AS ELEIÇÕES DE 1989


*Coluna publicada no Blog "Ouro de Tolo" em 28/9/2014


Chegando próximo das eleições em seu primeiro turno os ânimos se acirram, as acusações entre os candidatos mais fortes e suas reclamações em relação a imprensa também.

O PT mesmo ganhou direito de resposta que deve ser publicado na revista Veja domingo que vem. A revista trouxe uma reportagem em que acusa o PT de ter pagado dinheiro a chantagistas para que nomes como de Lula e Zé Dirceu não fossem delatados em escândalos de corrupção.  

A revista Veja que ao lado de outros veículos de comunicação é acusada de parcialidade em suas coberturas jornalísticas.

O acirramento de ânimos, o quadro eleitoral indefinido e as acusações em relação ao papel da imprensa me levam a recordar outra eleição, a que considero “a mãe de todas as eleições”.

A eleição presidencial de 1989.

Mas o que tem essa eleição de tão especial?

Muitas coisas. Primeiro vivíamos uma era de euforia e inocência. Euforia porque eram as primeiras eleições para presidente de forma direta desde 1961, finalmente poderíamos votar para escolher nosso maior mandatário. Inocência porque achávamos que aquela eleição mudaria o país.

Éramos uma democracia bebê ainda, aprendendo a caminhar com poucas eleições diretas até então. Se não me engano governador em 1982 e 1986 e prefeito em 1985 e 1988 por isso naquelas eleições presidenciais várias situações inusitadas ocorreram e que não voltariam a acontecer.

Como faltando poucas semanas para as eleições ocorrer uma substituição no candidato a presidente. O dono e apresentador do SBT Silvio Santos entrou na vaga do pastor Armando Correa como candidato do PMB botando as eleições de pernas para o ar. Silvio anunciou a candidatura em seu programa no SBT e passou a fazer parte do dia a dia eleitoral realizando carreatas, corpo a corpo e dizendo no horário eleitoral que quem quisesse votar nele teria que assinalar na cédula 26 – Correa por seu nome não constar na mesma.

O comunicador chegou a alcançar o segundo lugar no IBOPE, mas teve a candidatura cassada faltando uma semana para o pleito. Todo esse episódio mostra bem 1989.

Candidaturas inusitadas como de Silvio Santos, grande comunicador brasileiro. Candidaturas inusitadas de figuras como Marronzinho que mostrava uma palmatória e dizia “a palmatória vem aí” e Enéas Carneiro que tinha apenas quinze segundos para falar e popularizou o bordão “meu nome é Enéas” se misturavam a candidaturas de políticos lendários como Leonel Brizola, Paulo Maluf, Mário Covas, Ulysses Guimarães e Aureliano Chaves.

Junto aos inusitados e os lendários dois políticos surgidos naquela década e que fariam história. O metalúrgico Luís Inácio Lula da Silva e o governador de Alagoas caçador de marajás Fernando Collor de Mello.

Ano de grandes debates e momento marcantes nesses debates como discussões entre Maluf e Brizola. Ano de jingles inesquecíveis como o “bote fé no velhinho” de Ulysses, “lá lá lá Brizola” de Brizola e “Lula lá” de Lula. Esse seguramente junto com o “bota o retrato do velho” de Getúlio Vargas o maior da nossa história.

A primeira eleição direta com todos esses ingredientes, primeira eleição em que o adolescente de 16 anos poderia votar, primeira eleição com segundo turno. Todos se envolveram com as eleições de 1989. A eleição que tomou conta do país.   

Eu, com 13 anos de idade, não fui diferente. Participava de um colégio forte, democrático onde aprendíamos diariamente sobre cultura e cidadania. Colégio onde os professores tinham liberdade para falar de política e como quase todos eram de esquerda fatalmente acabei petista em 89 por influência deles.

