ERA DA VIOLÊNCIA 2: CAPÍTULO XX - A COBRANÇA
João assustado virou para trás e
viu Fernanda. A mulher, sem saber o que fazer olhou os dois por um tempo e saiu
andando. João saiu atrás pedindo para conversar deixando Yolanda sozinha.
Fernanda correu até o carro, já
vazio e entrou saindo em disparada. João entrou no seu e foi atrás.
Yolanda, sozinha no restaurante,
bebia enquanto Rui se aproximou e sentou. Perguntou a mulher o que João tinha
pedido e ela respondeu “Medalhão”. Rui comentou “Ótimo, como por ele” e
completou “Você terá que me levar em casa. Vim no carro da Fernanda e ela me
deixou aqui”.
Fernanda entrou em casa chorando e
foi direto para o quarto. João correu atrás encontrou a esposa pegando a mala e
arrumando sua roupa dentro. João tentou impedir segurando a mão da mulher
enquanto ela parou e gritou “Me solta”.
João tentou se explicar “Não é
nada disso que você ta pensando Fernanda, eu estava me despedindo dela, não foi
nada sério, foi só um casinho”.
Fernanda soltou a mala e começou a
socar o marido “Você tem coragem de dizer que me traiu, me humilhou por algo
que era nada demais? Que fosse pelo menos por algo importante!!”. Acabou de
arrumar uma mala e disse “Depois peço pro meu pai pegar o restante”.
João ainda tentou evitar que a
esposa fosse, disse “Me perdoa, eu te amo”. Mas em vão. Ela foi
embora.
Entrou no carro, saiu em disparada
e João deu um chute na lixeira gritando “Filha da Puta”. Galalite chegava
naquele instante na casa do farmacêutico e perguntou o que ocorria. João
respondeu “Ela me pegou com outra. Que merda cara, que merda”. Galalite mandava
o amigo se acalmar e João respondeu “Me acalmar como? Minha mulher acabou de me
deixar porra!”.
João falou em ir atrás dela e
Galalite segurou o farmacêutico “Agora não adianta nada, se acalme, deixe que
ela também se acalme e depois vai atrás”.
Galalite levou João para dentro da
casa e fez o farmacêutico sentar. Pegou um copo de água e entregou a João que
agradeceu. O homem bebeu um gole e perguntou o que Galalite fazia ali. O
bandido respondeu que estava com problemas, mas depois conversava, no momento
João passava por um problema maior.
Fernanda voltou para casa do pai
que lhe recebeu com os braços abertos. Algum tempo depois tocaram a campainha e
Rodrigo foi atender. Era Rui.
Rodrigo respondeu que sua filha
não estava pra ninguém, mas de dentro Fernanda viu Rui de Santo Cristo e
respondeu “Para ele estou”. Rodrigo deixou que o rapaz entrasse e ele foi até
Fernanda se desculpar por ir embora, mas não queria que o amigo lhe acusasse de
traição.
Fernanda desolada comentou
“Traição? Traidor aqui é ele”. A mulher começou a chorar enquanto Rui lhe pegou
nos braços para consolar sendo observado de longe por Rodrigo. Sentaram-se e
Rui pegou as mãos de Fernanda dizendo
“Não concordo com isso que ele fez. Se tem algo que nunca perdoei é traição.
Ele é meu amigo, mas um idiota, um babaca que não merece a mulher que tem”.
Fernanda agradeceu e Rui continuou “Queria te dizer que o que você precisar,
tudo o que precisar estou aqui. Só me chamar que venho correndo”.
Fernanda abraçou Rui e Rodrigo
continuava observando de longe.
Na hora de ir embora Rodrigo abriu
a porta para Rui e comentou “Você não é amigo do João? Devia estar com ele
agora, consolando, orientando, não?”. Rui respondeu “Sim, sou amigo dele, mas
sou principalmente amigo da justiça. Por isso sou policial, assim como o senhor
foi”.
Rodrigo ouviu a tudo atentamente e
continuou “Tudo bem, só achei estranho você vir tão rápido consolar a mulher do
amigo”. Rui sorriu e deu boa noite a Rodrigo. Antes que fosse embora ouviu do
pai de Fernanda “Avise a seu outro amigo, Gilberto, que sei que ele ta metido
em coisa errada e vou botá-lo na cadeia”.
Sobrou pra mim.
Os dias passavam. Guilherme
cumpriu a promessa e tomou jeito. Trancou a faculdade e passou a trabalhar com
a mãe no meu lugar, como assessor parlamentar. Nas andanças por Brasília
reencontrou Celina, filha de Donato Barreto.
