ERA DA VIOLÊNCIA 2: CAP IX - RUI DE SANTO CRISTO
Dançamos e curtimos até de manhã.
Com o dia amanhecendo saímos da boate e fomos para o Arpoador fumar maconha e
ver o nascer do Sol. Rui e João foram deixar as meninas em casa e quando pensei
em fazer o mesmo com Bianca essa me puxou e disse “Tenho ideia melhor para a
gente” lambendo o meu ouvido.
Aceitei na hora.
Paramos em um motel com clima de
muito tesão. A doida foi me agarrando da recepção até o quarto, me jogou na
cama e falou “Você vai ver o que é uma foda de verdade”.
Parceiro..Te falar..Que foda!! A
menina parecia que estava incorporada!! Tomei um chá de buça, lembrei os bons
momentos do martelinho invertido e apaguei.
Acordei apenas muitas horas depois
completamente zonzo, mas feliz, muito feliz. Levantei perguntando por Bianca
quando Pardal saiu de roupão da sauna dizendo que ela já fora embora. Perguntei
se era mania das mulheres agora foder comigo e se mandar quando sentei na beira
da cama e vi uns trocados na mesinha. Peguei e junto tinha um bilhete dizendo
“Sua grana do ônibus, obrigada e desculpe qualquer coisa. Bianca”.
Ri e comentei com o Pardal “Olha
que louca, deixando dinheiro pra ônibus”. Lucinho que aproveitava a piscina
saiu e gritou “Você é um otário. Tomou boa noite Cinderela”.
Olhei para Pardal que fez sinal
afirmativo com a cabeça.
Desesperado, procurei por minhas
roupas e não achei. A filha da puta levara minha roupa toda com dinheiro e
documentos.
Enquanto procurava por roupa, dinheiro
caído, alguma coisa Lucinho voltou para a piscina dizendo “Nem adianta procurar
pelo carro. Ela levou”. Puto, perguntei por quê eles não fizeram nada. Pardal
respondeu. “Somos fantasmas e outra, você nos matou. Desculpa, mas algum
ressentimento fica”.
Enrolado em uma toalha fui até a
recepção comentar a situação com os dois fantasmas rindo em volta de mim. O
gerente respondeu que não queria saber. Ou eu pagava a conta ou teria que
limpar os quartos. No momento Lucinho disse “Nem vem, somos fantasmas” e sumiu
com Pardal me deixando sozinho.
Antes que fosse obrigado a faxinar
o motel pedi o telefone e consegui falar com Rui de Santo Cristo pedindo ajuda.
O rapaz foi até o motel com uma roupa, me emprestou e paguei a conta. Fomos ao
banco onde consegui bloquear o cartão e salvar o que restou da minha grana
antes que ela levasse tudo. Paguei a conta de Rui e ele me levou para casa.
No caminho me levando Rui me
perguntou se eu não queria ir até a delegacia. Respondi “E dizer que uma garota
que tem idade para ser minha filha me deu boa noite Cinderela e me levou tudo?
Não, obrigado, além do mais o carro tem seguro”.
Rui me deixou em casa. Agradeci e
disse que devolveria a roupa limpinha. O policial disse “Pode ficar com você,
só tome cuidado com Cinderelas”. Cara bacana o tal de Rui de Santo Cristo e
também tinha uma história sofrida.
No começo nem tanto..Rui nasceu
numa família que se não era rica tinha boas condições financeiras. Apartamento
próprio na Tijuca. O pai trabalhava em uma imobiliária, a mãe professora. Tinha
uma vida de criança comum.
Soltava pipa, jogava bola, reunia
a galera para campeonatos de botão e vídeo game. Rui de Santo Cristo era um
garoto popular, carismático, o líder de sua turma. Não a toa era presidente do
Grêmio Estudantil e todas as menininhas tinham vontade de ficar com ele.
Nessa atmosfera sadia e feliz
surgiu João Arcanjo. Mais novo, se mudando com os pais para o local. Rui tratou
de enturmar o garoto e viraram grandes amigos. Saíam juntos para todos os
cantos e formaram um time de futebol onde, evidente, Rui era o craque do time e
João seu protegido.
