O LIVRO VAZIO
*Coluna publicada no blog Ouro de Tolo em 27/7/2014
Abrir um
livro para ler e se surpreender. Não tem nada dentro do livro, o livro está em
branco, o livro está vazio.
Virar
páginas e mais páginas procurando por algo escrito. Alguma história, alguma
linha. Um romance, conto, poesia, um pobre nordestino sendo protegido por Nossa
Senhora e voltando para ter uma segunda chance ou um candidato a Santo tirando
Deus do sério por ser ateu.
Nada. Não
tem nada disso. O livro está vazio.
Apenas
nas últimas páginas se observam algumas frases, mas mal dá pra enxergar,
identificar o que está escrito. As frases estão se apagando. Se apagam a cada
segundo sem que a gente possa fazer nada e daqui a pouco o livro estará
completamente vazio.
O livro
estará vazio, a cultura também e a arte assim vai se perdendo.
É isso
que vem ocorrendo. Não com um livro, mas com a nossa cultura.
Passamos
um mês inteiro lamentando a entressafra do futebol brasileiro, a falta de
surgimento de grandes craques com os quais sempre fomos acostumados. O único
craque surgido no país nesses últimos anos foi o Neymar e na sua ausência vimos
o quanto é grave a crise técnica e criativa do futebol brasileiro.
Mas a
coisa é muito pior. A crise é mais ampla.
Jorge
Amado morreu, Nelson Rodrigues morreu, Millor Fernandes morreu, Dias Gomes
morreu, Plínio Marcos morreu, Gianfrancesco Guarnieri morreu, Augusto Boal
morreu.
João
Ubaldo Ribeiro morreu.
Semana
passada na morte do grande escritor, autor de obras como “Sargento Getúlio”,
“Viva o povo brasileiro”, “A casa dos budas ditosos” e “O sorriso do lagarto”
eu disse que só faltavam Ariano Suassuna e Luis Fernando Veríssimo morrerem pra
gente poder fechar o Brasil de vez.
E logo
depois o Suassuna morreu.
O
paraibano/pernambucano Ariano Suassuna foi muito mais que um grande autor regional.
Se tivesse feito apenas “A pedra do reino” já seria considerado um dos grandes
escritores da nossa história, mas ele também fez “O auto da compadecida”.
A
hilariante e comovente história do sertanejo João Grilo é uma das coisas mais
bonitas já escritas em qualquer língua do mundo. Como bem disseram no twitter
essa semana se “O auto da compadecida” tivesse sido escrita em inglês seria um
clássico mundial do nível das grandes obras de Shakespeare.
Mas
Suassuna não era inglês. Era nordestino. Era brasileiro.
Graças a
Deus.
Mortes
como de João Ubaldo Ribeiro, Ariano Suassuna e também do professor Rubem Alves
comovem, mas mais do que comover preocupam.
Como bem
disse Suassuna para se atingir todas as classes estão abaixando o nível da
cultura feita. Tentam assim atingir o “gosto médio” sendo que nunca se viu um
gênio que tivesse um “gosto médio”.
Uma nação
é feita de homens e livros. É feita de educação, cultura e nesse erro de
abaixar o nível cultural para atingir uma cultura de massa em vez de ensiná-la
acaba criando uma lacuna. Os grandes escritores nacionais, todos com mais de
setenta anos, estão morrendo e nada surge.
Quem é o
grande escritor brasileiro com menos de setenta anos?
Quem é o
grande dramaturgo brasileiro com menos de setenta anos?
Pode-se
apontar um nome ou outro de cenários alternativos, mas a maioria que ouvir
esses nomes vai perguntar “Quem é?”. Nenhum chega ao grande público. Seja por
preguiça desses artistas, do público ou de quem deveria fazer a ponte entre o
artista e o público e está mais preocupada com a coisa comercial.
E é
curioso porque isso ocorre em tempos de internet. Onde qualquer um pode criar
um blog e escrever, lançar um e-book, gravar uma música a renovação não
acontece. O grande escritor não surge.
Talvez
porque essa ferramenta de ajuda não vem sendo bem utilizada. Não adianta ter a
ferramenta se não existe o conhecimento. Saber escrever é um dom que muitos
acham que tem, mas nem todos têm na verdade.
Você
escreve um texto no Word e não precisa se preocupar com o português porque em
caso de erro aparece uma linha vermelha abaixo corrigindo. Assim não se aprende
a língua e quando tem que escrever num caderno ou papel se complica porque não
há o corretor automático.
A
internet difunde a ideia idiota que os textos tem que ser curtos, rápidos. Pra
mim essa é a “cultura fast food”. Não se expressa um pensamento como se come um
big mac. Cultura, pensamento, tem que ser saboreado, mastigado, apreciado como
um prato fino. Um texto tem que ter o tamanho que ele pede. Onde todo o
pensamento consegue ser passado.
Nem todo
mundo que chuta uma bola é jogador de futebol, nem todo mundo que escreve é
escritor. Não basta ter um blog. Tem que saber se expressar, saber o que
contar. Não depender tanto de corretor ortográfico nem do google.
Não
adianta nada se declarar fã de João Ubaldo e Suassuna tendo que ir ao google
para saber o que escreveram.
A sorte é
que escritores são imortais. Machado de Assis e Shakeaspeare morreram há muitos
anos e estão aí presentes como João Ubaldo e Suassuna que partiram
recentemente. Sempre existirão livros e peças. Mas o público muda, a linguagem
se renova e cada geração necessita de seus escritores. Aqueles que vão
expressar as vontades e os anseios de seu tempo como os pré-históricos faziam
nas pedras.
E o meu
medo é que nossa pedra, a de nosso tempo, fique vazia. O livro vazio.
E quando
um jovem nos perguntar como foi nosso tempo a resposta seja.
Não sei, só
sei que foi assim.
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