DINASTIA: CAPÍTULO X - REVOLUÇÃO




Voltaram para São Paulo e Salvatore montou um novo negócio. Uma loja que vendia de tudo. Fogões, geladeiras, móveis. O negócio começou muito bem, fazendo sucesso.

São Paulo vivia o começo dos anos trinta. Pepe chegava à maioridade.

Salvatore crescia nos negócios e acabou sendo chamado para fazer política. Participava de reuniões, fez planos, queria ser deputado.

Nessa mesma época a política brasileira entrou em ebulição.

Em 1930 uma revolução impediu que o presidente do estado de São Paulo Júlio Prestes assumisse a presidência da República e derrubou do poder o então presidente Washington Luís dando fim à “República velha”.

Era a época da “política do café com leite”, essa política criada pelo presidente da República Campos Sales fez se alternar no comando do país políticos de São Paulo e Minas Gerais. Os estados mais ricos e populosos da União. 

Pelo revezamento o presidente em 1930 deveria ser mineiro. Mas Washington Luís em julho de 1929 depois de fazer consulta aos 20 presidentes de estados recebeu apoio de 17 para a candidatura de Júlio Prestes.

Com isso Minas Gerais rompeu com São Paulo, se aliou à bancada gaúcha e esses lançaram o nome de Getúlio Vargas.

Júlio Prestes venceu a eleição, mas não tomou posse. Em julho de 1930 o candidato a vice-presidente da chapa de Getúlio Vargas, João Pessoa, foi assassinado e esse crime foi utilizado como estopim de um movimento.

Os revolucionários conseguiram tomar o poder e Getúlio Vargas tornou-se presidente.

Instalou uma ditadura no país, suspendeu a constituição e nomeou interventores em todos os estados. Dissolveu o congresso nacional, estaduais e municipais.
 
Isso foi um grande golpe para São Paulo que passava a ser comandado por interventores de outros estados, um golpe em seu orgulho.

Começou um burburinho por todo o estado contra o governo federal. Naquele instante aquilo não afetava Pepe que vivia seu caso com Constância longe dos olhares dos outros e Oscar que também vivia o despertar de sua maturidade. Giuliana, a caçula fora enviada para um convento.

E a loja dos Granata ia bem a ponto de Salvatore conseguir comprar um automóvel, artigo de luxo para a época.   

Mas Salvatore estava cada vez mais engajado politicamente e todas as manhãs, na hora do café, esmurrava a mesa quando lia as notícias. Naquela época Pepe conseguira um emprego no jornal “Folha de São Paulo”, mas o jornal foi destruído.

Salvatore participava de reuniões semanais com outros comerciantes, empresários e artistas. A insatisfação aumentava cada vez mais e já se falava em pegar em armas.

Uma noite Salvatore não voltou para casa. A preocupação foi grande na casa dos Granata com Pepe e Oscar revirando a cidade atrás do pai. Salvatore apareceu apenas de manhã com aspecto cansado e dizendo que fora levado para interrogatório.

Pepe naquele momento despertava de sua vida feliz de juventude e via que algo sério ocorria.

Dora e Antonieta pediam a Salvatore que parasse com a política e apenas cuidasse do comércio, mas Salvatore se recusava alegando que São Paulo que recebera a família de braços abertos trinta anos antes, era o seu chão e não permitiria que violassem sua terra. Pepe ouviu as palavras do pai e disse que estava com ele na defesa do estado.

No aniversário da cidade em 1932 ocorreu um mega comício na região da Sé em defesa de São Paulo com a presença da família Granata.

Vários outros comícios aconteceram e Pepe preocupado alertava seu irmão Oscar do que estava por ocorrer. O irmão respondeu que não deixariam seu pai sozinho.

Os paulistas reclamavam e pediam o fim do “governo provisório”, pediam respeito a São Paulo que era tratada como “terra conquistada”.

