AS MULHERES DE ADÃO: CAPÍTULO XVI - QUEILA


Bem, ficou tudo bem comigo e com Edu em alguns dias já estava em casa. Problema foi ouvir piadinhas e ser chamado de “cenourinha” pelos colegas. Evidente que nunca mais soube de Pâmela.

Meu velório prosseguia e graças a Deus ninguém mais se lembrava da história da cenoura. Lembravam de muitas histórias minhas, mas não dessa.Bia parecia estar em outra dimensão. As pessoas batiam papo, bebia, comiam, até cantavam e Bia quieta me olhava o tempo todo. Kátia comentou com Eva se estava tudo bem com a Bia e minha irmã respondeu que sim, só era muito amor.

Amor..ah o amor..a gente persegue tanto o amor e muitas vezes ele está na nossa frente e não percebemos. Pior quando percebemos tarde demais.

As duas olhavam pra Bia, o velório continuava como um velório normal até começar de novo uma grande movimentação.

De repente entrou um pessoal fantasiado. Palhaços, malabaristas, trapezistas, mágico, ninguém entendeu nada até que um homem pegou microfone pra falar e mandou essa.

“Respeitável público, estamos aqui hoje para uma grande festa que é o velório e enterro do nosso amigo Adão!! E o Adão o que é? É ladrão de mulher!!”.

Todos olhavam espantados e ele prosseguia.

“Esse é o maior espetáculo da Terra!! O enterro de um grande homem que foi muito importante para a história circense mundial e estamos aqui para sua homenagem!!”.

Depois disso dois palhaços começaram a se apresentar e as pessoas sentaram no chão pra assistir. Eles representaram momentos da minha vida que levaram o público à gargalhada. Os malditos lembraram até a história da cenoura. O público ria e vibrava com os palhaços. Depois foi a vez dos malabaristas que fizeram acrobacias até com a garrafa de cachaça do tio Freitoca, detalhe, não deixaram cair uma gota.

E veio a vez do mágico.

O homem começou tirando um coelho da cartola o que fez Edu soltar um “cenourinha” e começar a rir. Depois fez truque com cartas, flores, todas aquelas coisas manjadas de mágica até que chamou uma pessoa da platéia. Ele chamou meu avô que relutou, mas acabou aceitando sob insistência de minha avó.

Ele foi à frente e o mágico pediu a carteira do meu avô. Ele fez cara de quem não gostou muito, não queria entregar, mas sob pedidos do público acabou entregando. O mágico então chamou a assistente que colocou um pano em cima da mão de seu chefe, deu uma rebolada e tirou.

Ao tirar apareceu uma pomba. O mágico soltou e ele saiu voando com o mágico dizendo que era eu voando pra liberdade. Bonito isso, o mágico foi muito aplaudido.

O meu avô disse que a cena era linda, mas queria a carteira de volta. O mágico respondeu que tudo bem, a assistente colocou novamente o pano sob sua mão, tirou e..

..apareceu uma bola de futebol.

O mágico ficou constrangido e o truque foi feito de novo. Saiu uma peteca, depois uma vassoura, espanador, um gato, um jogo de lego, um chinelo, uma cueca..

..e nada da carteira.

Meu avô irritado pegou o mágico pelo colarinho e esse falava que não sabia o que ocorria. Uma grande confusão tomou conta do velório até que se ouviu um grito e um barulho. O trapezista havia caído do alto.

Todos foram ver e meu pai soltou essa “parece que não teremos apenas um velório hoje”.

Trágico.

A vida é assim. Um sobe e desce, altos e baixos, nem sempre é o que parece e assim ocorreu uma situação comigo.

Estava em alta e com dinheiro no bolso então comprei um carro novo. Carrão importado, do ano, aquele tipo para tirar onda mesmo. Só que com algumas semanas pegava a ponte Rio Niterói e o carro foi parando, parando e parou..

Calor desgraçado, as pessoas buzinando atrás. Parei no acostamento e irritado saí do carro com o celular na mão pra reclamar com a concessionária.

Enquanto falava muito irritado uma voz de um carro perguntou se eu precisava de ajuda. Fiz sinal positivo sem prestar muita atenção e continuei falando no celular.

