ERA DA VIOLÊNCIA 2: CAP XI - GALALITE E SCARFACE
Rui entrou no carro e fomos
embora. Não trocamos uma palavra durante todo o trajeto. Eu olhava João,
sentado ao meu lado atrás, e ele apenas observava a paisagem. Olhar distante.
Tentava imaginar o que ele
pensava. O que todos pensavam. Cinco pessoas foram mortas naquela noite e com
requintes de crueldade. Não era uma situação normal.
O primeiro deixado em casa foi
João. Perguntei se estava tudo bem e ele apenas respondeu “Sim” caminhando.
Depois foi a minha vez enquanto Rui e Scarface prosseguiram.
Rui desceu e antes de entrar em
casa comentou com o taxista “Não esqueçam do Sem Alma, amanhã é dia de pegar
esse filho da puta, depois ligo para dar as coordenadas”.
É..Voltamos assim ao capítulo que
Galalite e Scarface mataram o Sem Alma.
Scarface entrou na quitinete que
morava, pegou uma cerveja e ligou a tv para ver VT do jogo do Botafogo. Na
quitinete mal cuidada tinha pôster do Botafogo campeão brasileiro de 1985 e de
seus ídolos. Al Pacino e Robert de Niro.
Seu telefone tocou e atendeu. Era
Galalite. O bandido perguntou ao taxista se algum dos bandidos tocara em seu
nome.
Scarface respondeu “Não, deu tudo
certo. Os caras estavam tão desesperados que lembravam de porra nenhuma”.
Continuaram Conversando mais um tempo e o
taxista desligou o telefone.
Levantou, preparou um miojo,
sentou na frente do tv, pegou a arma e fingiu atirar na tv dizendo “Diga olá
para o meu amiguinho”.
Frase clássica de Scarface.
Scarface se sentia o Tony Montava,
mas não passava de um psicopata.
No dia seguinte passou na casa de
Galalite que entrou no carro e perguntou qual era a missão. O taxista respondeu
“Vamos pegar um cara que ta devendo uma grana na praça e talvez o Sem Alma,
depende do chefe”.
Scarface deu a saída e Galalite
comentou “E o Gagau hein?”. Furioso Scarface retrucou “Nem me fale desse filho
da puta”. Enquanto Galalite ria e dizia que nunca viu um crente falar tantos
palavrões o taxista finalizou “Jesus perdoa, eu não”.
E assim partiram para o
“trabalho”.
E eu não preguei o olho a noite
toda cara!! Foi foda! Não sei o que acontece, mas a porra da violência me
persegue. Depois de tudo que vivi com Pardal, Lucinho, Major Freitas, senador
Getúlio Peçanha, Pittinha, as prisões, o tráfico, achei que estivesse livre,
mas nada.
Levantei para beber água e Lucinho
apareceu comentando “Faz parte de você”.
Parei e perguntei o que fazia parte de mim e o fantasma respondeu “A
violência, a morte”.
Falei que aquilo era besteira.
Nunca fui bandido, tive alguns desvios, mas paguei por eles e Lucinho retrucou
“Você faz parte desse mundo. Não adianta tentar fugir, dizer que pagou se você
gosta, isso te da adrenalina”.
Respondi que ele tava falando
merda e perguntei porque sumiram, Lucinho contou que em “Nosso lar” não liberam
saídas quando acontece algo ruim na Terra e eu gargalhei perguntando “Vocês
estão no céu? Não estão no inferno? Ta de sacanagem!!”.
Lucinho sério respondeu que eu
entendia nada de vida e morte. Caminhei para o quarto e Lucinho gritou “Não
adianta que você não vai conseguir dormir hoje e não é porque está abalado com
a noite que teve, mas porque está excitado com ela!!”.
Deitei na cama pensando no que
Lucinho disse e me perguntei “Será?”.