Celina estudara anos na França e
retornou poucos dias antes ao Brasil. Foi visitar o pai em Brasília e pelos
corredores do congresso deu de cara com Guilherme. Ela que reconheceu meu filho
lhe chamando.
Guilherme ouviu o chamado e se
virou. Ela perguntou “Guilherme Peçanha?” Meu filho confirmou e ela fez nova
pergunta “Não se lembra de mim? Celina Barreto”. Ele parou um pouco para
observar e se lembrou da moça lhe dando abraço.
Foram até o restaurante do
congresso onde conversaram, contaram o que fizeram da vida e se divertiram sem
ver o tempo passar. Guilherme olhou o relógio e disse que tinha que voltar ao
trabalho quando Celina fez um convite “Eu vou numa festa hoje, amigos meus aqui
de Brasília me chamaram, não ta afim de ir?”.
Guilherme pensou um pouco e a moça
insistiu. O rapaz sorriu e respondeu que iria.
De noite Guilherme buscou Celina
onde ela estava hospedada e foram para a festa. Chegando lá o evento não era o
esperado por eles. Festa estranha, com gente esquisita e muita droga rolando.
Gente fumando maconha, cheirando,
se picando, rolando de tudo. Guilherme se sentiu incomodado e a moça percebeu
perguntando se ele sentia algo. Guilherme respondeu que queria ir embora e ela
topou.
Saíram de carro por Brasília e
pararam na região da Esplanada. Desceram do veículo e deitaram sobre o capô
para ver as estrelas. Guilherme colocou um som e eles ficaram lá ouvindo e
observando as estrelas.
Guilherme pediu desculpas por
decidir ir embora, explicou “Em outros tempos eu teria adorado aquela festa.
Teria cheirado todas, me esbaldado, mas não é mais a minha. Tem gente que eu
não posso decepcionar, eu não posso me decepcionar”.
Celina respondeu que entendia e
emendou conversa “Sempre desconfiei mesmo que você não fosse filho do tio
Rubinho. Sempre te achei gatinho, gente boa e ele é tão..é tão..”. Celina não
encontrou palavras e Guilherme rapidamente encontrou “Escroto”. Celina
gargalhou e concordou “Escrotaço”.
Os dois gargalharam muito e já
calmos Guilherme comentou “Meu pai é diferente dele”. Celina perguntou se eu
era maneiro e Guilherme respondeu “Acho que sim. Ele é diferente, não lembra os
pais normais, mas acho que a gente se dá bem”.
Celina virou-se para Guilherme e
perguntou “Sabe o que seria legal agora?” Guilherme respondeu que não sabia e
ela contou “que você me beijasse”. Meu filho se espantou e disse que a moça era
bem direta, Celina aproximou a boca da boca de Guilherme e completou “Você
ainda não viu nada”. Os dois se beijaram.
Uns se entendiam, outros tentavam.
João tentava se aproximar aos poucos de Fernanda e conseguia. A mulher relutava
em voltar pra casa, mas já aceitava conversar com o marido. Uma noite eu estava
na casa de João e ele se lamentava comigo “A gente ta se dando bem, parece que
ela gosta de mim ainda, mas falta alguma coisa. Algo que eu a traga de vez de
volta pra mim”.
Ficamos um tempo em silêncio até
que comentei “Eu sei tocar violão”. O farmacêutico falou “Poxa, legal” como se
não entendesse o porque de meu comentário naquele momento. Prossegui e
perguntei “Qual a música de vocês?”. João continuou sem entender e respondeu
“Música? Temos nenhuma, nunca parei pra pensar nisso, mas ela gosta de Fábio
Jr”.
Era o que eu precisava. Virei para
João e contei “Eu sei tocar Fábio Jr”. João perguntou onde eu queria
chegar.
Descobriu algumas horas depois.
Quase madrugada cheguei na casa de
Fernanda com João. Estacionamos o carro e perguntei se ele estava nervoso, João
respondeu que sim e eu disse “Ótimo, agora desça”.
Descemos do carro e eu peguei um
violão. Fomos até a janela de Fernanda e comecei a dedilhar. Perguntei se ele
estava pronto e João respondeu perguntando “Tenho alternativa?”. Respondi que
não e ele comentou “Tudo bem, vamos lá”.
Comecei a tocar e mandei que ele
cantasse. João decidiu cantar a música “Alma gêmea”, grande sucesso na voz de
Fábio Jr e antes que chegasse ao refrão “Carne e unha, ama gêmea, bate coração”
Fernanda abriu a janela e passou a prestar atenção.