Era cult, era intelectual apoiar Brizola ou Lula. Eu não votava, mas virei militante de Lula do tipo que andava com botton, adesivo e fazia campanha. Lembro que na época o colégio realizou eleição para que as crianças elegessem o presidente que queriam e Lula venceu.

Collor era o antagonista. Cara jovem, bem nascido, estilo aventureiro e arrojado. O bonitão que fazia contraponto ao operário. Ganhou simpatia das mulheres, dos mais pobres e dos mais ricos. Vendia uma imagem de renovação, mudança quando na verdade acabou virando o candidato do status quo, a esperança dos conservadores do país não cair nas mãos da esquerda.

Collor venceu o primeiro turno e Lula venceu o duelo com Brizola para enfrentá-lo.

A disputa se acirrou. Collor era o candidato dos empresários como o presidente da FIESP Mário Amato que disse que 300 empresários iriam embora do país em caso de vitória de Lula. Collor também virou o candidato das organizações Globo e isso decidiria as eleições.

Lula virou quase unanimidade entre os artistas que se acotovelavam e disputavam espaço em sua propaganda eleitoral. Gente como Chico Buarque, Gil, Caetano e Djavan gravou seu jingle que também teve uma versão “We are the world” com praticamente todos os grandes artistas da época participando. Lula também uniu os adversários em volta de si conquistando o apoio de Covas e de Brizola que o chamara anteriormente de “sapo barbudo”.

Brizola que também apelidou Collor de “filhote da ditadura” tornando-se uma das grandes estrelas daquelas eleições.

A distância entre Collor e Lula caía a cada dia. Um pool de emissoras de televisão, feito acredito inédito, foi realizado para um debate entre o dois candidatos. Collor nervoso perdeu o debate para Lula. Os dois ficaram praticamente empatados.

Até que dois fatores decidiram as eleições.

O primeiro os golpes baixos de Collor que “acusou” Lula de ter um aparelho três em um, objeto caro na época, acusação que o petista confiscaria a poupança (ironia) e casas e o golpe mais baixo que eu vi desde que acompanho política. Colocar uma ex namorada de Lula em seu horário eleitoral para acusá-lo de tentar forçá-la a realizar um aborto. Lula ainda tentou se defender levando a filha ao seu programa eleitoral, mas o estrago já estava feito.

Um golpe baixo impensável para os dias de hoje como o outro golpe. A edição que o Jornal Nacional fez do segundo debate.

Um golpe baixo, duro e que virou case em faculdades de jornalismo como o caso da escola Base. Realmente Collor se saiu melhor que Lula no debate. Collor estudou para ele enquanto o petista estava cansado vindo de comício. Mas não foi o massacre da edição. O caso levou ao pedido de demissão de Armando Nogueira da chefia de jornalismo da emissora e a mea culpa feita anos depois por gente de sua cúpula. Boni em seu livro de memórias admite a edição tendenciosa, mas diz que apesar de Collor realmente ser o candidato de Roberto Marinho a edição teria ocorrido porque agiram igual quando editam melhores momentos de uma partida de futebol.

Sendo verdade ou não assim como não se vê mais ex namoradas em propaganda política de adversários o JN também não mostra mais compacto de debates.

Pra jogar a pá de cal na eleição no dia da mesma foi estourado o cativeiro do empresário Abílio Diniz, sequestrado há algumas semanas e a polícia botou em um dos sequestradores a camisa do PT. 

O que ocorreu depois todos sabem. Collor venceu, sofreu impeachment, Lula foi presidente 13 anos depois e os dois hoje são aliados numa dessas coisas que a política faz que não entendo e faço questão nenhuma de entender.

Essas eleições marcaram a mim e ao país. Marcaram nossa trajetória e a democracia sólida que temos hoje.

Domingo que vem é dia de exercermos de novo nosso papel na democracia. Com responsabilidade e lembrando o passado para repetirmos acertos e desviarmos de erros.


De preferência sem golpes baixos.     

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