Voltando ao dia seguinte Scarface
e Galalite dentro do táxi esperavam a “vítima” da vez. Galalite falava com a
esposa no telefone, Scarface comia biscoito globo enquanto esperavam. Um homem
saiu de dentro de uma casa com uma mulher e uma criança.
Era o homem torturado do começo da
história.
Scarface cutucou Galalite
mostrando o homem e o bandido falou para a esposa “Amor, tenho que ir, pintou
um serviço. Ta, eu vou ao mercado e faço compras, te amo”. Desligou e disse a
Scarface “Vumbora maluco”.
Desceram, abordaram os três e
pegaram o homem levando ao táxi.
Galalite entrou do branco de trás
com o sequestrado e Scarface apontou o dedo dizendo a mulher “Vocês não viram
nada. Fiquem quietos ou mato vocês em nome de Jesus”.
É..Assim eram Scarface e Galalite.
Eles faziam uma dupla tipo Batman
e Robin, Chitãozinho e Xororó, Pelé e Coutinho. Pareciam não ter nada a ver um
com o outro, mas se completavam.
Galalite. Cria do morro do alemão,
gostava de jogar bola quando criança. Tinha habilidade e diziam que seria o
novo Zico. O menino ficava puto, botafoguense fanático respondia que era o “Mané
Garrincha”.
Foi aprovado para treinar em seu
clube do coração e logo se destacou sendo visto com interesses até por clubes
do exterior. Conheceu a Espanha com sua família, fez testes no Barcelona, foi
aprovado, mas não quis ficar no clube catalão por amar o Botafogo.
Voltou ao Brasil e a treinar no
Botafogo. Fez contrato com um cara conhecido como Miguel Xoxó, empresário de
futebol e parecia que teria um belo destino pela frente.
Parecia.
Galalite além de jogar bola andava
em más companhias. Na folga bebia, fazia arruaças e cometia pequenos furtos. Em
uma dessas foi pego pela polícia.
Por ser menor de idade seria
levado a um centro de reabilitação e
assim acabar sua carreira, mas por
sorte um dos policiais era
botafoguense fanático e conhecia
Galalite das preliminares do Maracanã.
Foi liberado, mas as coisas que
fazia de errado já começavam a repercutir no clube. Um preocupado Miguel Xoxó
foi procurar Galalite em casa.
O garoto estava sozinho no
barraco. O empresário entrou e reclamou do comportamento do rapaz. Disse que a
direção do clube estava de olho e poderia dispensá-lo. Galalite, assustado
respondeu “Não, isso não pode acontecer! O Botafogo é a minha vida!”.
Miguel Xoxó se aproximou de
Galalite e acariciou o rosto do menino dizendo “Fique tranquilo, vou cuidar de
você”. Galalite se afastou falando “Qual é seu Miguel? Curto viado não, sai pra
lá”.
O homem se aproximou de novo e
disse “Deixa de ser bobo. Eu posso fazer de você um astro! O melhor do mundo!”
Partiu pra cima de Galalite tentando agarrá-lo e gritando “Se comporta senão
acabo com sua carreira!”.
Galalite tentava se desvencilhar
do ataque do homem mais velho, maior, quando viu uma faca de cozinha. Não
titubeou em pegar a faca e acertar Miguel.
Miguel caiu ferido no chão.
Galalite partiu pra cima furando várias vezes o empresário dizendo “Filho da
puta!! Viado nenhum toca em mim!”.
Miguel Xoxó estava certo. Poderia
acabar com a carreira de Galalite. O empresário morreu e o
garoto foi pro reformatório.
Ficou três anos no local e saiu
encontrando uma vida bem diferente da que deixara. Não tinha mais as portas
abertas não só no Botafogo como em nenhum grande clube. Parou no Campo Grande.
Não tinha mais a habilidade de
antes depois de tanto tempo preso, as farras e noitadas acabaram com o pouco
que restava. Foi dispensado do clube e desistiu do futebol indo trabalhar pro
jogo do bicho.
