AS MULHERES DE ADÃO: CAPÍTULO XIV - ODARA


A harmonia voltou a minha família e eu fiquei solteiro novamente. Não encontrei mais Nara, só uma vez a vi em companhia de sua mãe e seu padrasto num programa vespertino que tratava de problemas familiares.

Mas nem prestei muita atenção, me interessei mais pela filmadora que anunciaram                          nos intervalos do debate.

Meu velório já passara por tudo e as pessoas duvidavam que algo mais pudesse surpreender. O tempo passava e já achavam que era hora de me encaminhar a última morada, mas faltava a pessoa especial chegar. Tudo parecia normal como em um velório comum, tirando o fato do morto falar com vocês quando aconteceu mais uma situação bizarra.

Um homem entrou com uma caixa de madeira na capela. Até aí tudo quase normal exceto pela caixa. Ele pegou um banco, sentou próximo ao meu caixão, abriu a caixa e tirou um boneco de dentro. Um boneco de ventríloquo.

Colocou o boneco no colo e lógico que todos pararam pra ver que doideira era aquela.

O homem começou a mexer no boneco que veio com o mesmo blá blá blá que os outros invasores do velório mandaram. Que eu era um bom homem, bom amigo, ajudava os outros e não merecia aquele fim.

Eu já quase acreditara que era um santo.

Falou que eu era muito importante pra associação dos bonecos de ventríloquos do Brasil tendo amparado muito a eles e todos eram gratos a mim. O homem então conversando com o boneco perguntou se eu era tão bom assim, se não era verdade a história que eu abusava sexualmente de bonecos.

Aquele papo começava a ficar estranho.

O boneco com postura irritada respondeu que era mentira, eu sempre respeitei os bonecos de ventríloquo e tudo que ocorria era só amizade. O homem começou a rir e falou que me pegou com aquele boneco no banheiro fazendo obscenidades.

As pessoas não falavam nada só olharam atordoadas começar uma discussão entre um homem e um boneco de ventríloquo. Uma áspera discussão que acabou em pancadaria entre eles.

É..se eu não estivesse lá também não acreditaria.

Os presentes à capela tentavam separar os dois, mas a briga era muito feia. Até que o homem levantou, tirou um revolver da cintura e deu quatro tiros no boneco. Todos se afastaram com medo e o homem ensandecido contava que aquele boneco era o grande amor de sua vida e não permitiria que ele fosse de outro, só dele.

Virou a arma pra mim e falou que a sorte que eu estava morto senão morreria também por ousar tocar em seu amor. De repente chegou a polícia e junto uma ambulância. Agarraram o homem, colocaram uma camisa de força e lhe conduziram. No caminho o homem gritava que também fazia shows com fantoches pra quem quisesse contratar.

Ficou um clima meio estranho pra mim que ganhei fama de abusar de bonecos de ventríloquo.
Mas pra limpar um pouco minha barra digo que na verdade era uma boneca e foi ela quem me seduziu.

Esse lance de sedução é algo muito complicado mesmo. Eu sempre tive fama de sedutor e como meu caminho literário começara bem com o livro “Sou pai e agora?” resolvi fazer outro.

E nada melhor pra vender bem que um livro de auto ajuda sobre amor. Lancei o “ABC do amor” com dicas de como ser feliz em um relacionamento conquistando a mulher dos seus sonhos.

Uma forte campanha de marketing foi feita pela editora em virtude do sucesso de meu primeiro livro e a festa de lançamento foi feita em uma grande livraria pra muitos convidados. Fila de autógrafos enorme, eu sendo muito paparicado, coisas que nem gosto né? Eu atendia a todos pacientemente e quando era mulher olhava o “material” depois que se despedia e virava pra ir embora.

Uma me chamou mais atenção.

Uma morena linda, seios firmes, bumbum avantajado chegou com meu livro na mão pedindo autógrafo.  Olhei de cima abaixo e abri um sorriso dizendo lógico que sim e perguntando seu nome.

