você sabe sim do que está acontecendo. Gilberto, você
não é bobo, enquanto matavam uns pés de chinelo ninguém ligava, mas um juiz
morreu agora e tudo mudou. A situação fedeu de vez”.
Ele estava certo, Rodrigo era
raposa velha e realmente Rui tinha dado um passo muito perigoso. Morreu um juiz
que vinha sendo elogiado pela opinião pública por dar um basta na farra
financeira. Claro que aquele caso teria repercussão e o pior, quem matou foi
eu.
Rodrigo falou “Você sabe que não
acredito que essas coisas que você coloca no blog são histórias antigas
misturadas com ficção né? Pense bem Gilberto”.
Agradeci por ele ser meu leitor e
respondi que se eu descobrisse algo contaria pra ele. Perguntei se estava
liberado e ele respondeu que sim.
Desci do carro e pensei “Estou
entrando em uma nova cagada”.
De noite Rui andava de carro pela
cidade e parou no local que Yolanda fazia ponto. Buzinou para ela que
conversava com outras prostitutas. Yolanda percebeu a presença do policial e se
aproximou dizendo “Quem é vivo sempre aparece”.
Rui perguntou se estava tudo bem
com a mulher e Yolanda respondeu “Sim, você sumiu”. O policial disse que iria
recompensar e mandou que a prostituta entrasse no carro.
Yolanda entrou, Rui deu um beijo
na mulher e disse “Diz pra suas amigas putas que você não volta hoje, nós vamos
nos divertir muito”.
Foram para um hotelzinho, foderam
e no fim descansavam ouvindo Roberto Carlos em uma rádio. Yolanda comentou “Amo
Roberto Carlos, ele sempre fala as coisas certas na hora certa”. Rui riu e
perguntou “Ta tocando amada amante, representa a gente?”.
Yolanda virou para o policial e
disse “Eu gosto de você, de verdade”. Rui fez carinho no cabelo da mulher e não
falou nada, apenas lhe beijou. Se abraçaram com Yolanda sorrindo e falando “Que
saudades eu estava de você” quando Rui comentou “Vou precisar de você de novo
amada amante”.
Aquilo desanimou a mulher que
ficou sentada na cama e perguntou “Como assim de novo?” Rui respondeu que João
voltara com Fernanda e completou “Já esperava por isso, mulher sempre volta na
primeira chifrada”.
Yolanda perguntou “Já não basta o
que foi feito? Por quê você odeia tanto esse cara?”. Rui respondeu “Quem disse
que eu odeio o João? Ele foi meu amigo de infância, meu melhor amigo e
infelizmente ele está no meio da situação que você já conhece, eu te
expliquei”.
Yolanda voltou a deitar e comentou
“Ele deve estar tratando a garota como uma rainha, não vai dar mole”. Rui
respondeu que era assim mesmo a situação, mas completou “tudo tem a sua hora e
quem fraqueja uma vez fraqueja duas”.
Yolanda ficou em silêncio com a
cabeça no peito de Rui quando começou a tocar “Outra vez” no
rádio. Rui virou-se para a mulher e cantou
“Você foi o maior dos meus casos, de todos os abraços o que nunca esqueci”.
Yolanda sorriu e comentou que ele
sabia como lhe ganhar. Rui continuou cantando “Me esqueci de tentar te
esquecer, resolvi te querer por querer” beijando a mulher.
Roberto Carlos estava na moda
mesmo. Na manhã seguinte Fernanda dormia e foi acordada com beijos e ao som de
“Amanhã de manhã, vou servir um café pra nós dois”. Era João Arcanjo cantando
em seu ouvido e com uma bandeja que carregava café, suco, pães, margarina, bolo
e frutas.
Fernanda perguntou que surpresa
era aquela e João respondeu “É o mínimo que minha rainha merece”. Fernanda se
sentou para tomar o café e enquanto João colocava leite na xícara comentou “Bem
que podíamos viajar não acha? Tem uma graninha boa entrando, a situação
financeira melhorou, a gente podia ver isso”.