Virou um dos homens de Pittinha.
Uma tarde estava no escritório de
Pittinha ouvindo o que o bicheiro tinha a dizer. “Quero a cabeça desse filho da
puta! Quero embrulhada para presente como se fosse Natal. Abrir o lacinho,
tirar o embrulho e encontrar a cabeça desse merda dentro da caixa. Entenderam
ou preciso ser mais claro?” Perguntou Pittinha.
Galalite acenou com a cabeça
afirmando que sim. Pittinha então perguntou “Entendeu Scarface?”.
Scarface, que estava sentado ao
lado de Galalite, respondeu “Vai ser o meu presente de Natal pro senhor”.
Pittinha respondeu “Ótimo”. Samantha, lembram dela, a amante de Pittinha?
Entrou na sala fazendo carinho no bicheiro que deu a ordem “Vocês dois podem
ir, só voltem com a cabeça daquele viado!!”.
Galalite e Scarface se conheceram
naquela reunião. Galalite perguntou ao novo companheiro “Já matou alguém?”.
Scarface pegando a arma na cintura respondeu “Essa semana não”.
Assim surgiu uma linda amizade.
Galalite era mais centrado, mais
inteligente. Scarface maluco, psicótico, amante da violência. Enquanto a
criançada jogava bola no lado de fora ele ficava em casa vendo televisão. Desde
moleque fã de Al Pacino Scarface ficava na poltrona com olhos fixos na tv como
se estivesse em transe e na parte final do filme falava “Diga olá para o meu
amiguinho”.
Scarface, ou melhor, Genival, esse
era seu nome, era o mais novo de cinco irmãos de uma família que migrara de
Pernambuco para São Paulo. Desde pequeno maluco, inconsequente, se meteu
em briga em um bar ainda adolescente e
rasgou o rosto de um bandido da área com pedaço de uma garrafa.
Foi jurado de morte e por isso
deixou a família para trás indo para o Rio de Janeiro.
Sozinho na cidade se virou como
pôde. Sobreviveu no começo fazendo pequenos bicos e quando não tinha roubava
para não passar fome.
Na verdade não passar fome era
apenas uma desculpa. Ele gostava de roubar, gostava da criminalidade.
Foi detido algumas vezes, mas
sempre ganhava a liberdade até que descobriu que podia ganhar dinheiro de outra
forma. Um travesti da Lapa se apaixonou por ele e Scarface deu trela. Começaram
um caso e explorava o traveco.
Pegava todo o dinheiro do travesti
e ainda lhe batia quando não tinha o suficiente. O travesti morreu de AIDS, por
sorte ele não foi contaminado e com o tempo o rapaz
mesmo começou a vender o corpo.
Circulava pela Lapa atrás de
clientes e não tinha preconceitos. Homem, mulher, saía com todos. Começou caso
com um deputado federal que se apaixonou por ele.
O deputado dava tudo para ele, do
bom e do melhor. Alugou um flat para Scarface na Lagoa e podíamos dizer que a
vida melhorou para o bandido. Mas mesmo assim aquilo era pouco para Scarface
que queria um táxi do amante para assim juntar dinheiro e ir morar nos Estados
Unidos.
Esse era o grande sonho de
Scarface. Morar na América. O deputado nem queria ouvir sobre, não conseguia se
imaginar vivendo longe do amado.
Mas um dia o deputado disse que
toparia viver nos Estados Unidos com Scarface. Os olhos do rapaz brilharam, mas
aí ele completou “Você tem que matar minha esposa. Aí largo tudo e nós vamos”.
Scarface não pensou duas vezes e
preparou a emboscada. Uma tarde a mulher estacionou o carro no shopping e
quando saiu do veículo o bandido surgiu e deu três tiros nela saindo correndo.
Mas para seu azar a mulher
sobreviveu. Depois de uma semana em coma abriu os olhos e lembrava de tudo
denunciando Scarface. As câmeras de vigilância também flagraram o ato e o
bandido foi preso por tentativa de assassinato.