Falei “Ta agradando, continue” e
João emendou. Fernanda sorria ouvindo o marido cantar e quando ele começava a
terceira música Fernanda gritou “Se eu aceitar voltar pra casa você para de
cantar?”.
De uma certa forma aquela serenata
deu certo. João sorriu e respondeu que sim. Fernanda fechou a janela, desceu e
abriu a porta correndo para abraçar o marido. Abraçada a ele Fernanda disse
“Foi a pior apresentação de um cantor que eu já vi na vida, mas ao mesmo tempo
a mais linda”. Os dois se beijaram e eu aproveitei para deixar o casal sozinho
se reconciliando.
No dia seguinte acordei cedo
porque tinha um compromisso importante. Fui ao metrô. Mas não para andar de
metrô, mas a um momento especial.
Várias famílias se encontraram
naquela estação de metrô para um congraçamento, um dia para relembrar.
Completavam vinte anos do atentado no metrô que matou muita gente, entre elas
minha filha Rebeca.
Muitas pessoas já estavam reunidas
com velas na mão e orando. Um pastor e um padre comandavam um culto relembrando
os vinte anos da tragédia quando vi Juliana em um canto misturada a multidão.
Me aproximei de minha ex e toquei
em seu ombro. Quando percebeu que era eu pegou a minha mão e continuamos juntos
em silêncio assistindo ao culto. Rebeca era uma dor nossa, uma dor que nos unia
e que nunca tratamos direito, nunca paramos para conversar sobre o que vivemos
e o que sentíamos.
Acho que era melhor assim porque
eu mesmo não sei até hoje como lidar com a situação. Sonho quase todas as
noites com Rebeca e imagino como teria sido se ela escapasse daquele atentado
no metrô. Hoje ela seria uma mulher adulta, provavelmente já terminando a
faculdade e vivendo sua vida na plenitude, com um amor, uma profissão.
Aceitar a morte de um filho é
impossível, não importa o quanto de tempo tenha passado. É uma parte de nós que
morre junto e preenche nossa dor de vazio.
Saímos do culto e levei Juliana
até seu carro. Minha ex se virou para mim e perguntou se eu era feliz. Aquela
pergunta me pegou de surpresa. Olhei um tempo para ela e respondi “Não”.
Juliana apenas me olhou, disse nada e se
despediu indo embora.
Andei pelo centro da cidade, o
movimentado centro da cidade do Rio de Janeiro pensando em tudo, pensando em
Rebeca, Guilherme, Juliana e na minha vida. Eu já passara dos cinquenta anos,
vivi muito, sofri demais, fiz muitas besteiras e a impressão é que nunca sairia
de minha prisão particular. A resposta que dei a Juliana, que não era feliz,
foi espontânea e sincera. Nunca tinha parado pra pensar, mas realmente não era
feliz.
Eu queria ser feliz, como muita
gente queria. João e Fernanda tentavam se acertar vivendo uma segunda lua de
mel. João tratava a mulher como no início do casamento lhe dando toda atenção.
João não procurava mais Yolanda que vivia seu caso de amor passional com Rui.
Rubinho Barreto vivia sua vida
dupla com Juliana e Flávia, a mulher de Donato que vivia com a cabeça nos
Estados Unidos, em Scarface. Scarface ralava nos Estados Unidos lavando pratos,
mas também se metia em confusões.
Se juntou a uma gangue formada por
latinos e negros e assaltava nas noites de Nova York. Saíam em grupo pelas ruas
e aterrorizavam a população. Scarface não chegou a matar como no Brasil, mas
agrediu um morador de rua e por isso acabou em uma delegacia.
Apresentou documentos falsos,
providenciados por Donato, provando que estava legal no país e foi solto.
Galalite tinha drama familiar. Sua
filha apresentava problema sério nos rins e precisaria de transplante. O homem
gastava dinheiro com remédios caríssimos e por isso
corria atrás de Rui de Santo Cristo pedindo serviços.
Serviço que pintaria.
Donato chegou em casa e Flávia lhe
chamou em um canto dizendo que Celina chegara. O homem respondeu “Vou ver minha
filha, depois nos falamos”. Flávia pediu que ele esperasse e contou “Ela não
veio sozinha, um rapaz veio e lhe deixou aqui”.
Curioso Donato perguntou quem e
Flávia respondeu “Guilherme, o enteado de seu irmão”.
Donato ficou furioso e disse “Esse
moleque é metido com drogas, já foi pra reabilitação, preso, não quero a Celina
envolvida com esse marginal”. Flávia comentou que era enteado de seu irmão e
Donato completou “Não interessa. Rubinho não tem nenhum pulso sobre ele. Não
quero a minha filha com esse bandido”.