A vida em casa também parecia
tranquila. Rui tinha dois irmãos. Uma menina mais nova e um rapaz mais velho e
fazia parte de uma família unida e que se amava.
Tudo certo né?
Nem tanto. Todos guardam seus
segredos.
Rui tinha uma menina que gostava.
A Carol. Saíam às vezes, mas nada sério. Era uma das mais populares da escola e
todos babavam por ela.
Quatorze anos de idade.
Desabrochando pra vida com corpo que parecia de mulher mais velha. Não eram só
os garotos que se interessavam.
Os mais velhos também.
Uma tarde Carol estava com Rui
estudando no quarto e Inácio, o pai de Rui, pediu que o menino deixasse a porta
aberta, pois não queria problemas depois. Rui abriu a mesma quando o homem
reparou na moça.
Ficou um tempo na porta olhando os
dois no quarto e logo reparou nas coxas grossas, os seios empinadinhos que
pareciam querer furar a blusa. Rui notou a presença do pai e perguntou se havia
algum problema. Inácio disfarçou e respondeu “Nada não, continue estudando e de
porta aberta”.
Um dia Rui estranhou que Carol não
apareceu no colégio e na verdade ela nem precisava ter aparecido, pois os
alunos foram liberados mais cedo devido a um problema no esgoto da escola.
Voltando pra casa imaginou que estivesse sozinho já que era hora de trabalho
dos pais e escola dos irmãos.
Mas não estava.
Ouviu vozes, mesmo que baixinhas,
como se tentassem disfarçar vindas do quarto dos pais e ficou curioso. Foi até
o local ver o que ocorria e abriu a porta sem ser percebido.
Viu o pai fotografando Carol nua.
A menina que ele gostava.
Transtornado fez nada. Foi para a
rua tentar espairecer. Ficou vagando pela Tijuca até tarde da noite quando
voltou para casa. Entrando no local encontrou a família transtornada. O pai
ameaçando lhe bater perguntando onde estava.
Rui olhou sério para o pai. Depois
para a família e pensou em falar tudo o que tinha visto. Mas tinha o pai como
ídolo e se calou. Pediu desculpas e sentou-se à mesa para jantar.
Rui conviveu com aquela dor de ter
que esconder o que sabia por pouco tempo. Alguns dias depois explodiu o
escândalo já citado no capítulo de João Arcanjo. Vários pais foram até a
delegacia denunciar Inácio de Santo Cristo por pedofilia e abuso.
Um grande escândalo que abalou não
só a família, como o bairro. Inácio escapou por falta de provas. Rui havia
sumido com as fotos. O pedófilo nunca
soube quem fizera isso.
A família caiu em desgraça e
tiveram que se mudar. João foi se despedir de Rui que cortou o dedo e misturou
o sangue dos dois e partiu.
Perderam poder aquisitivo. Inácio
foi despedido e pararam na Baixada Fluminense. Tiveram grande dificuldade para
vender ou alugar o imóvel antigo. Ninguém queria morar na casa do “tarado da
Tijuca”.
Inácio começou a beber e o antes
excelente clima na família tornou-se hostil. Não foram poucas às vezes que Rui
teve que ir até o bar pegar o pai e carregá-lo pra casa.
Inácio se comportava de forma
estranha. Cada vez mais chegava tarde em casa e de uma hora para outra começou
a chegar com dinheiro. Dizia estar “fazendo bicos”.
Uma noite bebeu demais e ameaçou
bater na esposa. Rui interveio e o homem deu um tapa no filho mandando que ele
fosse para o quarto. Rui já tinha quinze anos e
mesmo com todo esse clima mantinha a idolatria pelo pai e o respeito. A mãe
pediu e ele foi para o quarto enquanto eles continuavam discutindo na sala e os
outros dois irmãos apenas olhavam.
Rui chorava no quarto enquanto a
confusão continuava na sala. Até que bateram na porta de casa. A mulher atendeu
e um homem com uma farda perguntou por Inácio. Inácio surgiu e assustado
perguntou “Você?”.
