CHANTAGEM


*Capítulo do livro "Enredo do meu samba" publicado no blog Ouro de Tolo em 7/12/2013


Apenas fiquei quieto pensando em tudo quando Manolo deu um tapa no meu ombro e disse “nunca é tarde para um recomeço”. 

É..Pensei na situação de meu pai com dona Elza e concordei. O coroa tinha direito de recomeçar.

No dia seguinte fui para o trabalho e finalizei a reportagem sobre o caso de Mariana. Passei a semana ansioso por domingo, data que a mesma iria ao ar no jornal e esperando que desse uma boa repercussão. Esperava que assim ganhasse moral e resgatasse não só a irmã de Andressa, mas como outras traficadas.

Dormia domingo de manhã quando o telefone tocou. Cheio de sono atendi e era meu pai perplexo perguntando que matéria era aquela com meu nome. Perguntei se haviam publicado e seu Jair respondeu que não só publicaram como era a manchete principal da capa.

Tomei um susto porque não esperava isso. Levantei da cama em um salto e perguntei “Mesmo? Preciso ver esse jornal”.  Pedi para que meu pai guardasse e fui até sua casa.

Fui à casa do coroa e ele me mostrou o jornal. Vibrei porque nunca uma reportagem minha fora capa nem de jornal de colégio, ainda mais em um de grande circulação. Meu pai comentou que a história era escabrosa e eu respondi que daria certo e Andressa seria solta.

Convidei meu pai para ir ao “casa de bamba” tomar uma gelada, mas antes passar na casa de Bia porque queria que minha filha visse reportagem minha na primeira página de jornal. Meu pai topou e fomos.

Durante o percurso não comentei que lhe vi entrando em um motel com dona Elza, nem ele falou nada comigo. O silêncio só foi cortado com meu pai reclamando que sentia umas dores de cabeça esquisitas. Mandei que ele fosse ao médico e seu Jair respondeu que compraria analgésicos.

Cheguei na casa, toquei a campainha e Julinha veio correndo me abraçar. 

Desde a viagem não via minha pequena e abracei bem forte matando as saudades.

Dei uma boneca pra ela que comprara na viagem e antes que eu falasse do jornal Ana Julia perguntou se eu sabia que sua mãe iria casar com o Zé.

Pronto, me senti como o Donato da história anterior. Eu não sabia de nada e falei isso pra Julinha. Ela cochichou em meu ouvido que achava legal, mas preferia que fosse comigo.

Depois que falou Bia e Zé surgiram abraçados de dentro da casa. Sem jeito perguntei se era verdade o casamento. Bia deu bronca na filha por contar e confirmou. Em duas semanas casariam.

Eu fiquei sem reação e Zé me abraçou perguntando se eu podia ser o padrinho. Olhei pra Bia que não conseguiu me encarar nos olhos. Abaixei a cabeça respondendo que topava e o homem me deu um forte abraço agradecendo e comentando que por ele casaria apenas no civil porque achava casar na igreja “caretésimo”.

Dei um sorriso sem graça dizendo que só fora na casa para dar o presente de Julinha. Dei um beijo em minha filha contando que depois voltava com mais calma para vê-la e me despedi. Sem falar do jornal.

Meu pai não dera uma palavra naquele tempo todo e quase não falou no carro enquanto íamos para o bar. Apenas em um momento perguntou “Ta doendo né?”. Respondi que sim, mas fazia parte da vida. Logo passava.

Naquele momento me arrependi de não ter casado no papel com Bia. 

Facilitei a vida dos dois.

Chegamos no bar, mas antes passei no Feitosa para comprar alguns exemplares do jornal. Queria distribuir para amigos. Contei ao dono da banca que a matéria era minha e Feitosa me deu parabéns falando que estava sendo muito comentada pelos frequentadores da banca. Quase tanto quanto a dos garotos do caso da rainha de bateria da Sereno de Campo Grande.

