AS MULHERES DE ADÃO: CAPÍTULO XXVI - O FIM (FINAL)


O jogo acabou e uma grande algazarra tomou conta da capela. Rubro-negros comemorando, vascaínos reclamando da arbitragem. Fogos explodiam no céu e buzinas eram ouvidas ao longe. Eva fez carinho na minha cabeça e disse que em algum lugar eu devia estar feliz com o título do Flamengo.

Mas chegara a hora. A hora do meu enterro.

Todas elas estavam lá. Amanda, Carla (com escolta), Daya, Elleonor, Flávia, Gisele, Helena, Íris (em espírito, eu vi, juro), Kate, Lena, Mônica, Nara, Odara, Pâmela, Queila (Que chorava em cima de mim pedindo perdão e me molhando todo) Rayane, Simone, Taísa, Úrsula, Waleska, Yara, Xênia (roubando carteiras), Zélia (com remorso por tirar minha filha).

..e Bia

As minhas mulheres, as mulheres da minha vida, as mulheres de Adão.

O padre começou a missa de corpo presente e naquele momento parece que a ficha caiu nas pessoas. Eva chorava sendo consolada por Kátia, tio Freitoca largou a garrafa de pinga de lado e abaixou a cabeça pensativo, meus pais consternados acompanhavam abraçados, o mesmo fazia meus avós e Edu chorava igual uma lagartixa que perdeu o rabo. No fim peguntaram se já podia fechar o caixão e minha mãe pediu pra esperar. Debruçou-se sobre mim, fez carinho no meu rosto e naquele momento foi mais mãe do que nunca. Disse que me amava, eu era seu filhinho querido e tinha muito orgulho de mim.

É amigos..eu estava morto. Tive uma vida bacana, curti muito, amei muito, muitas aventuras, conheci pessoas maravilhosas. Todo mundo vive com apenas uma certeza na vida, que irá morrer e não me arrependo das coisas que fiz nem das erradas e que sei que foram erradas. Tudo fez parte de um aprendizado e garanto viver foi muito bom. Só posso agradecer a Deus pela vida maravilhosa que tive a família e os amigos que me deu. Faria tudo de novo se pudesse.

Só lamento não ter podido curtir mais a Bia e principalmente curtindo mais minha filha.

Minha mãe deu um beijo se despedindo e meu pai perguntou se a pessoa não viria mesmo. Minha mãe respondeu que achava que não mais e que era melhor assim, ela não precisava passar por aquele trauma. Eva então autorizou o fechamento de meu caixão. Os homens da funerária já começavam a fechar quando se ouviu um grito de “espera”.

Não sei se perceberam, mas faltava uma pessoa importante na minha vida nesse velório e pulei uma letra quando falei das minhas mulheres.

Faltava Joana.

Ela chegou com os avós. Ao entrar na capela veio correndo ao meu encontro e se debruçou no caixão chorando. Muita gente foi ao meu velório, muitos grupos diferentes, recebi muitas homenagens, mas aquela era a pessoa mais importante.

Joana chorava olhando pra mim e pedia desculpas se algum momento me desapontou ou fez coisas erradas. Completou dizendo que eu era o melhor pai do mundo e que só soube ser feliz ao meu lado, agradecendo por tudo e que sempre me levaria em seu coração. Nesse momento Bia não aguentou. Ela que ficou fechada em silêncio durante todo o velório começou a chorar de forma compulsiva sendo amparada por Eva.

Minha filha chorando falou “eu te amo papai” e uma lágrima caiu de sua face. Direto no meu olho.

Aquela lágrima provocou uma reação em mim. Minhas pálpebras começaram a se mexer e de repente abri os olhos. Assustado, perguntei o que fazia naquele caixão.

Joana gritou “papai” e tio Freitoca completamente bêbado gritou ”alma penada!!” com todos gritando e saindo correndo.A capela ficou vazia. Levantei e fiquei sentado sem entender nada que ocorria. Olhei pro lado e Bia linda naquele vestido de noiva olhou pra mim e sorriu. Saí do caixão perguntando a ela o que ocorrera. Bia sorriu, fez carinho no meu rosto e contou que eu tinha morrido.

Falou e me deu um beijo, o beijo mais apaixonado que recebi na minha vida ou na minha morte.

 Depois do beijo Bia pediu que eu lhe contasse. Perguntei se ela queria saber como era a experiência de quase morte e Bia respondeu que não. Ela lembrou que eu falava que levaria pro caixão o segredo de quem eu pensava enquanto me masturbava na tal festa que me deu flagrante de quando éramos adolescentes e como eu tinha passado pelo caixão já podia contar.

Eu ri e Bia mandou que eu contasse logo e parasse de enrolar. Olhei nos olhos de minha amada, botei as mãos em seu rosto e respondi que pensava nela. Beijamos-nos e nesse momento ouvi de novo o grito de “papai”. Era Joana que voltava pra dentro da capela e veio correndo me abraçar.