Ela respondeu Odara.

Escrevendo a dedicatória sorri e falei que era um nome diferente. A menina também sorriu e contou que era devido uma música do Caetano Velloso. Entreguei o livro a ela e Odara me perguntou se o que eu dizia no livro era cem por cento confiável, se eu tinha como comprovar.

Respondi que sim, mas ela só poderia ter certeza saindo comigo. Odara riu e falou que sou direto. Respondi que direto eu seria se marcasse com ela no barzinho da esquina quando acabasse a festa dos autógrafos.

Sim amigos, sou cara de pau.

Acabou a festa e Edu me perguntou onde seria a comemoração. Respondi que a deles eu não sabia, mas eu tinha um encontro e fui deixando meus amigos sozinhos. Cheguei ao bar e Odara me esperava bebendo um chopp. Sentei e perguntei se podia pagar algo e ela. A moça bebeu um pouco e respondeu “sim, o motel”.

Olhei espantado, ela riu e perguntou “ué? Só você pode ser direto?”. Realmente eu perdi o rebolado nessa e ela emendou “então? Vamos?”. Um homem nunca, mas nunca mesmo recusa uma proposta dessas seja qual situação ele se encontre. Não importa se a cueca tem marca de freada, a meia tá furada ele encara.

E eu encarei.                                    

Amigos, que noite. A mulher me deu uma canseira, mas uma canseira muito boa. A noite toda querendo mais, mais. De manhã eu ainda me recuperava e ela já se arrumava. Virou pra mim e jogou seu cartão mandando que lhe procurasse e foi embora do motel me deixando ali na cama peladão e com o cartão.

Evidente que liguei e na noite seguinte estávamos nós de novo no motel pra mais uma noite de sexo selvagem. No fim consegui que ela não fosse embora tão rápido e que nós conversássemos.

Contou que trabalhava em uma clínica de estética e no centro. Bebia um vinho e perguntei se a clínica era no centro da cidade e ela respondeu que não. A clínica era na Tijuca, o centro era de macumba. Engasguei com o vinho e Odara perguntou se tinha algo contra. Respondi que não só tinha sido pego de surpresa. Ela perguntou se eu queria conhecer o centro e respondi que sim.

Eu era um católico não praticante e não tinha problema com nenhuma religião.

Fui ao centro com ela. Era uma sexta-feira e ele estava bem cheio. Alguns homens tocavam atabaques e cantavam enquanto outras pessoas recebiam as entidades. Odara estava linda, toda de branco. Ela rapidamente se misturou com as pessoas, se concentrou e começou a se mexer, contorcer, gritar. Ela estava recebendo santo e aquilo me assustou, nunca vira ao vivo.

De repente Odara estava com os olhos fechados, pegou uma garrafa deu um gole e as pessoas fizeram fila pra falar com ela, uma a uma. Eu observava a tudo. Odara ou a entidade não sei recebia as pessoas e dava consultas, passes, passava coisas que elas tinham que fazer pra alcançar o que queriam.

De repente ela me chamou. Olhei pra trás, não vi ninguém e apontei pra mim pra ter certeza se era comigo mesmo. Ela apontou de novo e fui. Cheguei próximo. Ela me pegou pelos braços e falou “sucê tem que ter cuidado com as muié, muié é bicho traiçoeiro inclusive a que sucê tá de enrabicho”.
Afastei assustado enquanto ela continuava as consultas e fiquei pensando no que ela me disse.

No fim Odara com aspecto cansado me perguntou o que eu tinha achado, respondi que gostei e ela me perguntou se alguma entidade falara comigo. Menti respondendo que não. Mas no dia seguinte cedo estava tirando cartas com minha mãe. Ela olhava as cartas e falava “tudo que sobe desce”. Perguntei o que significava aquilo e ela continuava respondendo “tudo que sobe desce” e só conseguia decifrar essa mensagem.