Em 23 de maio de 1932 cinco jovens foram mortos no centro de São Paulo por partidários da ditadura pertencentes a “Legião Revolucionária”. O povo soube do ocorrido e saiu às ruas provocando grandes comícios e passeatas. No meio do tumulto invadiram a sede da “Legião Revolucionária” e foram recebidos a balas.

Em 9 de julho eclodiu o movimento revolucionário. Quando o levante se iniciou uma multidão novamente saiu às ruas apoiando e tropas paulistas foram mandadas para os fronts em todo o estado.

Foram abertos alistamentos de civis para o confronto e Salvatore comunicou à família que se alistaria. Dora implorou para que ele não fizesse e mais uma vez Salvatore respondeu que devia isso a São Paulo. O homem partiu e por um bom tempo a família ficou sem notícias suas.

Um dia Pepe acordou Oscar contando que o pai estava na região do “Vale do Paraíba”, região entre São Paulo e o Rio de Janeiro. Oscar espantado perguntou como o irmão sabia disso e ele respondeu que soube por amigos do pai.

Oscar perguntou o que eles deviam fazer e Pepe respondeu que iria atrás do pai. Oscar comentou que era loucura e o irmão poderia morrer. Pepe respondeu que não poderia deixar o pai sozinho nessa missão.

Oscar concordou e respondeu que iria com ele. Pepe pediu que ele ficasse e tomasse conta da família, mas Oscar se recusou e exigiu ser levado junto.

Pepe deixou uma carta, mais uma, para a família e partiu com o irmão. Alistaram-se e prosseguiram para o Vale do Paraíba.

Dora leu a carta aos prantos e Antonieta se perguntava o que ocorria com os homens daquela família. Constância ouvia a tudo e respondeu “são homens de fibra”.

Dora limpou as lágrimas e contou que tomaria conta da loja enquanto eles estivessem na guerra.

Os planos paulistas previam um rápido e fulminante movimento ao Rio de Janeiro, capital federal. O movimento começaria pelo “Vale do Paraíba”, a ideia era começar tomando a cidade fluminense de Resende.

Com essa esperança de vitória Pepe e Oscar chegaram ao Vale do Paraíba.

O local que comporta a região que é parte inicial da bacia hidrográfica do rio Paraíba do Sul abrange parte do leste do Estado de São Paulo e sul do Estado do Rio de Janeiro. Lugar de reservas naturais importantes contém algumas das montanhas mais altas do Brasil e é reduto de Mata Atlântica.

Não conseguiam encontrar o pai, nunca pegaram em armas na vida, tudo foi dificuldade para Pepe e Oscar. As forças do governo eram mais fortes, com mais combatentes e armas mais poderosas.

Mas encontraram também gente disposta a ajudar.

Em uma noite cansados, com fome e sede Oscar viu uma pequena casa com uma lavoura e chamou o irmão. Pepe respondeu que não era uma boa bater na casa, pois, poderiam pensar que eram inimigos. Oscar respondeu que custava nada tentar.

Oscar bateu palmas gritando “ô de casa!!”. Ninguém atendeu, tentou mais um pouco e nada.  

Pepe comentou com o irmão que era melhor desistir quando uma menina de olhar assustado, mais ou menos seis anos de idade apareceu na porta.

Oscar gritou que a menina não precisava se assustar, eles só queriam um pouco de comida e água. Naquele instante apareceu um senhor, aspecto cansado, enrugado, cabelo branco, um chapéu e bengala perguntando o que queriam.

Pepe ratificou o que o irmão disse e gritou que eram soldados paulistas e precisavam de comida e água. O homem pensou um pouco e mandou que entrassem. Pepe abriu o portãozinho que protegia a casa e foram em direção a porta.  

O homem se apresentou como Viriato Virgínio e era um pequeno agricultor da cidade de Cunha. Mandou que entrassem e contou que eram bem vindos.

Pepe e Oscar sentaram-se em cadeiras velhas. O calor era intenso e os dois irmãos apresentavam aspecto extenuado. A menina que apareceu na porta reapareceu na frente deles e Pepe perguntou seu nome. Ela olhou firme para o rapaz e não respondeu.

