A MORTE DE TODOS OS DIAS
*Coluna publicada no blog Ouro de Tolo em 3/11/2013
Ontem foi
o dia de finados. Tema mórbido não? Mas acho interessante de tocar até porque a
única certeza que temos na vida é que vamos morrer.
Dizem que
o ser humano é o único que sofre por saber que um dia morrerá. É um assunto que
tentamos evitar. Não gostamos de pensar, mas é verdade é essa. Um dia iremos
sim morrer.
O dia de
ontem é um dia do ano que nos permitimos pensar no assunto. Tem países em que a
data é até celebrada, fazem festa. Aqui não chega a tanto, mas as pessoas saem
de suas casas, compram flores e levam até os túmulos de seus entes queridos ou
celebridades que gostavam.
É dia de
visitar túmulos de Carmem Miranda, Clara Nunes, Ayrton Senna, Elis Regina,
Cazuza..Todos os anos reportagens mostram a peregrinação a esses túmulos.
Uma
pessoa que sempre esteve presente nessas ocasiões não estará. Morreu o famoso
“papagaio de pirata” dos enterros cariocas. Um cara baixinho, cara de “Paraíba”
que usava terno e gravata sempre aparecendo atrás das celebridades nos enterros
importantes.
É
estranho pensar que um “papa enterro” morreu. Será que teve “papagaio de
pirata” em seu enterro?
A morte é
a única coisa de nossa existência que une a todos. Rico, pobre, famoso,
desconhecido, todo mundo passa por isso e não há distinção de cor, credo, grana
ou opção sexual. Morte de celebridade sempre chama nossa atenção. Faz com que a
gente lhe veja como um igual. Um mortal realmente.
Nesses
últimos dias tivemos as mortes de Paulinho Tapajós, Mauricio Azedo e Lou Reed.
Esse ano tivemos mortes como de Emílio Santiago, Fernando Pamplona e Cláudio
Cavalcanti. Pessoas que quando sabemos das mortes nos choca um pouco.
Algumas
me chocaram profundamente como a do presidente Tancredo Neves, do jogador
Denner, do esportista Pepe, dos Mamonas Assassinas, Tim Maia, Michael Jackson e
claro, Ayrton Senna. A morte que parou um país.
Mas o que
é a morte pra mim? Como eu vejo a morte afinal?
Acho que
começamos a morrer no dia em que nascemos. Meio depressivo pensar nisso, mas a
cada dia que passamos nos aproximamos dela e em alguns momentos mais tristes ou
desesperadores até pedimos por ela. Mas é tudo da boca pra fora. Todo mundo
quer viver muito, bem e feliz.
E acho
que não morremos apenas uma vez. O ex-jogador de futebol Falcão disse que o
jogador de futebol morre duas vezes. Na morte em si e quando para de jogar.
Pela importância do ato deve ser verdade.
Mas seja
a morte real ou morte metafórica acho que morremos muitas vezes durante a vida.
Eu mesmo morri muitas vezes já.
Morri com
uma semana de vida quando me engasguei e parei em hospital já roxo. Morri
quando do terraço da minha casa jogaram um cano e esse acertou minha cabeça.
Morri em acidente de carro quando pequeno ou quando uma vez apareceu uma mancha
em exame meu do pulmão e acharam que fosse câncer.
Morri
muito meu amigo. Morri todas às vezes que uma mulher me atraiu. Todas em que eu
não fui correspondido ou quando fui e beijei a mulher que fiquei afim. Morri a
cada amizade que fiz, cada gargalhada que dei com amigos, cada zoação, farra ou
simplesmente no silêncio cúmplice de quando um de nós está mal e o outro está
ali só pela presença mesmo. Pra dizer “Estou aqui meu parceiro”.
Morri
toda vez que conheci um lugar novo. A cada livro que abri, cada filme que
assisti ou música que ouvi. A arte me comove, a arte é bela e me emociona.
Quando vejo algo engraçado rio, emocionante choro. Não tenho vergonha disso, de
me encantar pela arte. É minha morte poética.
Morro
cada vez que escrevo. Gosto de escrever porque assim dentro dessa minha morte
me torno imortal. Meus restos mortais estão ali em cada frase, cada verso.
Todas as histórias já foram escritas, mas nem todas foram ouvidas. Por isso
escrevo, para renascer e morrer sempre.
Morro
cada vez que encontro parceiros pra compor um samba-enredo. Cada vez que um
nasce e fica bonito. Morro a cada apresentação, na estreia, na final. Morri
quando subi a um palco para minha primeira final. Minha alma deixou meu corpo e
ganhou o universo quando ganhei meu primeiro samba e esse foi Estandarte de
Ouro.
Tem morte
mais bonita que morrer de amor? Morri quando amei. Quando tive o corpo da
mulher que amei colado ao meu. Quando
choramos
ao fazer amor e no momento tocar nossa música. A cada bobeira nossa dita, a
cada momento ao seu lado por mais irrelevante que ele pudesse ser naquele
instante. Morri quando perdi esse amor. Morri, definhei, virei um cadáver
sepulto em um cemitério de lembranças e saudades.
Morro
cada vez que ouço por telefone a voz de minha avó em Curitiba. A minha velhinha
com seus oitenta anos. Tive uma morte dolorida demais em 4 de abril de 2005
quando perdi minha mãe. Uma morte insuportável muitas vezes, que me fez
perambular por um umbral só meu e achei que nunca mais conseguisse sair. A cada
dia morro um pouco com essa saudade.
Mas morri
de alegria dia 16 de maio de 2009 quando ganhei Ana Beatriz de Jesus Villar e
dia 9 de agosto de 2013, dia do meu aniversário, quando ganhei Gabriel Ataíde
de Jesus Villar. Atravessei um túnel brilhante, luminoso e no outro lado encontrei
um campo florido, dois anjos e os dois me disseram “Saia do umbral que vamos te
levar ao céu”.
E me
levaram. A pequena Bia me levou transformando a minha morte em vida. O
pequeníssimo, mas vitorioso Gabriel mostrou o quanto sou babaca e fraco quando internado
em um hospital, com suas veias furadas, soro entrando por seu corpo me olhou e
sem saber falar me disse “Morte? Eu vou é viver!”.
Viveu e
me deu vida. Fez oitenta dias essa semana e é o ser vivo mais vitorioso que
convivo.
A cada
dia morro. A cada dia morremos. De tristeza, de alegria, mas a cada morte
aprendemos.
Aprendemos
que viver é bom. A morte é só uma pequena viagem e o mais importante dela é que
depois sempre renascemos.
Dia de
finados? Dia da vida. Entre vivos e mortos todos vivemos, Todos existimos.
Porque
enquanto houver amor não tem fim.
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