Ficamos os três abraçados lá. Eu, Bia e Joana. A família feliz

Descobri depois que o que eu tive foi catalepsia.

Definição de catalepsia:

“Catalepsia patológica é uma doença rara em que os membros se tornam rígidos, mas não há contrações, embora os músculos se apresentem mais ou menos rijos, e quem passa por ela pode ficar horas nesta situação. A catalepsia patológica ocorre em determinadas doenças nervosas, debilidade mental, histeria, intoxicação e alcoolismo.”

No passado já existiram casos de pessoas que foram enterradas vivas e na verdade estavam passando pela catalepsia patológica."

Resumindo. A minha morte na verdade foi um ataque de catalepsia provocado por histeria. O fato de eu ter visto aquele monte de mulheres vestidas de noiva.

Resumindo mais ainda. Meu tio Freitoca estava certo, eu tive um siricutico.

Mas falando sério. Vocês achavam mesmo que essa história acabaria com tragédia? Comigo morto? É ruim héin. Eu e Bia tínhamos pressa e marcamos logo uma nova cerimônia de casamento.

Algumas semanas depois estávamos de novo na igreja. Eu nervoso perguntava a hora a cada cinco minutos e Edu vestido de homenzinho ao meu lado como padrinho mandava que eu me acalmasse senão cairia duro de novo. Tentava me acalmar até que vi a Bia entrando na igreja.

Abri um largo sorriso enquanto ela vinha ao meu encontro. Dessa vez não teve marcha nupcial. Contratamos um cantor e uma cantora que no ritmo de música clássica cantaram nossa música “chorando se foi” enquanto ela caminhava pela igreja. Peguei na mão do meu amor e Bia pediu que eu não tivesse siricutico daquela vez. Ri e nos viramos pro padre.

Enquanto ela falava perguntei se tinha certeza se queria aquilo. Era nossa terceira tentativa de casar, quarta dela e talvez fosse pra história não ter casamento. Bia mandou que eu calasse a boca e calei de pronto. Vocês ainda não lhe viram brava.

Mas dessa vez deu tudo certo. Não desmaiei, falamos sim, ninguém apareceu pra atrapalhar e o padre nos declarou marido e mulher. Uma grande explosão de gritos e aplausos tomou conta da igreja na hora de nosso beijo e saímos de lá dançando ao som de “chorando se foi”. Dessa vez com os cantores em ritmo de lambada. Fomos pra festa e nos divertimos. Rimos, dançamos. Bia jogou o buquê, Queila pegou e olhou pra Edu mordendo os lábios. Meu amigo olhou pra ela, soltou um “eu héin” e saiu de perto.

Mas eu não estava completamente feliz. Joana iria embora no dia seguinte pro Canadá com os avós.

Sem ninguém notar fui pro lado de fora da casa de festas e fiquei olhando as estrelas pensando como seria minha vida sem minha filha. Não percebera, mas quando olhei pro lado vi Joana também olhando as estrelas. Ela pegou o mesmo hábito meu de quando está triste.

Olhei e falei “Joana”. Minha filha então reparou minha presença e veio correndo até a mim me abraçar e falar que não queria ir embora.

Ajoelhei e abracei Joana falando que era preciso e ela seria feliz com os avós. Joana respondeu que já era feliz comigo e não tinha como ser feliz longe de mim. Aquilo me desconcertou. Com os olhos marejados dei um beijo em sua testa e Joana chorando pediu que eu não chorasse. Pronto, era o que faltava pra eu começar a chorar.

Ficamos os dois lá abraçados chorando.

Nosso choro e abraço foram interrompidos pela voz de Lourdes que chamara por Joana. Joana se virou, olhou os avós e disse “oi vovó”. Fernando falou que era hora da despedida. Joana então virou pra mim e disse que me amava e me ligaria todos os dias. Respondi que ligaria antes pra ela e lhe visitaria sempre que pudesse.

Nesse momento Lourdes interrompeu e disse que não era essa a despedida. Eles que estavam se despedindo dela.

Levantei do chão e perguntei como assim. Fernando completou falando que os dois pensaram muito, comoveram-se com o grande amor que tínhamos e resolveram que não era justo nos separar e assim não atender o último pedido de Íris. Eu e Joana abrimos um sorriso no momento que Lourdes pediu que ela os abraçasse porque iriam embora.

Joana abraçou os avós que desejaram felicidade pra ela, que sempre que precisasse os procurasse e passasse as férias com eles. Joana respondeu que tudo bem e que os amava. Depois Lourdes e Fernando chegaram em mim e falaram que assim como minha mãe tinham orgulho de quem eu era, era um grande homem e um grande pai. Agradeci as palavras e desejei boa viagem à eles.