Donato subia as escadas para falar
com a filha. Flávia tentava impedir quando o celular do deputado tocou. Ele
atendeu e era Rubinho. Conversou com o irmão por um tempo, desligou e comentou
com a mulher que precisava ir.
Flávia reclamou que sempre que
Rubinho chamava o marido saía correndo e completou “Não gosto do seu irmão, ele
é uma péssima influência”. Donato respondeu que era muito grandinho pra se
deixar influenciar e saiu.
Donato chegou no escritório de
Rubinho onde Rui de Santo Cristo já se encontrava e chegou reclamando da mulher
que pegava em seu pé e da filha que se envolvia
com o marginal do Guilherme Peçanha. Rubinho riu e falou “Com
aquele bandido? Manda matar logo, aproveita que o Rui está aqui”.
Rui comentou que precisando era só
conversarem e Donato agradeceu dizendo que ainda não era motivo. Rubinho pegou
a palavra e disse “Estamos aqui para acertar tudo sobre o Salomão Silveira.
Rui, quero esse filho da puta fora do meu caminho”.
Rui mandou que o empresário
relaxasse que já estava tudo acertado e seria na noite seguinte. Rubinho comentou
“Se você passar esse filho da puta e não deixar sinais sobre quem fez eu tenho
o serviço da sua vida pra lhe oferecer”. Rui mandou que Rubinho se tranquilizasse
que aquele serviço já era dele.
Eu, João, Rui e Galalite nos
encontramos na noite seguinte no galpão. Rui comentou que seria o maior serviço
até então do grupo, mas seria interessante, pois rolaria muito dinheiro.
Galalite, precisando da grana, pediu que fossem logo realizar o serviço e
comentei que era melhor eu não ir. Serviço grande assim eu poderia atrapalhar.
Rui olhou pra mim e disse que
fazia questão da minha presença.
Rui e João na frente, eu e
Galalite atrás. Saímos de carro até chegar a Barra da Tijuca. Paramos na
esquina de um cruzamento perto do condomínio que o juiz morava. Entediados e
sem nada pra fazer Galalite percebeu a porta do condomínio se abrir e saírem
dois carros. O de trás parecia ser o do juiz.
Os carros pegaram a avenida até a
nossa direção. Rui ligou o veículo e quando o carro da frente se aproximou ele
fechou. O carro de trás, com o juiz, antes
que tentasse fugir levou um tiro de Galalite estourando o radiador e impedindo que
o carro saísse. O da frente tinha três seguranças que começaram a trocar tiros
com Galalite, Rui e João.
Os “cachorros” mataram os
seguranças e foram até o carro do juiz que era blindado. Ao chegarmos perguntei
o que fariam e naquele instante a porta da frente se abriu. O chofer estava
corrompido pela organização. O homem saiu do carro e disse “O juiz é de vocês,
só não quero problema pra mim”.
Rui entrou no carro e puxou o juiz
que estava sentado no banco de trás até lhe retirar do veículo.
Salomão caído no chão pedia
piedade. João gritava “Vai morrer filho da puta! Vai morrer por vender
sentenças! Por livrar assassinos da cadeia em troca de propina!”. Salomão
chorando jurou que nunca fizera isso e não sabia do que o farmacêutico falava.
E ele falava a verdade. Aquela
história foi inventada para que João e eu aceitássemos participar daquela ação.
Galalite preparou o fuzil para atirar
em Salomão quando Rui interferiu e mandou que o homem abaixasse a arma dizendo
“Não será você”. Galalite perguntou quem mataria e o policial apontou dizendo
“Você”. Ele apontou pra mim.
Eu ri e lembrei Rui que só
acompanhava para retratar as histórias, tinha nada com aquilo e Rui lembrou
“Você me deve favor, vai pagar agora”.
Assustado disse que não poderia
fazer aquilo. Rui se aproximou de mim e lembrou “Você já fez coisa pior, foi
dono de morro, matou viciados, atira logo, você me deve isso”.
Eu olhava o juiz no chão com as
mãos juntas rezando e pedindo piedade e não sabia o que fazer. Rui gritou
“Atira!! Eu salvei seu filho porra!! Atira nesse filho da puta!”.
Peguei a arma, engatilhei e olhei
para o juiz que mais uma vez pediu piedade. Transtornado pedi desculpas ao
homem.
E atirei.
ERA DA VIOLÊNCIA 2 (CAPÍTULO ANTERIOR)
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