CONTO INÉDITO: ESSE JOGO NÃO É 7X1




Era tempo de decisão no morro do Lagarto Albino, sim aquele, mais uma vez seria decidido o título do Lagartão, o maior título de futebol de favelas do Rio de janeiro. 

Dois grandes times e de muita tradição na comunidade chegaram naquela final. De um lado o Real Chucrute. Time voluntarioso, de força, técnica e excelente sistema tático que destroçava seus adversários sem dó nem piedade como frangos de padaria.  

Do outro lado o Canarinhos da Vila Mosquito. Time de um local mais humilde da comunidade, com esgoto aberto, meninos com verminose, focos de dengue, mas que tinha tradição em revelar talentos.

Coisa que não vinha acontecendo nos últimos tempos. O Canarinhos parou de revelar talentos e isso vinha causando problemas. Tempo que não chegava ao final do Lagartão e dessa vez as pelejas foram disputadas em seu campo.

Era obrigação chegar, pela moral e pela honra. O Canarinhos chamou de volta seu técnico de glórias passadas, o Bigode de Mãe para voltar a treinar o escrete vilamosquetense e confiava em seu artilheiro, o moleque sagaz Zezinho Leproso, para voltar aos tempos de glórias.

O time foi avançando na competição aos trancos e barrancos graças a genialidade de Zezinho que carregava a equipe nas costas.

Conseguiu uma classificação heroica para a final depois de tomar 27 bolas na trave. Mas ocorreu uma tragédia que abalou a moral do time. 

Zezinho Leproso não jogaria a final por ter sido preso vendendo tele-sena falsa.

Era uma tragédia, uma desgraça, uma hecatombe. As chances já eram poucas com time completo enfrentando o fortíssimo Real Chucrute, imaginem sem Zezinho Leproso? As chances cairiam drasticamente.

A semana foi tensa em todo Lagarto Albino. Enquanto o Real Chucrute aproveitava para se divertir passeando, ouvindo funk e fazendo arrastão na Central do Brasil o Canarinhos era todo mistério para escolher o substituto de Zezinho.

Muito se especulou até o dia da grande final.

O Real Chucrute entrou lá com todos os seus craques, pronto para ser campeão enquanto Bigode de Mãe surpreendeu colocando o menino Juninho Gangrena no lugar de Zezinho. Ninguém esperava a escalação daquele menino manco das duas pernas, mas Bigode dizia que ele estava preparado para brilhar.    

Os times perfilaram, o hino nacional foi cantado e o juiz autorizou o começo da partida.

O Canarinhos até começou bem partindo para o ataque e dando o primeiro chute a gol. A torcida se inflamou e começou a gritar “eu sou Vila Mosquito, com muito orgulho, com muito amor”.

Mas o Real, time copeiro e peleador, foi tocando a bola de pé em pé até chegar ao ataque e arrumar um escanteio. No escanteio a zaga vilamosquetense deu mole e saiu o gol do Real Chucrute.  

A torcida ficou cinco segundos em silêncio, mas voltou a cantar até que alguns minutos depois saiu o segundo..

..e o terceiro, o quarto, o quinto. Quando deram por conta o Real Chucrute já vencia por 5x0. Todos assistiam ao massacre aterrorizados enquanto Bigode de Mãe apenas assistia seu time ser dizimado.

Por sorte ou piedade do adversário o jogo foi no 5x0 até o intervalo.

No intervalo era um desespero o vestiário do Canarinhos. Ninguém se entendia, todos discutiam e a porrada quase cantava enquanto Bigode assistia a tudo em silêncio. Seu auxiliar Quico do Chaves perguntou se ele não faria nada e finalmente o professor pediu a palavra.

Todos pararam  para escutar e o treinador disse:

“Guris, tem café pronto no bule e uns biscoitinhos ao lado. Aproveitem o intervalo pra se alimentarem”.

Todos olharam sem entender e ele completou “Depois passem aqui que tenho uma coisinha para entregar pra vocês”.     

A peleja se iniciou para o segundo tempo e Bigode permanecia tranquilo sentado vendo seu time tomar um vareio de bola. O Real Chucrute mostrava piedade, mas os reservas não. Algumas substituições ocorreram e assim os chucrutenses chegaram ao sexto gol.

E pela lógica matemática depois do sexto no sétimo.

Aí ocorreu uma coisa estranha. Depois do sétimo gol os jogadores do Canarinhos, todos, abraçaram os jogadores do Real Chucrute. Ninguém entendeu nada até que um torcedor começou a aplaudir.

Outro também aplaudiu e um a um todos foram aplaudindo até que os aplausos tomaram conta de todos em um gesto comovente. O maior ato de fair play já visto por aqueles campos. Um time tomar de 7x0 e mesmo assim abraçar seu adversário.  

O gesto foi tão bacana, tão nobre que o Real Chucrute não deu mais um chute a gol. O Canarinhos foi se empolgando, empolgando até que Juninho gangrena fez um gol diminuindo o massacre para 7x1.

O gol foi muito comemorado. Juninho dedicou ao treinador que confiara nele e Bigode de Mãe, sentado no banco, respondeu “Nem precisava desse gol”.

Eram 43 minutos do segundo tempo e Quico não entendeu o porque do treinador dizer aquilo. Logo entendeu.

O caveirão do BOPE apareceu na favela e parou no meio do campo interrompendo a peleja. O juiz se aproximou perguntando o que ocorria e o Capitão respondeu “temos denúncia que ta rolando drogas nesse local”. O juiz disse que era impossível, mas o BOPE resolveu revistar todo mundo.

Revistou o time do Canarinhos e nada encontrou. Revistou o Real Chucrute e dentro de seus shorts encontrou cocaína, heroína, crack, todos os times de drogas em sacolés.

O capitão deu voz de prisão a todo o time do Real Chucrute. Os jogadores foram algemados e colocados nas patamos que acompanhavam o caveirão enquanto o juiz perguntava o que fazer com o jogo.

O capitão respondeu “Continue com um time só”.

O juiz olhou para o time do Canarinhos solitário em campo e sem alternativas  disse ‘Ok, W.O.”. Deu a partida por encerrada com a vitória do Canarinhos mesmo perdendo por 7x1.

Uma grande festa tomou conta do time e da torcida de camisa amarela que voltava a ser campeão depois de tanto tempo. Jogadores eram lançados ao alto, fogos explodiam no céu assim como balas de AR-15 e num canto Bigode de Mãe assistia a tudo com um sorriso no rosto e triunfante.

Sua tática de passar a droga pros jogadores do Real Chucrute na hora do abraço dera certo.

Voa canarinho, voa.  


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