DINASTIA: CAPÍTULO XXXII - DINASTIA (FINAL)


Luciana entrou no quarto e ficou em choque ao ouvir o que a babá gritara. Peguei o telefone com minha mulher surtando e liguei para a polícia.

Rapidamente vários policiais estavam em meu apartamento fazendo perguntas à babá e a imprensa toda na frente do prédio querendo mais detalhes. Fui até a janela, gritei que não tinha nenhuma informação e pedi a cooperação deles para que não atrapalhassem a negociação.

Ficamos o dia todo esperando uma ligação dos seqüestradores e nada, mais um dia a nada também. Cansado me desesperava com a falta de notícias. Tentava acalmar Luciana, mas me culpava e pela primeira vez me perguntei se era certo o que fazia.

No terceiro dia meu telefone tocou e atendi. Eram os seqüestradores. O homem deu vinte e quatro horas para que eu levasse um milhão de reais a um galpão abandonado no centro de Feital. Passou o endereço e contou que se eu não levasse o dinheiro até a noite seguinte meu filho morreria.

Desliguei o telefone, contei a situação e Luciana entrou em desespero. Contei ao delegado que iria pagar. O homem recomendou que era melhor que eu não agisse daquela forma e respondi que era a vida de meu filho em jogo.

Fui ao banco e consegui retirar um milhão da poupança de Bruno. Guardei numa valise e o telefone tocou novamente. Era o sequestrador perguntando se eu arrumara o dinheiro.

Respondi que sim. O homem marcou oito horas da noite comigo no galpão e recomendou que eu fosse sozinho senão mataria Bruno.

Tentei ir sozinho, mas Luciana não deixou respondendo que era seu filho também. Tentei demovê-la da idéia em vão. Estacionamos o carro do lado de fora do balcão e entramos.

O lugar estava vazio, escuro e não encontramos ninguém. Andamos pelo galpão até que ouvimos um choro. Luciana gritou que era Bruno.

O seqüestrador apareceu de mãos dadas com meu filho que chorava. Era o major Motta. Pedi a libertação de Bruno e o homem pediu que eu abrisse a valise e mostrasse o dinheiro. Mostrei e ele soltou a mão de Bruno.

Luciana correu para pegar Bruno e o major apontou a arma para mim dizendo que tínhamos “negócios para tratar”. Pedi que ele deixasse que minha mulher e filho saíssem do lugar e ele autorizou. Luciana chorando disse que não iria e gritei que ela saísse imediatamente dali com Bruno.

Luciana aceitou, me deu um beijo, disse que me amava e saiu. Com os dois fora do galpão Motta ironizou “tão bonitinho o casal de pombinhos se beijando e chorando”. Aproveitei sua distração e lhe dei um soco. A arma voou longe.

Pulei para cima dele e começamos a brigar. Troca de socos, pontapés, rolamos pelo chão. Uma briga muito feia que comecei a levar vantagem. Quando já batia compulsivamente em Motta ele viu uma barra de ferro e me acertou.

Caí no chão e o major correu em direção ao revólver. Corri atrás dele, mas ele alcançou a arma antes, mirou em mim e atirou.

Senti a queimação. Fui atingido na barriga e caí. A dor era muito grande, eu não conseguia me mexer quando Motta se aproximou de mim e mirou na minha cabeça dizendo “não vai doer nada”. Naquele momento pensei em Luciana, Bruno e fechei os olhos.

Ouvi o disparo, mas não senti nada. Quando abri os olhos encontrei Motta caído no chão morto com um tiro na cabeça. Um homem se aproximou de mim com uma arma na mão, era Natanael.

Agradeci ao homem e ele respondeu que “estávamos quites”. Dei um grito de dor e ele pediu que me acalmasse, pois, a polícia já entraria com médicos. Sentia minha respiração fraquejar, minha visão turva e respondi que não aguentaria. Desmaiei.

Acordei em um lugar florido, uma espécie de campo e encontrei um telão gigante. Dizem que quando morremos passa um flashback de nossas vidas, mas ali passou da minha família desde Benito Granata, Antonieta e os filhos na Itália, passando por Salvatore, Pepe, Pepino, Luigi até chegar a mim. A dinastia passou por meus olhos em questão de segundos até que passou o momento do tiro. Depois apareceram as imagens de Luciana e Bruno.

