AS CIDAS

Ontem terminamos a radionovela " justiça dos homens". Um grande sucesso e infelizmente muito atual

.Digo infelizmente porque retrata um Brasil que todos nós conhecemos e alguns fingem  conhecer. A história de uma prostituta chamada Maria Aparecida Arimateia que só fez sofrer na vida. Tinha o sonho de ser mãe, conseguiu, mas seu filho nasceu doente. Aos quatro anos desenganado pelos médicos, sofrendo Cida tem uma atitude desesperada e extrema matando seu filho. É presa e julgada pela justiça dos homens com todas as hipocrisias e preconceitos que conhecemos bem. 

Foi escrita em 2014 e posso dizer que na época não era tão atual quanto hoje. Nunca foi tão atual quanto o domingo em que estreou. No mesmo dia uma menina de 10 anos foi para um hospital fazer um aborto porque foi estuprada por um tio. Parte da opinião pública atiçada por conservadores hipócritas foi ao hospital. Proteger a criança? Clamar por justiça? Não, para protestar contra o aborto chamando a menina de assassina.

Uma menina de 10 anos que teve seus sonhos destruídos assim como Cida, assim como milhões de mulheres nesse país. O Brasil não tem apenas uma Cida, são milhões de Cidas que a cada dia são agredidas, mutiladas, estupradas, humilhadas, assassinadas. Quando é negra e pobre a coisa fica ainda pior e ainda sofre o julgamento de uma sociedade cada vez mais doente. Da justiça dos homens.

Não sei o que nos espera o futuro. Não sei o que o presente em que vivemos irá representar no futuro. Com certeza a época atual será estudada no futuro, uma época de pandemia não passa despercebida e provavelmente as gerações futuras irão nos ver como idiotas, como um período macabro da humanidade.

Cabe a nós, cabe a algumas pessoas que ainda guardam um pouco de sensatez lutar contra isso e mesmo que não consigamos mudar o rumo de nosso tempo mostrar que nem todos eram imbecis, nem todos concordavam com as sandices da segunda e da terceira década do século. Sempre digo que o artista é um jornalista do seu tempo e vejo que meu papel de escritor é denunciar nosso tempo.

Denunciar que no momento em que escrevo essa crônica uma Cida é agredida ou morta no Brasil.

E que a justiça dos homens é falha demais.  


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