Fernanda perguntou qual milagre
era aquele já que João nunca se interessou por viagens. O farmacêutico abraçou
a mulher e respondeu “Sempre trabalhei muito, nunca me diverti, conheci
lugares. O que você acha? França? Itália?”.
Fernanda sorriu e respondeu que o
que ele escolhesse estava ótimo. João pegou uma maçã, mordeu e Fernanda
comentou “Você continua chegando tarde, isso que podia acabar”. João acariciou
os cabelos da esposa e disse “Confia em mim Fê, tudo que eu faço, que me força
chegar mais tarde em casa é pro nosso bem, o nosso futuro”.
Fernanda concordou enquanto João
sentou-se ao seu lado e começou a pegar várias coisas que tinham sobre a
bandeja. Fernanda riu e brincou “Hei, esse café não era meu?”. Comendo João
respondeu “Sim, o problema é que está muito gostoso. Aliás, você notou como
essa música do Roberto Carlos é a melô do pão duro? Servir um café pra nós
dois”.
Os dois comiam, beijavam e se
divertiam. Em estado de graça.
Scarface não vivia um estado de graça.
Continuava aprontando com o bando e passou a faltar o trabalho sendo demitido.
Não gostou da demissão e ameaçou o dono do restaurante com uma faca. De
madrugada voltou ao local com o bando e quebraram tudo tacando fogo depois.
Cara. Estados Unidos não é Brasil,
aqui é zona, lá não. Rapidamente a polícia chegou nos culpados. Scarface foi
preso, nada foi provado contra ele, mas descobriram que ele estava ilegalmente
no país.
Eu tenho dúvidas se realmente a
polícia americana não achou provas contra ele. O que seria melhor pros caras?
Manter um imigrante ilegal lá preso ou dar um chute na sua bunda mandando pra
terra natal? Claro que a segunda.
Um furioso Scarface desceu no
aeroporto do Galeão jurando vingança aos americanos. O cara voltou tão puto que
queria fundar uma filial da Al Qaeda no Brasil. Saiu do aeroporto quando viu
uma plaquinha com seu nome segurada por um cara vestido de chofer.
Ressabiado perguntou qual era o
problema e o chofer respondeu que queriam lhe ver. O taxista perguntou quem e
ele respondeu “O deputado”.
Scarface comentou baixinho “É,
vamos lá comer esse viado” e sorriu para o chofer entrando no carro.
Enquanto Donato se divertia com
Scarface Rubinho de casa ligava desesperadamente para o irmão. Não conseguindo
o homem se emputeceu e ligou para a Flávia perguntando “Cadê a porra do teu
marido?”.
Tiveram um diálogo cheio de
intimidades onde Rubinho ao mesmo tempo em que falava coisas como “Saudade do
teu rabo, quero te ver de novo” reclamava do irmão que teria que estar em sua
casa para uma reunião importante.
Depois de uma longa conversa
desligou e deu de cara com Guilherme. Se preocupou pensando se o garoto tinha
ouvido algo e perguntou se ele estava ali há muito tempo. Sorrindo Guilherme
respondeu que não “Só vim aqui dizer que seu aspone chegou”.
Rubinho agradeceu e quando passou
por Guilherme ele pediu “Me arruma duzentos reais pra sair com uma gata”. Sem
pensar duas vezes Rubinho abriu a carteira e deu o dinheiro ao garoto indo
embora.
Guilherme, sozinho, botou o dinheiro
no bolso e falou “Nunca me arrumou dinheiro tão rápido, filho da puta”.
Rubinho foi até a sala e encontrou
Sérgio Timóteo, seu principal diretor, o homem a quem Guilherme chamou de
aspone.
Rubinho cumprimentou o homem e
pediu desculpas pela ausência do irmão. Sério, Sérgio respondeu que talvez
fosse bom que ele não estivesse.