Um carro parou do lado do meu e desceram, quando olhei pro lado uma mulher estonteante se aproximava de mim. Até desliguei o telefone na hora olhando embasbacado pra ela. A mulher deu um sorriso daqueles de parar o trânsito mais ainda que meu carro enguiçado e pediu para eu abrir.

Respondi ainda atônito que eu abriria o que ela quisesse. A mulher riu e falou para eu abrir apenas a frente do carro. Dei um sorriso sem graça voltei ao carro e abri. Ela olhou por alguns segundos, disse que já sabia qual era o problema e que iria pegar umas ferramentas.

Foi e voltou com uma caixa de ferramentas. Mexeu com algumas dela no carro e mandou que eu ligasse. Eu liguei e por milagre ele funcionou. Saí do carro espantado e perguntei “como?”. A mulher riu, tirou um cartão de uma bolsinha que carregava e me entregou falando que aquela era de graça, mas a seguinte cobraria.

Olhei pro cartão e estava escrito “Queila, mecânica” com telefone e endereço. Agradeci, ela abriu um sorriso e foi embora.

Fiquei tão sem reação com uma mulher linda daquelas trabalhando como mecânica que nem dei em cima. Entrei no meu carro e parti pensando naquela mulher, em Queila.

Tinha que arrumar desculpa pra ver aquela mulher de novo, ir até sua oficina.

A desculpa veio alguns dias depois quando Edu começou a reclamar de um barulho estranho em seu carro. Logo falei para ele que era uma temeridade andar com o carro assim e que eu conhecia uma oficina ótima. Levei Edu até lá e amigos..a oficina era longe. Acho que os carros eram levados pra lá ainda bons pra chegarem lá com defeito de tão longe que era.

Chegamos lá e ela me reconheceu. Sorriu e perguntou se ocorrera problema com o carro de novo e respondi que não, dessa vez era com um amigo meu.

Queila ficava linda com macacão.

Ela abriu o capô, olhou, foi pra debaixo do carro, se sujou de graxa e o impressionante que mesmo suja de graxa e óleo ficava linda. Depois de um tempo saiu debaixo do carro, disse pra uns funcionários da oficina qual era o problema e pediu que ajeitassem. Ela foi até uma sala e eu não resisti indo atrás e perguntei como ela entendia tanto de carros. Queila respondeu que foi criada no meio de homens. Pais, irmão e acabou aprendendo afazeres masculinos.

Falei que ela era linda e que devia trabalhar como modelo não mecânica. Queila sorriu e mandou “Cantada barata hein amigo, tá querendo me comer né?”.

Só deu tempo de eu responder “oi?”. Queila me pegou com força e me jogou em cima de uma mesa cheia de papéis praticamente me violentando cheia de graxa e óleo.

Do lado de fora os mecânicos mexiam no carro quando ouviram um barulho. Um virou pra ele e comentou que o barulho do carro parecia que aumentara. Edu olhou pra sala e já me conhecendo respondeu que era do carro não. No fim eu me arrumava todo sujo e Queila rindo falou que não adiantava que não me daria desconto pelo que ocorreu. Eu ri e perguntei quando a veria de novo e ela respondeu “Você tem meu cartão bobão”.

Do lado de fora com o carro consertado Queila deu “a facada” em Edu que sentiu uma grande dor no coração, deu o dinheiro e pagou. No caminho de volta Edu se lamentava pelo dinheiro gasto e que poderia ter vivido com aquele barulho que o carro fazia. Eu só sorria.

No dia seguinte liguei pra Queila e convidei para sair. Ela topou e contei que conhecia um restaurante ótimo, calmo onde poderíamos conversar a vontade. Ela perguntou se podia escolher o lugar que iríamos e respondi que tudo bem. Encontrei a garota e perguntei onde ela me levaria. Queila mandou que eu passasse pro banco de passageiro que me mostraria. Eu nunca fui de andar como passageiro como mulher, mas antes que eu falasse algo ela já abrira a minha porta mandando que eu fosse pro lado.