Disse isso e completou “Eu falei pro Rico que daria merda, taí, na capa do jornal”.

Peguei o jornal e vi realmente que tinha uma matéria falando da rainha. Perguntei se ele sabia o que tinha ocorrido e Feitosa me contou.

Sheila Lopes era uma morena escultural cria da Unidos do Cabuçu. Seus pais eram diretores da escola e desde pequenina fazia parte da agremiação começando como ala mirim.

Mais velha se tornou passista da escola até que conheceu um rapaz e começou a namorar. Ele era cavaco da Sereno de Campo Grande e chamou Sheila para lhe acompanhar na agremiação. De início a moça se dividiu entre a Cabuçu e a Sereno até que foi convidada para ser uma das princesas da escola de Campo Grande.

O namoro acabou, mas ela ficou pela agremiação. Em dois anos virou rainha da bateria. Respeitada e amada pela comunidade. 

Além de ser deliciosa. Virou um mulherão do tipo que faz padre pecar.

Atraiu muitos olhares de cobiça. De empresários locais, bicheiros, estudantes. Não havia distinção, todos sonhavam com Sheila e Rico não era diferente.

Estudante de letras da Estácio, garotão ainda, frequentava os ensaios da escola de Campo Grande só para ver Sheila. O garoto babava e dizia “essa mulher ainda vai ser minha” para gargalhada de seus amigos.

Um dia estava em casa jogando vídeo game quando começaram a esmurrar sua porta. Irritado Rico levantou e atendeu. Era Nicanor, seu melhor amigo.

O garoto voltou para o vídeo game e perguntou se o amigo queria tirar alguém da forca. Nicanor respondeu que não, mas tinha uma preciosidade na mão. Abriu a mochila e pegou um DVD.

Rico olhou e desdenhou continuando a jogar. Nicanor perguntou se o amigo não queria saber sobre o que era o DVD e ele respondeu que não. Nicanor contou que era pornô e Rico falou “Tenho muitos”.

O amigo não desistiu e afirmou “Não desses, se você não gostar dele te dou minha moto”.

Aí o negócio ficou sério. Rico parou de jogar e pediu o DVD para colocar. Pôs no aparelho e os dois sentaram para ver. Nicanor rindo disse que o amigo teria uma surpresa.

E teve. À medida que o filme ia passando Rico arregalou os olhos e balbuciou “Não..Não pode ser”. Nicanor respondeu “Pode sim, é ela”.

Sim. Era ela. Sheila Lopes, a rainha da bateria.

Rico olhou o amigo e perguntou como ele conseguira aquela preciosidade. 

Nicanor respondeu que era apenas para venda internacional e conseguiu com alguns contatos. Rico ainda se recuperava quando Nicanor completou “Também descobri a terma que ela trabalha”.

Terma pra quem não sabe é nome luxuoso de puteiro. Rico ficou louco e pediu o endereço ao amigo que mandou que ele se acalmasse e de noite iriam pra lá.

Anoiteceu e entraram no inferninho. Luz baixa, música alta e um monte de mulheres apenas de biquini se esfregando em marmanjos. Os garotos freneticamente procuravam por Sheila até que Nicanor apontou e disse “olha”.

Era Sheila.

 Os dois ficaram um tempo olhando até que Rico se encheu de coragem e falou que iria até a rainha. Caminhou ao seu encontro sem que ela percebesse e perto disse “oi rainha”.

Sheila olhou e ficou branca. A terma era longe de Campo Grande, lugar escondido e ela nunca imaginara que alguém da escola lhe descobriria. Sheila de cara reconheceu Rico do ensaio e respondeu o cumprimento gaguejando.

O rapaz se encheu de confiança e perguntou quanto era o programa. Sheila abaixou a cabeça e respondeu duzentos reais e Rico disse “vamos”.