Rubinho, preocupado, perguntou
qual era o problema. Sérgio abriu uma pasta, tirou uns papéis de dentro e
mostrou ao empresário. Rubinho leu atentamente e comentou “O filho da puta do
Vergara ta me roubando mesmo”.
Sérgio emendou “Não só ele”. O
empresário não entendeu e pediu que Sérgio explicasse. O diretor contou que
além da auditoria e da espionagem em cima do governador ele, por conta própria,
achou melhor estender a espionagem. Rubinho perguntou a quem ela foi estendida
e Sérgio entregou mais um papel.
Rubinho lia estarrecido e Sérgio
comentou “Aí embaixo é uma conta em paraíso fiscal, repare na quantidade de
zeros”.
Rubinho indignado gritou “Filho da
puta!!”. Sérgio botando lenha na fogueira concordou e disse “Eu não acreditei
quando as investigações acabaram. Nunca imaginei que alguém pudesse fazer isso
com o próprio irmão”.
O empresário falando mais baixo,
mas ainda indignado retrucou “O filho da puta, que minha mãe me perdoe, do
Donato se uniu ao Roberto Vergara pra me roubar, pra me foder, eu vou matar os
dois”.
Sérgio perguntou se Rubinho falava
sério e o empresário respondeu “Claro que não, você acha que eu teria coragem
de matar meu irmão?”.
Ele na verdade não.
Eu andava de carro quando vi
Guilherme e Celina em uma calçada. Parei e buzinei cumprimentando os dois.
Guilherme colocou a cabeça na janela e comentou “E aí
pai, você surgiu numa boa hora”.
Perguntei qual era o problema e
ele respondeu “Tava aqui chamando um táxi pra gente, mas aí você apareceu e
pensei por quê não economizar uma grana, então, dá uma carona pra gente”. Ri,
comentei “Moleque safado” e mandei que chamasse a menina.
Entraram e fomos conversando
amenidades até chegar a porta da casa de Celina. Me despedi dos dois e fui
embora para que eles ficassem mais a vontade.
Celina e Guilherme se beijavam na
frente da casa quando Donato saiu de dentro da mesma. Furioso vendo os dois
juntos mandou que Celina entrasse. A moça perguntou qual era o problema e
irritado Donato gritou “Entra”.
Guilherme pediu e ela entrou. Com
os dois a sós meu filho perguntou o que ocorria. Donato respondeu “Você é um
bandido, um drogado e quero longe da minha filha”.
Os dois discutiam violentamente
enquanto eu voltava para a casa de Donato porque meu filho esquecera o celular
no carro. Eles não perceberam minha presença, mas cheguei a tempo de ouvir
Donato dizer “Some da vida da minha filha seu verme! Você não presta igual o
bandido do seu pai!”.
Ah moleque..Mexe com filho meu
não. Desci voando do carro, praticamente passei por cima de Guilherme e dei um
soco na cara de Donato. Guilherme tentou impedir, mas em vão. Dei vários socos
na cara de Donato e gritava “Seu viado! Não ousa falar do meu filho que eu te
mato!”.
Celina e Flávia saíram da casa
para apartar. Guilherme me empurrou para ir embora enquanto Donato gritava que
não ficaria daquela forma. Gritei de volta “Tenta fazer alguma coisa com meu
filho que eu te mato!”.
É. Fiquei muito puto.
Alguns dias depois na faculdade um
professor dava aula na sala de Guilherme que retomara o curso. Um funcionário
da faculdade chegou com embrulho e pediu autorização para interromper a aula. O
professor perguntou o que era e o funcionário respondeu “Chegaram uns livros
para os alunos, reitor pediu para entregar”.
O professor pegou o embrulho e o
funcionário saiu. Colocou sobre a mesa e comentou com os alunos “Vamos ver o
que temos aqui”. Desmanchou o embrulho e percebeu que dentro dele não tinha
livros e sim uma bomba.
E ela explodiu.
ERA DA VIOLÊNCIA 2 (CAPÍTULO ANTERIOR)
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