Viriato ressurgiu e contou que a menina não era de falar muito, principalmente com estranhos e Pepe sorriu para a menina dizendo que ela estava certa e iria se apresentar. Estendeu a mão e contou que se chamava Pepe Granata.

A menina sorriu e perguntou se ele era italiano. Pepe respondeu que não, seu pai era, mas ele era brasileiro e paulista como ela.

Naquele instante uma moça apareceu de dentro da casa com olhar desconfiado assim como a menina. Viriato mandou que ela relaxasse que eram boas pessoas, seus defensores.

Viriato contou aos irmãos que a mais velha se chamava Dulce e a mais nova Mariana e elas aprenderam com a mãe a serem desconfiadas. Oscar perguntou onde estava a mãe delas e o homem contou que morrera.

Oscar respondeu que sentia muito e Viriato sorrindo comentou que não precisava, já fazia muito tempo e feliz gritou para a filha mais velha colocar mais dois pratos na mesa.

Depois disse aos irmãos que eles nunca recebiam visitas e era uma honra receber dois soldados de São Paulo.

Sentaram pra comer e Viriato animado contou da vida deles. Tinha um pequeno pedaço de terra onde cultivava feijão, arroz e assim quase todo seu alimento vinha dali. Viajava às vezes e vendia alguns de seus produtos, dessa forma sobreviviam.

Pepe contou a saga dos Granata. De seu avô Benito Granata que era comerciante na Itália e para fugir da miséria viajou com a esposa e filhos ao Brasil. Contou tudo o que ocorreu na vida do avô e do pai e que o pai naquele momento estava na região, mas não conseguia encontrá-lo.

Mostrou uma foto de Salvatore para Viriato e perguntou se vira o pai por lá. O homem olhou bem e respondeu que não. Pepe contou que estava preocupado por não ter nenhuma notícia do italiano e Viriato mandou que não se preocupasse, pois, Deus sabia o que fazia.

Oscar interrompeu a conversa dos dois para dizer que a comida era deliciosa e há muito tempo não comia nada tão gostoso. Dulce sorriu e Viriato completou que a filha que fizera a comida.

Oscar brincou que a moça já podia casar e Viriato de bate pronto perguntou se ele não queria casar com sua filha. Faria muito gosto. Envergonhada Dulce apenas disse “papai!!” e Oscar sorriu.

Viriato convidou os dois para dormirem na casa e virou a noite conversando com Pepe na sala. No lado de fora Oscar, que pegara a mania do pai, olhava a Lua junto com Dulce.

Os dois, tímidos, ficaram um bom tempo em silêncio até que Oscar perguntou se era verdade que daria sua mão a ele. Dulce apenas sorriu e disse que só ele poderia confirmar.

Ficaram mais um tempo em silêncio e perguntou a moça se ele podia pedir sua mão em casamento ao pai. Dulce sorriu e ficou um tempo em silêncio. Oscar, nervoso, pediu que ela respondesse, pois, seu coração estava acelerado.

Ela sorriu e respondeu que sim, ele podia. Oscar deu um largo sorriso que parceria iluminar a noite e pegou na mão da moça. Os dois de mãos dadas olhando a Lua.

Entraram um tempo depois e Oscar contou que tinha uma pergunta a fazer ao dono da casa. Pepe assustado perguntou o que o irmão aprontara e Oscar encheu-se de coragem e pediu a mão de Dulce em casamento.

Pepe colocou a mão na cabeça com a ousadia do irmão e Viriato olhou um tempo em silêncio. Dulce nervosa pediu uma resposta ao pai e o homem sorrindo respondeu que iria abrir um vinho para comemorar.

Na manhã seguinte Pepe e Oscar voltaram ao front. Oscar deu um beijo na testa de Dulce prometendo voltar. Despediram-se e voltaram para a realidade.

Os paulistas chegaram a bombardear a cidade de Resende, mas com a falta de apoio de Minas Gerais em vez de atacarem tiveram que se defender.