Fiquei nervoso, o telão sumiu e comecei a dar voltas esbravejando que não queria morrer, tinha que voltar e minha família precisava de mim. Lembrei da mãe de santo e gritei “Meu povo não esta feliz ainda!! Eu tenho que voltar!!”.

Naquele momento Pepe surgiu na minha frente e disse “volta”. Perguntei como e meu bisavô se transformou em Xangô que levantou seu machado para o alto e gritou.

Um raio atingiu o machado e naquele instante me sentei na cama do hospital com se passasse por um grande susto. Luciana ajoelhada rezava e chorava ao meu lado e deu um grito feliz ao me ver sentado “Chico!!”.

Vi que estava todo entubado e tirei todos os tubos que me prendiam. Luciana levantou-se e me abraçou enquanto eu dizia que não se livraria tão fácil assim de mim.

Eu ficara uma semana em coma com poucas possibilidades de salvação e grandes que virasse um “vegetal” pro resto da vida, mas me recuperei. Fiquei mais duas semanas internado e quando saí do hospital uma multidão me esperava a sua frente. A imprensa disparava seus flashes para mim enquanto o povo gritava meu nome. Abraçado a Luciana acenei e agradeci o carinho.

Voltei para meu apartamento e ainda me recuperava do tiro. O presidente de meu partido foi me visitar e animado falava de como o povo me amava e que eu tinha que sair candidato a deputado federal nas próximas eleições.

Sorri e comentei com ele que faltava mais de um ano ainda para o pleito e o homem disse que política era assim, não podia se perder tempo. Ele ainda completou “sabe como te vejo? Presidente da República!! Você ainda será presidente do Brasil, escreva o que estou te falando”.

Bebi uma xícara de café rindo do que o homem falou e lembrei do que a mãe de santo dissera “eu só partiria quando meu povo estivesse feliz, quando eu melhorasse sua situação”. Naquele instante pensei “será?”.

Conversamos mais um pouco e o político se despediu. Deu-me um abraço, outro em Luciana e antes de sair comentou “por quê vocês não tiram umas férias? Estão precisando”.

Ele saiu e peguei Bruno no colo. Luciana se aproximou e disse que era boa a ideia dele. Perguntei rindo se era a idéia de ser presidente e ela contou que não, a ideia das férias.

Comentei que já estava muito tempo fora do trabalho e precisava voltar. Luciana respondeu que não, eu ficara internado e não tinha aproveitado. Perguntou quanto tempo eu não tirava férias e respondi que nunca tirei, apenas licença quando fiquei no barracão.

Luciana comentou que suas férias venceram e ela tinha direito a um mês. Perguntei se era isso que ela queria mesmo e minha esposa respondeu que sim. Queria sair um pouco do país, relaxar um pouco.

Concordei e perguntei se queria voltar a Macchu Picchu e ela respondeu que não dando uma ideia “por que não vamos a Nápoles? Quero conhecer a origem de sua família”.

Quando Luciana me disse isso lembrei que nunca estivera na Itália antes. Que vergonha, eu que tinha a Itália no sangue, minha família tinha a Itália como segunda pátria nunca fora até o país.

Luciana riu, concordou que era uma vergonha e dessa forma falei “Vamos para a Itália”.

Quase cento e quinze anos depois fiz o caminho inverso de Benito Granata. Saí do Brasil e fui para a Itália. Nossa viagem foi muito mais confortável. Um avião moderno com poltronas na primeira classe onde Bruno se deliciava vendo as nuvens e o azul do céu.

Eu nunca fui muito fã de aviões e evitava olhar pela janela com medo. Luciana notou as caretas que eu fazia e perguntou qual era o problema. Para não dar o braço a torcer respondi que a hérnia doía. Luciana pegou uma revista para ler e mandou que eu tomasse logo vergonha na cara e procurasse um médico.

Preferia que ela pensasse que eu tinha medo de médico que de avião.

Chegamos a Nápoles, com certeza uma Nápoles bem diferente da que a família Granata deixou no fim do século XIX. Nápoles se modernizou, era uma cidade do século XXI, mas mesmo assim parecia que eu conseguia ver a Nápoles do jovem Salvatore Granata. Parecia que via as ruas da época e Salvatore andando de bicicleta por elas.