O deputado lhe abandonou. Largado,
Scarface ainda tentou arrolar o ex amante ao caso, mas poderoso, o homem negou
tudo e se livrou do processo. Scarface pagou
sozinho pelo crime.
Quando saiu foi trabalhar com
Pittinha e conheceu Galalite.
Não conviveram muito como
subordinados a Pittinha. Cometeram alguns assassinatos, mas logo a casa de
ambos caiu. O primeiro a ser preso foi Galalite, logo depois Scarface.
A amizade deles aumentou de
verdade na cadeia. Galalite falava do
sonho de arrumar uma mulher decente, se casar e ter filhos. Scarface ria e
respondia que o amigo pensava pequeno. Galalite perguntava “O que é pensar
grande? Ir pros Estados Unidos lavar pratos?”.
Scarface respondia que ia se dar
bem lá. Teria um táxi e rodaria por Nova York de noite “Igual o cara de táxi
driver”. Um pouco mais velho, Galalite
aconselhava o amigo “A vida não é um filme Scarface, você pode se dar mal”.
Os anos passaram e um era o melhor
amigo do outro. Scarface se converteu e virou evangélico, ao contrário de mim
se converteu de verdade, mas assim como Pardal era um evangélico de araque que
continuava com a violência em seu corpo. Ao contrário de Galalite que era um
homem tranquilo e passava a maior parte do tempo lendo Scarface era arredio,
irritadiço e adorava uma confusão.
Entrou em várias dessas na cadeia
e era suspeito de alguns assassinatos.
Um dia Galalite chegou com uma
novidade “To indo embora”. Scarface se assustou e perguntou “Como assim?”.
Feliz Galalite comentou que o pedido que seu advogado fizera na justiça deu certo e ele estava livre.
Em vez de ficar feliz pelo amigo
Scarface ficou triste e perguntou “E eu?”. Galalite fez carinho no rosto do
amigo e disse “Você vai ver, vou me dar bem lá fora e quando você sair vou te
botar numa boa”.
Galalite saiu da prisão e no dia
seguinte eu entrei.
Scarface saiu da cadeia um pouco
depois de mim. Sem contato comigo, Galalite, com ninguém tentou se virar como
podia. Voltou aos pequenos furtos e a vender seu corpo.
Alugou um quarto numa “cabeça de
porco” no centro da cidade e tentava a sorte nas ruas atrás de clientes. Também
colocou anúncio em classificados dos jornais e assim descolava um troco.
Pequeno, muito longe de ser o suficiente para se mandar pros Estados Unidos, mas
era o que dava pra arrumar.
Uma noite perambulava pelo Centro
atrás de clientes quando um carro parou e um homem buzinou. Scarface olhou para
traz e reconheceu aquele homem. Era Galalite.
Galalite saiu do carro com os
abraços abertos e disse “Porra!! Deu um trabalhão pra te achar!!”.
Os amigos se abraçaram e Scarface
falou “Cara, que bom te rever! Mas não sabia que você curtia essas coisas”.
Galalite demorou, mas entendeu o que o amigo disse e respondeu “Ta maluco? Sou
facão porra!! To com mulher e filha. Tava te caçando pra te levar para uma
parada boa, não te prometi?”.
Scarface entrou no carro e
Galalite o levou até Rui de Santo Cristo.
Galalite chegou ao policial e
disse “Esse é o cara que eu tinha prometido trazer. Ele é maluco e não tem vergonha
de atirar quando preciso”
Rui sorriu e estendeu a mão a
Scarface dizendo “Ótimo. Caras assim que queremos no nosso grupo. Seja bem
vindo”.
Eles apertaram as mãos. Scarface
estava no grupo.
Que grupo? No próximo capítulo
vocês saberão.
ERA DA VIOLÊNCIA 2 (CAPÍTULO ANTERIOR)
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