O homem entrou com outros policias
perguntando “Cadê a minha grana?”. Inácio respondeu que não sabia, tinha feito
o combinado apenas. A mulher perguntou ao marido o que acontecia enquanto o
chefe dos policiais pegou a arma e encostou ao rosto de Inácio perguntando
novamente “cadê minha grana filho da puta?”.
Rui ouviu e sentiu que algo
estranho ocorria. Chegou na porta do quarto e viu o homem com a arma apontada
ao pai. Inácio pedia para conversar a sós com o homem, tentar explicar a
situação e o policial repetiu “Não quero conversar, não quero explicação, quero
meu dinheiro porra!! Não era só aquilo!!”.
Inácio abaixou a cabeça dizendo
não estar com o dinheiro. O homem virou para ele e disse “Ah não tem o
dinheiro? Não tem?” Disparando contra o pai de Rui.
A mulher e os filhos começaram a
gritar e o policial ordenou “Mata tudo nessa porra!!” E saiu da casa. Os
comparsas abriram fogo contra a mulher e os filhos. Mais de quarenta tiros
dados na casa. Viram Inácio ainda estrebuchando no chão e deram na cabeça o de
misericórdia.
Os homens saíram da casa e
encontraram o líder encostado na viatura. O homem perguntou se eles tinham
verificado os quartos. Um responder que não e furioso ele respondeu “Porra!!
Vão deixar testemunhas?? Olhem os quartos!!”.
Rui saía do quarto quando percebeu
a volta dos policiais e voltou ao mesmo se escondendo embaixo da cama. Os
policiais entraram no quarto de Rui e um disse “Tem ninguém mais, vamos
embora”. Rui passou a noite toda embaixo da cama e só quando amanheceu foi à
sala e viu sua família morta.
Bateu o desespero no rapaz que
pegou os corpos, juntou e abraçou chorando.
Chacina na Baixada nem dá tanta
repercussão quanto se fosse numa área nobre. O rescaldo do sequestro da Haddock
Lobo dava muito mais repercussão. Rui de Santo Cristo perdeu os pais e os
irmãos ficando praticamente sozinho no mundo.
Foi morar com um casal de tios.
A tia, irmã da mãe de Rui, uma
mulher sofredora, que lavava roupas para sobreviver e sustentava cinco
crianças, mais um marido vagabundo que enchia a cara e explorava a mulher.
Rui se transformou em um garoto
perdido, revoltado e começou a andar com más companhias. Tinha problemas com o
tio que sempre lhe expulsava de casa e a tia se metia a favor do menino dizendo
“Ele não tem ninguém no mundo”.
Um dia o tio viu Rui fumando
maconha perto do campinho de futebol. Chegou no rapaz e deu um tapa na sua cara
dizendo “Quer ser homem? Eu te ensino como ser
homem”.
Pegou o moleque e carregou para a
Vila Mimosa.
Pra quem não sabe ainda, já que
expliquei no primeiro livro, a Vila Mimosa é tipo uma Disneyworld do sexo.
Várias casas por alguns quarteirões onde mulheres se oferecem sexualmente. Rui
olhava a tudo enquanto o tio acendeu um cigarro e falou “Escolhe uma, hoje é
por minha conta”.
Rui olhou para o tio que confirmou
“Vai, escolhe uma”. Rui percebeu uma mulher com uns quarenta anos, cara de
cansada bebendo uma pinga sentada numa escadaria e ficou olhando para ela. A
mulher notou e perguntou “Quer se divertir garoto?”.
O tio respondeu “Ele quer” e
empurrou o sobrinho para a prostituta.
Foram para o quarto. Rui muito
tenso sentou-se na cama e a mulher entendeu o nervosismo. Sentou-se ao seu lado
e perguntou “Primeira vez benzinho?”. Ele nada respondeu. A prostituta então lhe
deu um beijo no pescoço e completou “Relaxe, é a minha primeira também”.