Hospedamo-nos em um bom hotel e no dia seguinte Luciana dava café para Bruno quando comentei com ela que no diário de Salvatore tinha o endereço que moraram. Luciana se entusiasmou e pediu que fôssemos até lá. Perguntei se ela achava que a casa da família ainda existia e minha esposa respondeu que só saberíamos indo até lá.

Pegamos o carro que alugamos e fomos ao local. Era uma parte mais pobre de Nápoles, as crianças brincavam nas ruas, andavam de bicicleta e eu me emocionava.

Parei em frente a casa e vi que ela ainda existia. Foi a vez de Luciana se emocionar e pedir para descermos. Em pé olhando a casa pensei na minha família enquanto Luciana tirava fotos. Tomei coragem e decidi tocar a campainha.

Um homem idoso atendeu e gastando meu italiano contei que minha família morara naquele local há mais de cem anos, eu era brasileiro, viajei até lá só para conhecer minhas raízes e pedi permissão para entrar. Uma senhora saiu de dentro da casa e sorrindo mandou que entrássemos.

Eu, Luciana e Bruno entramos e a emoção tomava conta de mim. Passamos por cada cômodo e eu sentia as presenças de Benito, Antonieta, Salvatore, Rita e seus irmãos. Evidente que com o tempo a casa foi reformada, mas era a nossa casa, onde nasceu a família Granata.

A senhora nos convidou para tomar café e sentamos com o casal. Enquanto tomava o café e comia broa de milho imaginei as refeições dos Granata naquele local e a reação de meu trisavô quando seu pai chegou com o folheto falando em Brasil. Sorri e pensei “acho que ele nunca imaginou que daria tão certo”.


Enquanto Luciana conversava com o casal olhei a janela e vi o morro. Era o morro que Salvatore costumava ir de bicicleta e fez amor com Dora pela primeira vez. Contei a Luciana que não resistiria e tinha que ir até aquele morro.

Saí da casa e encontrei um garoto com uma bicicleta. Pedi a mesma emprestada para ele e prometi que rapidamente devolveria. O garoto desconfiou e entreguei a chave do carro dizendo que se não voltasse poderia ficar pra ele.

Peguei a bicicleta e andei pelas ruas de Nápoles sentindo o frescor do vento em meu rosto. Lembrava Salvatore Granata, andava como ele. Subi o morro como ele.

Larguei a bicicleta e caminhei pelo morro naquele pôr de Sol.

Andei firme, olhando para frente e quando olhei para o lado notei que Pepe Granata estava ali. Sorri e continuei andando. De repente os cinco Granata andavam lado a lado. Salvatore Granata, Pepe Granata, Pepino Granata, Luigi Granata e eu, Chico Granata.

Os cinco andando juntos.

Sentei e observei o pôr do Sol e a Lua surgindo como Salvatore fez muitas vezes. Olhei para os lados e encontrei os quatro sentados também olhando e admirando a Lua como a família sempre fez.

De repente senti alguém se aproximar. Era Luciana de mãos dadas com Bruno.

Ela sentou-se ao meu lado e colocou a cabeça em meu ombro. Meu filho veio para meu colo e apontou para o céu dizendo “a Lua”.

Olhamos para a Lua e comentei com Bruno.

“Essa é a Lua de Nápoles meu filho, a Lua mais bonita que existe”.

Eu não sabia. Assim como Salvatore, Pepe, Pepino e Luigi que a Lua de Nápoles não ficou lá. Migrou e nos seguiu por todo esse tempo.


Mérica Mérica (tradução)


Da Itália nós partimos,

Partimos com a nossa honra

Trinta e seis dias de carro e navio

E na América chegamos



América, América, América,

Que coisa será esta América?

América, América, América,

É um lindo ramalhete de flores.

Que coisa será esta América?

É um lindo ramalhete de flores.



Na América nós chegamos

Não encontramos nem palha e nem feno

Dormimos sobre o duro terreno

Como os animais, repousamos.



América, América, América,

Que coisa será esta América?

América, América, América,

É um lindo ramalhete de flores.

Que coisa será esta América?

É um lindo ramalhete de flores.



A América é longa e larga

É formada de montes e planícies.

E com o esforço dos nossos italianos

Construímos vilas e cidades.





A todos nos toco emigrar alguna vez....todo se regresa







FINITO



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DINASTIA (1º PARTE)

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