FOLHETIM
*Conto da coluna "O buraco da fechadura" publicado no blog "Ouro de Tolo" em 2/11/2013
O local é uma loja
de móveis em um grande shopping no Rio de Janeiro. Patrícia, empolgada,
conversava com a atendente dizendo o tipo de móveis que queria para o
apartamento triplex que ganhara na Barra da Tijuca de seu pai de
presente de casamento. Não parava de falar, agitar as mãos, gargalhar
enquanto Cláudio, sentado a uma cama, assistia a tudo.
Assistia com cara de tédio, com vontade
de estar longe dali. Tudo o que queria era estar naquele momento na
praia jogando futevôlei com os amigos e bebendo um chopinho, mas não,
tinha de estar lá com a noiva.
Cláudio e Patrícia eram noivos havia quatro anos, namoravam havia sete, portanto bastante tempo. Quando se conheceram Cláudio trabalhava como DJ e nas horas vagas surfava, Patrícia era o que chamamos de socialite. Sua função na vida eram os eventos sociais, dar festas e ser capa de revistas fúteis mostrando sua casa ou um vestido novo que comprou.
Conheceram-se na praia com a moça
assistindo e admirando o rapaz surfando. Dividiram uma água de coco, um
cigarro de maconha e logo estavam transando escondidos nas pedras do
Arpoador.
O pai de Patrícia não era rico, era muito rico, podre de rico. Dono de uma rede de supermercados ,
era um novo rico deslumbrado que assim que enriqueceu comprou uma
mansão na Barra da Tijuca e colocou uma cascata de ouro que jorrava água
mineral na frente de casa.
Persuasivo, convenceu Cláudio a esquecer
as carrapetas das caixas de som e trabalhar em seu escritório. O rapaz
largava o surf, as noites tocando pra acordar todos os dias seis da
manhã e se enfurnar no escritório do sogro exercendo trabalho
burocrático.
Começou a ganhar
muito dinheiro apesar de não ser a vida que sonhava. Tinha que aturar o
deslumbramento do sogro e a futilidade da noiva enquanto dava suas
escapulidas com algumas “mariposas” pela rua.
O tempo foi passando e o rapaz cheio de
vida e frescor foi se transformando em um homem entediado. Aquele ali
que estava sentado na cama com pensamento longe enquanto Patrícia queria
comprar a loja toda.
Patrícia perguntava em relação a tudo o
que Cláudio achava e, mesmo sem olhar, o rapaz dizia que estava lindo e
por dentro pensava: “se eu falar que está feio muda nada mesmo”.
Cláudio, entediado, quase dormindo,
estava doido par ir embora enquanto Patrícia queria todos os detalhes de
todos os produtos. Foi como um alívio, quase um orgasmo quando a mulher
cheia de sacolas na mão virou para o noivo e perguntou “vamos?”.
No carro, Patrícia não parava de falar
enquanto Cláudio, em pensamento, se perguntava se um tiro em sua cabeça
resolveria o problema. Algum tempo se passou e ele pensou “na minha
cabeça não, na cabeça dela”.
Tudo que Patrícia perguntava Cláudio respondia com “uhum” e, doido para fumar, se perguntava onde conseguiria.
Chegaram à mansão e, enquanto Patrícia
contava à família entusiasmada sobre as coisas que comprou, Cláudio foi
até área de serviço e bateu na porta da empregada perguntando se ela
tinha cigarro.
Ela pegou o maço e entregou um cigarro
pra Cláudio, que agradeceu. E ficaram os dois fumando na área de
serviço, no único lugar permitido naquela casa.
Cláudio ao voltar para a sala foi
chamado pelo sogro, que, entusiasmado, contava de um megamercado que
estava abrindo no Recreio dos Bandeirantes e contou: “assim que você
casar com minha filha entrará numa boa grana, será poderoso”.
Sábias palavras para um rapaz que já estava com dor de cabeça com tanto blá blá blá e o que mais queria era ir embora.
Saiu tonto da reunião e pensou consigo
mesmo que precisava se divertir naquela noite. Entrou no carro e ligou
para o seu primo Igor contando que precisava de um lugar pra se acalmar e
se divertir e Igor passou pelo telefone um endereço e pediu que Cláudio
lhe esperasse la que chegaria em meia hora.