Fiquei com aqueles papos na cabeça. Continuei saindo todas as noites com Odara mesmo que Edu e Bia falassem que ela era esquisita, mas o sexo era muito bom.  

E aquilo me prendia a ela, ma fazia querer ficar com ela mesmo notando diferenças em Odara. Ela aos poucos se tornava autoritária querendo mandar em mim.

E se sempre teve uma coisa que prezei muito foi minha liberdade.

A situação aos poucos ficava tensa, eu começava a me aborrecer. Joana não gostava dela e Odara implicava com minha filha reclamando que eu dava muito mais atenção a Joana que a ela.
Até que um dia meu limite chegou. Odara bateu lá em casa na hora que eu saía com meu tamborim pro ensaio da Unidos do Bebezão. Dei um beijo nela e contei que estava de saída. Odara botou as mãos na cintura e falou “Não acredito que vai me trocar por uma escola de samba!!”.

Respondi que já era compromisso marcado e que no dia seguinte ligaria pra ela. Odara então falou que não deveria “ou eu ou o samba, escolha!!”.

Respondi que escolhia o samba, lhe dei um beijo e pedi que ela trancasse a porta.

No dia seguinte fui cedo a sua casa e falei que aquela situação não tinha mais razão de ser, eu não estava feliz e achava melhor que nos separássemos. Odara gritou, esperneou, chorou, disse que não aceitava. Eu calmamente falei que queria ser seu amigo e ela começou a me dar tapas dizendo que nunca seria minha amiga.

Respondi que daquela forma não dava pra continuar a conversa e disse que iria embora. Virei, abri a porta e quando ia saindo Odara gritou que eu seria só dela e de mais ninguém, que eu broxaria com todas as mulheres que tentasse transar e que só voltaria a funcionar com ela.

Naquele momento senti um arrepio nas costas como um vento gelado e fui embora.

Voltei pra casa e a Joana tinha uma nova babá, linda, gostosinha, novinha. Fiquei ressabiado com a praga de Odara e fui testar dando em cima da babá. Não foi difícil e logo estávamos na cama.
Difícil foi depois com uma menina deliciosa daquelas eu ter que explicar que aquilo nunca me ocorrera antes.

É amigos eu broxei, pela primeira vez na vida. A situação que era preocupante chegava ao alerta máximo. De noite na Unidos do Bebezão finalmente a passista que eu tanto queria topou sair comigo.
Fomos ao motel e nova falha. É aquela velha máxima da diferença entre preocupação e desespero preocupação é a primeira vez que não dá a segunda, desespero é a segunda vez que não dá a primeira.

E eu entrei em desespero. Peguei meu caderninho de telefones e marquei com várias amigas antigas. Saí com elas a broxei com todas. Voltava pra casa toda vez com o amargo sabor da derrota até que uma vez encontrei Bia brincando com Joana.

Pedi que minha filha fosse brincar no quarto que precisava ter uma conversa séria com a “tia Bia”.
Joana entrou e Bia preocupada perguntou o que ocorria. Peguei em sua mão e falei que precisávamos transar.

Bia riu e comentou que eu costumava ser mais romântico nesses momentos. Eu com cara de desespero respondi que era sério e Bia continuava rindo.

Até que tive que ir ao ato extremo dando um beijo nela daqueles de tirar o fôlego. Minha ex finalmente acreditou em mim, ajeitando a roupa e o cabelo disse “tudo bem” e me puxou pro quarto.
Alguns minutos depois estávamos deitados na cama olhando pro teto. Bia com cara de entediada e eu de Maysa em “meu mundo caiu”. Minha ex falou que eu já fora melhor no assunto e eu com cara de choro respondia que estava arruinado, arrasado.