Queila pegou o carro e acelerou. Mais de cento e vinte por hora que me fez segurar forte na porta pedindo por minha mãe. Cortava os outros carros, avançava sinais, por vários momentos vi a morte com sua foice em minha janela me chamando.

Mas chegamos ao local que ela queria. Queila parou e eu branco rezava com olhos fechados quando ela disse “chegamos”. Abri os olhos e preferia ter mantido fechados. O lugar era um “pardieiro” o que costumamos chamar aqui no Rio de Janeiro de “pé sujo”. Eu pensara num restaurante chique, ela num boteco. Entramos no boteco e um português careca com um pano no ombro gritou “Ora pois!! quanto tempo Queilão!!” .

É, ele falou assim, Queilão.

Ela sorriu e respondeu “fala portuga viado!! Manda o de sempre”. Sentamos e Queila contou que eu iria gostar muito dali. Eu ainda tentando me acostumar ao local perguntei pra ela onde era o banheiro e ela apontou, mas disse que antes eu tinha que pegar a chave com o português.

Levantei, passei por Queila que assoviou e disse “que bundinha hein, será minha ainda”. No momento lembrei-me do episódio da cenoura. Botei as mãos na minha bunda lhe protegendo e andei até o português.

Banheiro todo sujo, sem papel. Fui me lavar e molhei a calça toda. Ao voltar Queila ironizou perguntando “Não sabe mijar ou tocou uma pra mm”. Sem graça respondi que tive um acidente apenas. Um pouco depois que sentei o português deixou na mesa ovos de codorna, bolinhos de bacalhau e serviu dois copos de cachaça.

Ele ia levando a garrafa quando Queila mandou que deixasse lá e perguntou se ele estava lhe estranhando. O português respondeu que sabia que ela bebia bem, mas eu não tinha cara de encarar aquela cachaça.

Eu tinha que dar uma de macho em algum momento e respondi que gostava de cachaça e iria beber tranquilamente e Queila emendou que se eu não aguentasse ela bebia a garrafa toda. Enchemos o copo, brindamos e colocamos a bebida na boca. Assim que bebi cuspi na hora nunca bebera algo tão forte. Queila bebeu de uma vez só e depois ficou rindo de mim e da cara que fiz.

Virou para o português e pediu um suco de laranja pra mim. Eu com cara de bunda pedi sem açúcar.

E ela bebeu bem, comeu quase todos os quitutes da mesa e depois de algumas horas falou para jogarmos sinuca. Eu ri e falei que era muito bom de sinuca e ela perderia pra mim.

Queila levantou, apontou pra mesa que ficava atrás do bar e falou “vamos ver”. Fomos até a mesa e realmente Queila jogava bem. Não só jogava bem como me deu uma surra. O bar parou pra olhar a surra e riam a cada boa jogada dela. Depois de dez vitórias seguidas Queila largou o taco, pegou minha mão e disse que eu era melhor transando. O pessoal do bar todo gritou zoando enquanto ela saía comigo e mandava o português “pendurar” a conta.

Ela me levou ao motel que ficava na mesma rua do bar. Era um “pulgueiro” onde o atendente já a conhecia e falou “Oi Queilão, quanto tempo”. O motel era um lixo, mas o sexo ótimo e eu gostava de Queila.

Na noite seguinte levei a moça até minha casa e aluguei “um amor pra recordar” para vermos e chorarmos juntos. Mas com quinze minutos de filme Queila achou chato e mandou tirar porque passava um filme ótimo do Steve Seagal na TV.

Nosso envolvimento aumentava. Eu completamente apaixonado por ela, totalmente cego de amor nem dei ouvidos quando Bia e Edu falaram que ela era estranha. Ela tinha uns gostos meio excêntricos. Adorava ir a bares GLS comigo e enquanto eu tinha nojo dos homens se pegando Queila adorava mulheres se beijando e fazia questão de me mostrar.

O fato de ela gostar de filmes violentos, séries homossexuais na TV, ouvir Barbra Streisand e cantoras de MPB e olhar bundas de mulheres na rua não queriam dizer nada.

Nem o fato dela jogar futebol melhor que todos os homens que conheço.