Os combates mais importantes ocorreram no Túnel da Mantiqueira que divide São Paulo e Minas Gerais e era considerado um lugar estratégico de grande importância.

O terreno acidentado do Vale do Paraíba paulista e a existência de diversas cidades levaram a um combate encarniçado entre as tropas. Porém a superioridade de tropas e armamentos das forças de Getúlio Vargas levou a ocupação de diversas dessas cidades e ao recuo das tropas paulistas em direção à capital no final do conflito.

A guerra era perdida.

Com a tropa desmantelada era hora de Pepe e Oscar voltarem para casa sem conseguir cumprir o principal papel da missão, achar o pai. Antes de voltarem a São Paulo Oscar lembrou-se da promessa, iria casar com Dulce.

Voltaram a Cunha e Oscar bateu palmas chamando pelas pessoas da casa. Pepe notou que havia algo errado. O portão estava quebrado. Achou melhor entrarem.

Entraram e encontraram as plantações destruídas. Oscar notou a porta arrebentada e entraram. Os irmãos chamavam por Viriato, Dulce e Mariana e ninguém respondia. Um silêncio ensurdecedor.

Pepe viu manchas de sangue pela casa e Oscar começou a se desesperar. Gritava pela noiva quando ouviu um choro.

Gritou perguntando quem estava chorando e notou que vinha do quarto. Abriu a porta e olhou debaixo da cama. Era Mariana.

O rapaz contou que estava tudo bem e pediu que a menina saísse. Ela saiu e deu um abraço em Oscar com o choro ficando ainda mais forte.

Pepe deu um copo de água para a menina e perguntou o que acontecera.

As tropas do governo foram até a casa procurando por integrantes da tropa paulista, receberam a denúncia que alguns tiveram por lá. Bateram na porta de Viriato perguntando onde estavam os paulistas e o homem recusou-se a responder.

Estupraram Dulce na frente de Viriato que não disse uma palavra. Depois mandaram o homem cavar. Viriato foi obrigado a cavar sua própria sepultura e ao terminar gritou.

“Morro, mas São Paulo vence”.

Tomou um tiro na cabeça e foi enterrado no local. Dulce foi levada pelos soldados e nunca mais foi vista.

A menina contou toda a história e se abraçou a Oscar chorando copiosamente. Oscar e Pepe também tinham lágrimas nos olhos. O mais novo tentava consolar Mariana abraçado enquanto Pepe olhava pela janela, para o nada.

Pepe virou-se para Mariana e perguntou se ela tinha família além do pai e da irmã. A menina respondeu que não então ele perguntou se ela queria ir pra São Paulo com eles.

Mariana limpando as lágrimas respondeu que sim. Pepe mandou que ela pegasse suas coisas e se apressassem para irem embora. Quanto mais rápido fossem embora melhor.

A menina pegou e eles saíram da casa. Oscar viu um amontoado de terra e apontou para Pepe, era o local que Viriato foi enterrado. Os dois fizeram o sinal da cruz e partiram.

Pepe e Oscar não encontraram o pai, mas conheceram a guerra.

Viram o quanto ela é cruel, sangrenta, covarde e dolorosa e se a guerra por si só é tudo isso o que dizer de uma guerra entre irmãos? Em que matam pessoas com o mesmo sangue?

Getúlio Vargas venceu, mas os paulistas e os brasileiros em geral voltaram a ter o direito de votar. Ocorreu um processo de redemocratização e em 3 de maio de 1933 ocorreu eleição para a Assembleia Constituinte quando as mulheres pela primeira vez tiveram direito a voto.

Um civil paulista foi nomeado interventor de São Paulo, o governo federal fez as pazes com o estado e Getúlio Vargas participou pessoalmente da inauguração da Avenida 9 de julho em 1938.

A revolução constitucionalista se transformou em um grande
orgulho para São Paulo.

E um doloroso caminho de volta para Pepe, Oscar e Mariana.

CAPÍTULO ANTERIOR:

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

30 ANOS

CAPÍTULO 48

2023