Rico pegou na mão da rainha e os dois foram em direção ao balcão da terma. O rapaz passou pelo amigo e deu uma piscada. No balcão pagou o programa e foram ao quarto transar.

Rico fez o que quis com a rainha no quarto. Ele tinha o poder na mão, o poder da descoberta e depois de uma hora deitou na cama satisfeito. A moça sentada e de costas para ele pediu que não contasse a ninguém o que descobriu.

Realmente ele tinha a mulher nas mãos. Sentou-se, deu um beijo em seu pescoço e comentou que o segredo dela estava bem guardado, desde que a moça fosse “boazinha” com ele. Sheila entendeu o recado.

Viraram amantes a partir dali. Sheila não cobrou mais as transas com Rico e tinha que estar sempre a sua disposição. O rapaz não fazia segredos que transava com ela e chegou a filmar a relação escondido mostrando para muita gente, inclusive Feitosa.    

Já era notório o caso e as pessoas espantadas perguntavam o que uma mulher linda como aquela fazia com um cara sem graça como Rico. Com o tempo o estudante fez questão de desfilar com a rainha de mãos dadas pela escola e contar que estavam namorando.

Isso fez com que a moça perdesse um homem que lhe interessara. Eles começaram um romance e quando Rico descobriu mandou que ela lhe desse um fora senão contaria pra todos que a rainha na verdade era prostituta.  

Nicanor mandou que o amigo maneirasse porque aquela história poderia acabar mal e o rapaz respondeu que muito pelo contrário, ele daria mais um passo.

Um dia Sheila chegou em casa e encontrou Rico conversando com seus pais. O pai da moça levantou e disse que ela arrumara um belo noivo e dava benção para o casório. Sheila contou não entender aquela história e Rico mostrou um par de alianças pedindo a rainha em casamento.

Sheila ficou sem reação e enquanto Rico colocava a aliança em seu dedo dizia baixinho no ouvido “se recusar mostro o DVD para eles, ta aqui na mochila”.

Ela não teve alternativa senão aceitar.

Na noite seguinte antes de ir para o ensaio da Sereno bateram em sua porta. 

Era Nicanor.

Ela perguntou o que o rapaz queria e ele contou que também tinha cópia do DVD e estava na terma quando Rico lhe encontrou. O pesadelo de Sheila só aumentava.

Nicanor começou a beijar o pescoço da rainha, acariciar seu seio e Sheila se desvencilhou contando que estava atrasada para o ensaio. Nicanor ameaçou contar e ela pediu apenas que fosse depois do ensaio, que lhe encontraria e iriam para um motel.

Nicanor topou e foi embora. Sheila entrou por um instante no escritório do pai e foi para a quadra da Sereno.

Na quadra o ensaio rolava e lá estavam Rico e Nicanor rindo e apontando para Sheila. Em determinado momento Rico passou pela rainha e falou em seu ouvido “não se esqueça do meu amigo hoje”.

Naquele momento Sheila foi até o locutor da escola e pediu o microfone.

A escola toda parou para ouvir o que a rainha tão amada tinha pra dizer. Com o microfone na mão Sheila respirou fundo e falou.

“Eu queria dizer pra vocês que eu não sou modelo como sempre falei. Eu sou prostituta, fiz filme pornô pro mercado internacional, aquele ali descobriu começando a me chantagear, aquele outro começou a me chantagear hoje e farei isso agora por causa deles”.

Pegou um revólver que escondera no curto vestido e deu um tiro na boca morrendo na hora.

As pessoas ficaram paralisadas. Nicanor e Rico não sabiam o que fazer. 

Algum tempo depois enquanto alguns ainda em vão tentavam ajudar a rainha outros apontaram para a dupla de rapazes gritando “assassinos”.

Tentaram correr, mas não conseguiram apanhando muito e parando no hospital em estado grave.

Chantagem nunca acaba bem.



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NUMA ESTRADA DESSA VIDA 
  

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