Levei Queila até a “pelada” que jogo todas as segundas no Ipanemense. O jogo corria solto com meu time e de Edu perdendo. Jogo pegado, duro, com muitas divididas como deve ser um jogo de macho. Até que um jogador de nosso time sentiu uma fisgada na coxa e pediu pra sair.

Nosso time ficaria com um a menos até que Queila se levantou e pediu pra jogar. O time fez cara feia, mas Edu incentivou. Eu falei melhor não, mas Queila nesse momento já pegara a camisa do jogador contundido e entrado em campo.

Na primeira jogada ela deu uma entrada violentíssima em um jogador adversário. O time dele todo foi pra cima dela e eu me meti na frente pra que ninguém lhe machucasse. Queila me empurrou e botou dedo na cara deles falando que aquilo era jogo de homens e eles jogassem sério.

E foi o que ela fez, jogou muito sério. Bateu nos adversários sem piedade, fez gols e no fim ganhamos o jogo com minha namorada saindo consagrada. Eva naquela noite resolvera assistir meu jogo e ficou encantada com a atuação de Queila. Pediu que eu apresentasse e falei que era minha namorada.

Eva e Queila ficaram amigas, bem amigas, do tipo de se frequentarem e Queila ir aos shows e programas de minha irmã. Senti orgulho da amizade delas e pensava quem sabe assim minha namorada não dava bons conselhos a minha irmã e ela não trabalhasse tanto para arrumar um namorado.

Nesse momento comecei a receber cartas anônimas. Recebia as cartas todos os dias e nelas as mesmas coisas escritas. Em recortes de jornais eram formadas frases e nelas o anônimo contava que minha namorada me traía. Eu relutava em acreditar. Queila era amorosa comigo, presente e quando não estávamos juntos estava com Eva, impossível.

Mas as cartas eram diárias e bem ou mal me atormentavam. Um dia fui até a casa de Bia e mostrei todas as cartas perguntando o que fazer.

Minha ex falou que Queila parecia ser uma boa pessoa e me amar e que talvez não fosse pra eu levar a sério. Suspirei aliviado e Bia reafirmou que disse “talvez”, não certeza e que eu me lembrasse da história com Gisele e como acabou.

Pronto, fiquei com pulga atrás da orelha. Olhei pra Bia e falei que fui ali para ter uma solução e não ficar com mais dúvidas. Minha ex sorriu e contou que só eu poderia resolver. No dia seguinte recebi outra carta, mas essa era diferente. Contava que Queila encontrava com uma pessoa toda quarta à tarde em sua casa e que se eu não acreditasse era pra ir lá conferir. Aquela era uma quarta e fiquei olhando a manhã toda praquela quarta até que resolvi que não podia viver daquela forma e tinha que acabar com minhas dúvidas.

Peguei a chave do carro e a cópia da chave da porta da casa de Queila e saí passando por Edu e Joana que perguntaram aonde eu ia. Respondi que iria ver uma coisa pessoalmente.  

Cheguei à frente de sua casa respirei fundo e abri a porta. Entrei devagar e fui até a porta do quarto. Olhei um pouco a porta, tomei coragem e abri de uma vez só.

Encontrei Queila e Eva na cama e foi dessa forma que descobri que minha irmã era lésbica.

Não deu tempo de falar nada. Queila se enrolou em um lençol e possessa levantou e começou a me socar reclamando da invasão de privacidade e que eu não poderia entrar daquela forma. Eu atônito conseguia responder nada e Eva da cama balançava a cabeça negativamente e falava que não era aquela a educação que nossos pais nos deram.

Balbuciei baixinho “desculpa” e Queila gritando respondeu “desculpa o cacete, sai logo daqui!!”.

Eu de cabeça baixa saí do quarto e antes que fechasse a porta ainda ouvi Eva pedir para que eu comprasse cigarros pra ela.

E eu comprei.

Logo depois fui até a casa de Bia chorar minhas mágoas. Minha ex me abraçou e nem notei o sorrisinho malicioso dela ao me abraçar e jornais recortados sobre sua mesa.


CAPÍTULO ANTERIOR:

PÂMELA 

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