Na hora marcada Cláudio estava na frente
do bar que Igor marcou e o rapaz chegou perguntando se alguma coisa
acontecera, Cláudio respondeu “tudo” e que queria entrar para beber.
Os dois entraram no bar e foram direito ao balcão pedir duas doses de uísque.
Cláudio estava tão doido,
tão focado em beber e reclamar de Patrícia e sua família ao amigo, que
nem percebeu o lugar que estava.
Quando foi ao banheiro e voltou
perguntou ao amigo qual era daquele lugar. Achava as mulheres sentadas
pelo sofá e cadeiras muito estranhas, com pouquíssimas roupas, quase
seminuas.
Igor respondeu que ali era um puteiro e
Cláudio, que na hora bebia, engasgou e perguntou que brincadeira era
aquela. Igor contou que o amigo queria ir a um lugar para beber e
desabafar e lugar para isso era um puteiro, não igreja dos meninos
cantores de Petrópolis.
Cláudio perguntou o que fazer e Igor
respondeu que o que Cláudio faria não sabia, mas ele ia atrás de alguma
prostituta para aproveitar a noite.
Enquanto Igor se afastava Cláudio
resmungava que sua noiva iria lhe matar. Já com certa distância e
avistando uma morena maravilhosa no sofá Igor respondeu “ela vai te
matar de qualquer jeito”.
Cláudio pediu mais uma dose quando uma ruiva sentou-se a seu lado e contou que lhe daria o prazer de pagar uma bebida a ela.
Cláudio respondeu que não sabia se seria
um prazer, mas pagava, sim, e chamou o balconista. Algum tempo depois, a
ruiva disse que por duzentos reais faria loucuras que ele nem
imaginava. Cláudio perguntou que tipo de loucuras e ela contou em seu
ouvido.
Empolgado, Cláudio chamou o balconista, pediu a conta e saiu.
Foram a um hotel
próximo e Cláudio deu o dinheiro para a mulher, que colocou na bolsa.
Enquanto ela tirava a roupa o rapaz contou que nunca fizera aquilo
antes. Já sem blusa, a prostituta respondeu “que lindo, é virgem”,
Cláudio disse que não, que nunca tinha saído com uma prostituta. A
mulher já nua chegou em seu ouvido e respondeu “eu também” e lhe
empurrou na cama, subiu em cima dele e emendou “mentira”.
Transaram loucamente. A melhor transa da
vida de Cláudio que, depois, extasiado e deitado na cama, contava que
nunca sentira aquilo antes e que poderia passar horas naquela cama
quando a mulher falou “deu a hora, vamos embora”.
Cláudio, espantado, perguntou “mas já?”.
A mulher, já colocando a roupa, respondeu que se ele quisesse poderia
dar mais duzentos no dia seguinte e contar sua vida desde bebê até
aquela noite, só teria que ser dentro do tempo estipulado.
Ela já saía quando Cláudio pediu pra
esperar e perguntou seu nome. A mulher já na porta virou para ele e
perguntou qual nome queria que ela tivesse. Cláudio pensou um pouco e
lembrou-se de filmes que via na adolescência respondendo “Emanuelle”.
A mulher disse que aquele então era seu nome, mandou beijinhos e foi embora.
No dia seguinte, teve evento de Patrícia
e, enquanto a festa rolava, Cláudio e Igor fumavam na varanda e Cláudio
contava das maravilhas da mulher. Igor mandava o amigo tomar cuidado
para não se apaixonar e Cláudio respondeu que aquele problema não
existiria, mas ele voltaria depois do evento lá.
E voltou mesmo. Despediu-se da noiva e
foi até a boate. Viu a mulher e se aproximou dizendo “oi, Emanuelle”, a
mulher olhou e sorriu dizendo que gostava do nome.
Foram para o mesmo hotel da noite
anterior e Emanuelle, desabotoando os botões da blusa, perguntou se ele
queria falar sobre sua vida ou transar. Cláudio excitado com aquela cena
respondeu que sobre a vida falava com psicólogo partindo para cima da
mulher.
E assim foi por diversas noites. Igor se
preocupava e mandava o rapaz tomar cuidado que o casamento se
aproximava, mas aquilo fazia bem a Cláudio, que até participou mais
animado dos preparativos do casório.