O casal se despediu e partiu. Já sem eles por perto peguei Joana nos braços e rodopiei com minha filha no ar.

Naquele momento começaram a tocar Sidney Magal na festa e logo a minha música preferida “O meu sangue ferve por você”. Bia correu pro lado de fora pra me chamar pra dançar e eu e Joana entramos. Peguei minha amada pelos braços e junto com a música cantava “toda minha vida eu te procurei, quero ser feliz, com você que é tudo que eu sonhei”.

Oh eu te amo..oh eu te amo meu amor..

Assim a festa prosseguiu e minha vida também.

Muito amadureci com essas histórias e essas mulheres maravilhosas. Minha vida sempre foi conduzida pelas mulheres e cada uma delas, seja da minha família, que namorei, minha filha e Bia foram responsáveis por momentos felizes meus, pro meu crescimento. Não sou um cara bonitão, não sou milionário, não sou um primor de sedução, mas sempre me dei bem com as mulheres. Dei-me bem porque sempre fiz aquilo que elas mais querem. Sempre escutei o que elas tinham a dizer.

Sempre fui amigo, companheiro, dei meu ombro para que elas chorassem e fiz que elas rissem. Romântico, apaixonado, capaz das mais loucas declarações de amor, um cara que muito amou, sofreu e foi feliz com o amor.

E que sempre respeitou e amou demais as mulheres.

Esse sou eu.

Ou pelo menor era, porque eu não queria mais amar as mulheres, só queria amar “A mulher”. Bia, a mulher que eu procurei em todas as outras. Sou feliz por ter o amor dela, ter seu carinho, seu companheirismo e só ela me basta. Não quero mais conquistar todas as mulheres, serei o homem mais feliz do mundo se conquistar a Bia todos os dias.

Vocês não têm ideia do quanto amo a Bia. Acho que nem ela tem essa noção. Talvez nem eu.

Um fim de tarde eu passeava pelo calçadão de Copacabana como sempre gostei de fazer quando meu celular tocou. Era Bia lembrando a hora do exame pré natal e que fazia questão da minha presença. Respondi que evidente que iria, fazia questão de saber o sexo de nosso filho. Fui até o carro e quando procurei a chave pra abrir a porta não achei. Procurei, procurei e nada até que olhei pelo vidro e vi a chave em cima do banco do carona.

É..fechei o carro com a chave dentro, que idiota.

Soltei um “puta que pariu” e liguei pra um chaveiro. A resposta foi desanimadora, ele iria demorar e eu não podia esperar. Resolvi chamar um taxi. Chamei o taxi na rua e entrei no banco de trás. O telefone tocou  e era Bia reclamando de minha demora, que já estava no médico e perguntando se eu pegara Joana no colégio.

No telefone soltei outro “puta que pariu”. Esqueci minha filha. Bia falava um monte do outro lado da linha e minha paciência chegava perto do fim. Eu só repetia “tá..tá bom..tá bom Bia” com vontade de esganar o pescoço da mulher que tanto amava.

Desliguei o telefone e soltei um suspiro de alívio. Nesse momento uma voz feminina disse “as vezes mulher enche né?”. Foi aí que eu reparei que a taxista era mulher.

Mulher muito bonita por sinal.

Respondi que era verdade, mas que amava minha esposa. A taxista respondeu que isso era bom, só tinha conhecido homens galinhas na vida e nunca encontrara alguém como eu. A viagem prosseguiu e comecei pelo espelhinho do carro a reparar a taxista. Branquinha, cabelos negros, bochehinha linda e sorriso mais lindo ainda..sem falar os seios..que seios..

Mas eu era um novo homem, fiel, não aconteceria nada.

A beleza da taxista me incomodava e comencei a suar. Ela perguntou se estava muito quente atrás e respondi que sim. A taxista pediu desculpas porque o ar estava com defeito e só fucionava bem na frente perguntando se eu queria passar pra lá. Pensei..pensei muito, concluí comigo mesmo que eu era um novo homem, homem fiel e não teria problemas. Topei, ela parou o carro e passei pra frente.

Ela voltou a dirigir, aqueles seios chamavam muito minha atenção e em determinado momento a taxista reclamou do calor e abriu dois botões da blusa dando pra ver o contorno de seus seios e parte do sutiã.

Eu forçava o pensamento no mantra “fiel..fiel..” quando ela perguntou meu nome. Respondi que era Adão e ela rindo disse que era igual o nome do primeiro homem, aquele da maçã e da tentação.Olhei o decote dela novamente, seu olhar no espelho e não atendia mais o telefone que tocava compulsivamente.

Tenso, perguntei qual era seu nome. Ela olhando pro espelho com sorriso safado respondeu..

..ALINE

..ai meu Deus..vai começar tudo de novo!!


 FIM


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