PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DE SAMBA
# Coluna publicada no blog "Ouro de Tolo" em 21/9/2014
No fim de
semana uma leitora, que trabalha numa ótica, reclamou com o eleitor tucano
Pedro Migão que sou mal humorado em relação a samba-enredo.
Quem me
conhece sabe que não sou mal humorado. Sou ranzinza às vezes e isso é
diferente. Mas sou bem humorado na maior parte das vezes e sempre estou
brincando ou gozando alguém. Gozo muito o dono do blog, por exemplo.
É. Pegou
mal essa.
Reclamo
de algumas coisas porque sou um inconformado desde pequeno, fui criado assim e
vou morrer assim. Debatia política com professores no tempo de colégio para
desespero dos meus colegas, militei em política estudantil e tive meu caráter
moldado para ser contra o status quo e um sistema que privilegia alguns pouco
em detrimento a muitos.
Outro dia
me denominei numa lista de discussão como socialista, mas não sou porque sou
contrário a alguns métodos do sistema e acredito na livre iniciativa. Sou um
cara que não acredito na pobreza como fundamento nem acho que o governo tenha
que controlar tudo. Mas sigo uma das premissas do socialismo que é a igualdade
entre as pessoas.
Não que
todas pertençam a mesma classe social, mas que todas tenham as mesmas
oportunidades e daí cada um faça a sua vida dependendo de seu talento e
vontade.
Muito
disso que penso. Que devemos ser respeitados como pessoas e não tratados como
números ou seres sem rosto eu escrevo diariamente seja em colunas, livros e
peças. Acho que descobri qual é o meu “ista”. Sou humanista.
E esse
meu jeito de ser, lógico, também levo para o samba já que ele faz parte da
minha vida. reclamo contra privilégios que alguns tem, contra covardias,
hipocrisia e mentira que são fortes e contundentes no meio do samba.
Me
considero um compositor vitorioso. Ganhei mais de trinta sambas de enredo. Sou
recordista de uma escola, segundo maior vencedor em outra, estou entre os cinco
maiores vencedores de meu bairro e já ganhei cinco prêmios no carnaval, entre
eles Estandarte de Ouro. Então eu acho que devo usar isso que ganhei, pouco em
relação a alguns compositores,mas muito em relação a maioria, para usar a minha
voz em favor de uma causa. Uma mudança.
Quem pode
mudar é quem tem voz, quem tem história. Qualquer outro vai ser logo taxado de
“derrotado” e falarão “Só diz isso porque não ta no esquema”. Eu “sou” do
esquema, já fui beneficiado por ele e por isso digo que é errado.
Mas ser
um inconformado, não aceitar as coisas como são não me fazem um mal humorado,
frustrado ou odiar o samba. Muito pelo
contrário. Amo o samba, tenho muito orgulho de ser compositor de samba-enredo e
por esse amor e orgulho uso minha voz.
Uma das
partes mais vitoriosas, emocionantes e que me dão orgulho na vida tem a ver com
carnaval. Posso dizer que apenas criando filhos até hoje venci tanto, tive
tantos motivos para alegrias.
O samba
me deu respeito, consideração, me fez respeitar os mais velhos, os bambas e
aprender. Aprendi muito no samba, suas sinopses, suas músicas e seu jeito de
ser.
Aprendi e
aprendo até hoje com mestres imortais, porque sambista não morre, sua obra e
sua poesia ficam. Tenho orgulho de pertencer ao mesmo ramo de gênios das nossas
artes como Cartola, Silas de Oliveira, Didi, Toco, Beto sem Braço, Aluízio
Machado, Davi Correa (meu mestre), Noca da Portela, Martinho da Vila, Franco,
Aurinho da Ilha e tantos outros.
Hoje
tenho o orgulho de acompanhar gente que com certeza entrará pra história do
samba como André Diniz, Luiz Carlos Máximo, Gusttavo Clarão, Lequinho e Cláudio
Russo. Pude ser parceiro de gente do nível de Diego Nicolau, Serginho Aguiar,
Marcelo Motta, Thiago Daniel, Cadinho, Gugu das Candongas, Paulo Travassos,
Roger Linhares e tantos outros que não vou e não posso me alongar para não
cometer injustiças e tive a honra suprema de ser parceiro de mestres como
Marquinhus do Banjo, Djalma Falcão e Carlinhos Fuzil.
Gente que
fez e faz samba-enredo, gênero que vivo repetindo ser o de maior qualidade
musical hoje de um país que produz tantas porcarias. Nenhum gênero musical
produziu nesse século obras primas como os samba da Imperatriz de 2010, Portela
2012, Vila 2013 e porque não Vai-Vai 2011 que mostra que São Paulo é bamba.
Sou um
ser do samba-enredo, meu nicho é o samba, um animal do carnaval. Um cara que
cresceu ouvindo “Das maravilhas do mar..”, “Bumbumpaticumbum”, “É hoje”, “O
amanhã”, “Domingo”, “Aquarela brasileira”, “Heróis da Liberdade” e teve seu
gosto musical moldado no fim da infância e começo da adolescência por “Ziriguidum 2001”. “Ti-ti-ti no sapoti”, “E
por quê não?”, “Kizomba”, “100 anos de liberdade, realidade ou ilusão?”,
“Liberdade, liberdade, abra as asas sobre nós”, “Ratos e urubus larguem minha
fantasia”, Vira virou, a Mocidade chegou”, “Sonhar com rei da João”, “Me masso
se não passo pela rua do Ouvidor”, “Paulicéia desvairada”,, “Sonhar não custa
nada ou quase nada”, “Festa profana”, “Peguei um Ita no Norte” e várias outras
obras primas feitas nos anos 80 e começo dos anos 90 que fez do samba-enredo o
marco cultural brasileiro que é hoje.
Samba-enredo
que me deu “Orun ayê”. O maior orgulho de minha vida sem contar meus filhos.
Fiz livros, peças de teatro, algumas delas já encenadas e bastante elogiadas e
acho que nada que eu vá escrever na minha vida em prosa ou verso irá um dia
superar esse samba-enredo da humilde e pequena escola da Ilha do Governador,
Boi da Ilha, que nem sei se ainda existirá quando essa coluna for publicada. Se
depender do presidente da escola não. Se depender de mim e outros abnegados sim
e viverá por muito tempo.
O “Reage
Boi”. Movimento criado em defesa do Boi da Ilha é outro dos meus grandes
orgulhos no samba.
Por isso
eu brigo. Porque eu sonho. Por isso eu luto. Porque eu quero. Eu quero que meus
filhos e outras crianças se apaixonem por carnaval e samba-enredo como eu me
apaixonei. Porque sei que apesar de todos os problemas é um recanto bom para
adquirir cultura e caráter.
Brigo,
luto e sonho porque amo.
Amor que
não cabe explicação.
Um beijo
leitora. Espero que dessa tenha gostado.
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