Cláudio e Emanuelle também se
tornavam mais íntimos a cada dia, começando uma amizade com troca de
confidências e até porque Cláudio finalmente na vida conseguia transar e
fumar logo depois na cama.
Na véspera do casamento, Cláudio abriu
mão da despedida de solteiro para passar com Emanuelle. Foi até a boate e
a mulher se entusiasmou correndo e voando em seu pescoço para beijar.
Cláudio lhe deu um beijo e a moça perguntou o que ele tinha, pois,
estava estranho.
Cláudio respondeu que o dia seguinte
seria o de seu casamento e Emanuelle sentiu o golpe abaixando os olhos e
dizendo “que bom”. Cláudio, também triste, disse que eles tinham que
aproveitar aquela noite e Emanuelle respondeu que fariam diferente,
pedindo para que ele a acompanhasse.
Foram a um prédio acanhado no Catete, e
Emanuelle abriu a porta de um apartamento mandando que Cláudio entrasse.
Ele entrou com a mulher contando que era o apartamento que morava.
Cláudio olhou umas fotos de Emanuelle com uma criança e perguntou quem
era. Emanuelle respondeu que era seu filho, que vivia com o pai em Minas
Gerais.
Emanuelle tirou a foto da mão de Cláudio e lhe beijou com os dois logo parando na cama.
Na manhã seguinte Cláudio se vestia
enquanto Emanuelle apenas olhava sentada no sofá. Cláudio deu um beijo
na testa da moça e se encaminhou para a porta quando ela disse “Fátima”.
Cláudio perguntou: “como?” E a mulher
disse que se chamava Fátima. O homem sorriu e respondeu que era mais
bonito que Emanuelle. E foi embora.
Na casa de Cláudio, Igor lhe ajudava com
o nó da gravata pra se casar enquanto o homem só pensava em Emanuelle,
ou Fátima, agora eram dois nomes. Cheio de dúvidas, Cláudio não sabia se
casava ou não e, descendo as escadas com o amigo, pediu que ele desse
um recado a Patrícia.
Igor perguntou qual era e Cláudio
correndo para a porta respondeu: “diz pra ela não me querer mal que eu
fui ser feliz”. Foi embora com Igor perguntando se ele estava maluco e
como poderia dizer algo assim a Patrícia.
Cláudio foi correndo até o prédio do
Catete e esmurrava a porta de Fátima querendo falar com a moça, declarar
todo seu amor até que o síndico perguntou o que ocorria.
Cláudio respondeu que procurava a moça
que morava lá e o síndico contou que ela se mudara da manhã. Cláudio
perguntou se ele tinha certeza e o homem respondeu que sim, inclusive
ajudou na mudança.
O síndico desceu e Cláudio, desolado, sentou na escada pensando na chance que perdera.
Depois de um tempo, Patrícia nervosa
brigava com Igor na porta da igreja e perguntava o que acontecia,
enquanto Igor pedia para que ela se acalmasse, que tinha recado de
Cláudio.
Patrícia perguntou que recado era e na
hora Cláudio chegou, e respondeu que o recado era que ela seria a noiva
mais linda do planeta. Igor nada entendia e Patrícia, furiosa, perguntou
o motivo do atraso. Cláudio deu um beijo na noiva culpando o trânsito e
entrou na igreja.
Dessa forma, Cláudio com pensamento em
Fátima, casou com Patrícia. Saíram da igreja recebendo banho de arroz se
encaminhando à limousine e, deslumbrada, Patrícia comentava com o agora
marido que o pai dera aquele carro para eles, inclusive com motorista
exclusivo para o dia a dia deles.
Cláudio, desdenhando de tanto deslumbramento, respondeu de forma irônica “que bom” enquanto entravam no carro.
Dentro dele, Patrícia beijou Cláudio de
forma intensa e parou reclamando que entrara arroz até em seu sapato.
Abaixou para tirar o sapato e naquele instante Cláudio percebeu quem
dirigia o carro, era Fátima.
Pelo retrovisor, Fátima deu um sorriso e
piscou para Cláudio, que deu um largo sorriso e retribuiu a piscada
enquanto Patrícia, abaixada e esbravejada, não conseguia tirar o arroz.
Fátima sorria e olhava Cláudio, que de tanta alegria gargalhou enquanto Patrícia mandava que ele parasse de rir e ajudasse.
E assim o carro partiu prometendo muitas emoções.
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