Contei a história toda pra Bia e que finalmente entendera o significado de “tudo que sobe desce” e ela me aconselhou a ir a um centro. Olhei pra ela que confirmou “sim a outro centro pra desfazer essa praga”. Respondi que conhecia nenhum e Bia falou que me levaria até porque não me podia ver broxa.

Fomos até o centro de mãe Xoxó. Contei toda a história pra senhora que me passou um papel com coisas que teria que fazer. Li e não entendi nada “um quilo de tomate, duas latas de ervilha, meio quilo de salsa..
”.
Mãe Xoxó pegou a lista de minha mão e falou que estava errada, aquela era do mercado e passou outra contendo cachaça, galinha, velas e outras coisas. Comprei todas as coisas. O mais difícil foi a galinha e cheguei a perguntar a mãe Xoxó se em vez de galinha podia ser caldo de galinha e ela respondeu que não, mas consegui.

Fui de madrugada a uma esquina e arriei tudo que precisava. Na hora esqueci o que tinha que falar em prece e liguei pra mãe Xoxó que me ditou por celular enquanto eu fazia o despacho.

Enquanto eu falava com mãe Xoxó uma viatura da polícia parou perguntando o que eu fazia. Respondi que estava arriando um despacho na esquina, mas esquecera tudo que precisava fazer e estava com a mãe de Santo no celular.

Ok a história era estranha. Os policias me olhavam imaginando que eu fosse maluco quando um deles me reconheceu.

Foi até a viatura e voltou com meus dois livros perguntando se podia autografar. Respondi que sim e autografei enquanto ele falava que era um grande fã meu e seguia todos os meus ensinamentos.
Agradeci e devolvi os livros com ele perguntando se o meu próximo seria sobre macumba.
Até que não seria má ideia. Fiz tudo que mãe Xoxó mandou e me senti curado, renovado. Correndo na praia conheci uma mulher maravilhosa, papo vai, papo vem convenci a ir até meu apartamento.

E broxei.

Voltei ao centro de mãe Xoxó e desesperado contei que o despacho dera errado eu continuava broxa e que minha vida estava arruinada. Que eu voltaria para Odara porque era a única solução.

Mãe Xoxó mandou que eu me acalmasse que teria solução pro meu problema, era só eu fazer o que ela mandava. No auge do desespero respondi que faria qualquer coisa então ela colocou sua cadeira na frente da minha e maliciosamente acariciou minha perna.

Tava fu..

No dia seguinte bati na porta de Odara com um buquê de flores e ela me atendeu com ar vitorioso. Perguntei se ela me perdoava e Odara respondeu perguntando se eu faria tudo que ela mandasse. Respondi que sim.

Ela então disse que me perdoava e fomos ao barzinho de nosso primeiro encontro. Bebemos, nos divertimos e propus que voltássemos ao motel que fomos à primeira vez. Odara topou na hora e nós fomos. Peguei a suíte mais cara, pedi as melhores coisas do motel e fizemos amor. Lá funcionei direitinho, várias vezes por sinal. O guerreiro estava de volta.

No fim Odara inebriada se esticava na cama e falava que tinha certeza que eu pediria arrego e voltaria enquanto eu mexia na minha calça. Olhando os bolsos contei pra ela que precisava ir ao banheiro.
.
Odara pediu que eu não demorasse. Dei um beijo nela e mandei que ela pedisse o melhor champanhe da casa para brindarmos nosso amor quando eu voltasse.

Enquanto Odara animada ligava pra recepção pedindo o champanhe eu abri a janela e pulei.

Na recepção contei ao funcionário que surgiu um imprevisto e eu tinha que ir embora, mas que ele mandasse a conta pra moça que estava no quarto que ela pagaria e fui embora do motel com um sorriso safado nos lábios, o sorriso da vingança.

E fui ao quarto de mãe Xoxó passar a noite com ela e agradecer seus serviços. Lá tive certeza mesmo de minha cura, tinha que ser muito guerreiro pra encarar.

Não é fácil essa vida de artista.


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NARA

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