Rui se viciou na “coisa”. Todas os
sábados voltava a Mimosa e tinha seus vinte minutos de prazer. Fazia bicos
durante a semana ou praticava pequenos furtos para ter a grana e assim ir ao
puteiro.
Uma noite estava lá bebendo com
amigos quando viu policiais chegando. Os homens fardados iam de casa em casa
pegar dinheiro dos prostíbulos. Rui reparou no movimento e respondeu que era
aquilo que queria. Um dos amigos perguntou se era pegar propina e ele respondeu “Não, ser
policial”.
Foi para o quarto com Jussara. A
jovem prostituta com quem tinha um caso e no fim contou que faria prova para a
polícia. Jussara riu e comentou “Para Rui, você parece tudo, menos policial”.
Rui acendeu um cigarro e respondeu “Vou sim e você vai me dar o dinheiro para
me inscrever”.
Jussara se levantou e começou a se
vestir dizendo “nunca” e Rui insistiu que era só um empréstimo. Jussara
respondeu “não” e agressivo Rui disse “Vai sim”. Os dois começaram uma violenta
discussão. Rui jogou a prostituta no chão e começou a mexer em sua bolsa. Ainda
jogada no chão Jussara segurava em sua perna tentando impedir. Rui pegou o
dinheiro, virou-se para a prostituta e falou “É um empréstimo” saindo e
deixando a mulher chorando.
Fez a prova e passou. Rui virou
policial e não podemos dizer que se tornou um exemplo. Fazia seu trabalho, mas
pegava propinas de todos os tipos. Mais um policial corrupto.
Tinha o ódio dentro dele. Ódio de
quem perdeu tudo, teve a família morta e de quem a vida não tratou com carinho.
Mas também tinha seu lado bom.
Exímio atirador foi fundamental em
um caso de invasão e sequestro a um colégio. Um homem invadiu uma escola e fez
crianças como reféns. Com uma no colo negociava e fazia exigências para soltar
o menino.
O clima era tenso. Imprensa toda
no local e a polícia tentando negociar. O homem, sob efeito de drogas, ameaçava
matar o menino engatilhando a arma em sua cabeça e apertando forte seu pescoço.
De forma arrojada e inesperada Rui
passou pelo cerco e antes que o bandido conseguisse ter alguma reação atirou em
sua testa.
O homem morreu na hora e o menino
foi libertado. Era a primeira morte de Rui de Santo Cristo que se transformou
em um herói nacional. Menos para a secretaria de segurança que considerou sua
ação arriscada e sem autorização superior lhe suspendendo por trinta dias.
Puto. Muito puto. Rui foi encher a
cara na Mimosa com Jussara pedindo para que parasse. Completamente bêbado virou
para a prostituta e disse que queria foder.
No quarto depois da foda Rui de
novo foi revirar a bolsa atrás de dinheiro. Antes que pegasse Jussara segurou o
objeto e retirou uma faca de dentro mandando que ele não se aproximasse. Rui
riu e mandou que a mulher parasse com besteira se aproximando.
Jussara acertou por raspão o braço
de Rui com a faca. O homem furioso gritou “Filha da puta!!”. Pegou o revolver
na cintura e deu três tiros na mulher. Pegou o dinheiro na bolsa e saiu como se
nada tivesse acontecido.
Voltou para a casa dos tios e viu
o tio alcoolizado dando uma surra na tia, também atrás de dinheiro. Rui riu e
comentou “Que família”. O tio sentiu a presença do rapaz e falou “Não se mete
seu moleque!!”.
Rui pegou o revolver e descarregou
as balas no tio. A tia em estado de choque segurou o corpo do marido enquanto
Rui pegou o dinheiro que tirara de Jussara e
colocou na mão da senhora dizendo “A senhora deve estar precisando, toma”.
Ela incrédula, com o dinheiro na
mão olhava Rui que comentou “Esse não te bate mais”.
E saiu da casa.
É. Talvez Rui de Santo Cristo não
fosse tão legal assim.
ERA DA VIOLÊNCIA 2 (CAPÍTULO ANTERIOR)
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