FLORES PARA VOVÓ
Semana
passada navegava pela internet e a Hellen, minha namorada me chamou no Facebook
dizendo “Ta chegando o dia internacional da mulher”.
Pensei
“La vem mimimi” e aí ela me surpreendeu “Vamos mandar flores pra vovó?”.
Fiquei
surpreso, mas não devia porque a Hellen sempre foi carinhosa com os meus. Mas
me surpreendi porque ela nem conhece minha avó para ter um gesto desses de
carinho. Não levei a sério de princípio até que vi que era pra valer e
perguntei “É sério?”.
Tendo
a confirmação que era ela me contou que tinha desconto em um site de flores on
line, mandou foto das flores, lindas por sinal e pediu o endereço. Ela mora em
Curitiba. Passei e depois me pediu uma declaração para o cartão.
Aí
veio o problema.
Não
que eu escreva mal. Não sou nenhum primor, mas até que me viro, mas tem certas
horas que da dificuldade.
Já
escrevi sobre minha avó aqui e contei um pouco de suas características. Dona
Lieida, sim o nome dela é diferente, é
matriarca da família, a mulher que praticamente sozinha criou quatro
crianças e tentava manter um casamento.
Uma
pessoa que nasceu nos anos 30 do século passado e cresceu longe da mãe. Boa
parte da juventude em um colégio interno, depois fez curso normal, virou
professora, grande profissão e status na época e casou com um cara que queria
ser artista, mas foi obrigado a ser militar. Um cara que na hora do casamento não
queria mais casar e foi obrigado pela mãe a subir ao altar.
Dessa
forma foi o casamento. Um homem que não teve a chance de ser o que queria e uma
menina que foi obrigada a virar mulher e ser esposa, mãe e profissional. Foram
casados até os anos 70, até a época de meu nascimento.
Separaram-se
com minha avó ainda apaixonada. Mesmo sofrendo pelo fim do casamento com o
homem de sua vida minha avó desabrochou. Tornou-se mulher independente,
namorou, viajou pelo mundo, deu aula, tomou pileques, também tomou banho de
cultura e no auge de seus 40, 50 anos mostrou a todos a mulher esplendorosa que
era.
Linda,
sempre cheirosa, bem vestida, elegante, muito vaidosa a ponto de não me deixar
chamar de avó era também geniosa e metia medo. Figura imponente, matriarcal,
capaz de ferir de morte em palavras ditas ou escritas. Todos se apavoravam
quando recebiam carta dela, quase todos abaixavam a cabeça e fugiam do
confronto com ela.
Mas
um não fugia disso.
Eu.
Tenho
personalidade parecida com a dela. Me considero um cara bacana, amigo, gosto de
me divertir, das coisas boas da vida assim como ela. Mas também tenho
personalidade forte, sou genioso, bato de frente sem abaixar a cabeça. Não tive
que aprender a me defender em colégio interno, mas tive no colégio da vida.
Sempre fui gordo e tímido e se eu não aprendesse a me defender e atacar seria
engolido pelo mundo.
Nasci
sob o mesmo signo que ela, nasci no mesmo dia que ela, 9 de agosto. Peguei dela
a personalidade e também o gosto pela arte. Ao mesmo tempo que brigávamos,
saíam faíscas, ofensas, muitas vezes eu como leão defendendo dela minha mãe que
era frágil dentro de sua imensa força como ser humano evoluído que era também
éramos parceiros.
Ela
me levava para cinemas, teatros, me dava livros. Boa parte dos artistas que
ouço que ninguém da minha idade ouve devo a ela que quase todos os dias
acordava a gente e também a vizinhança com Cauby Peixoto, Ângela Maria, Júlio
Iglesias, Agnaldo Timóteo entre outros na vitrola.
Pessoa
alegre, cheia de vida, apaixonada e apaixonante, junto com minha querida e
saudosa mãe e querida e recém chegada Ana Beatriz as mulheres da minha vida.
Pessoa que viu essa alegria desaparecer em duas crises de depressão. A primeira
em 1989 quando finalmente saiu o divórcio com meu avô.
A
segunda em 1999 com a morte dele e infelizmente a certeza que nunca mais
voltariam a ser um casal. Não os conheci como marido e mulher, mas para mim
fica a lembrança deles dançando no casamento de minha tia Rosanne.
Não
sou velho ainda, tenho 37 anos, mas a gente sabe que está envelhecendo quando a
saudade além de trazer boas lembranças faz doer.
Ela
nunca se recuperou dessa depressão. Seis anos depois perdeu a filha, minha mãe.
Talvez a pessoa com a qual teve a relação mais conturbada e mais próxima. Ela
já estava em um estágio que até hoje não sei o quanto essa morte lhe afetou. A
mim muito.
Nós
três éramos como um triângulo, ficamos assim por 28 anos. A morte de minha mãe
e a doença de minha avó fazendo com que ela precisasse de cuidados e se
afastasse fizeram com que o triângulo virasse um ponto apenas numa imensidão de
vazio e saudade. Eu.
Ano
passado ela fez 80 anos. No dia que eu fiz 37 e que o Gabriel, meu segundo
filho nasceu. Dona Lieida envelheceu, como toda pessoa de sorte um dia
envelhecerá e espero que ela tenha noção da grande e bem sucedida vida que teve
e tem porque não está morta.
Não
deve ser fácil chegar aos 81 anos numa casa de repouso, espero sinceramente que
em seu íntimo ela não se sinta triste com isso. Nos falamos com uma boa
frequência e pelo menos em sua voz não parece. Teve uma grande vida, uma
trajetória invejável e se está la hoje, ironicamente local que acaba lembrando
colégio interno pode ter sido, como médicos já falaram, preço da vida intensa
que teve.
Se
foi mesmo o preço da vida tão intensa, tão forte, com tantas coisas
maravilhosas eu quero um dia pagar esse preço também porque se alguém soube
viver esse alguém foi dona Lieida Quintanilha de Castro Villar.
Prometi
a ela que contrataria o Cauby Peixoto para cantar em seu aniversário de 100
anos, mas estou preocupado. Não sei se chega ate lá.
Falo
do Cauby claro.
Porque
minha avó é eterna!! Minha avó é foda!!
E
agora? O que escrever para ela e mandar no cartão junto com as flores? To sem inspiração nenhuma. Como às vezes é
complicado escrever.
Que
nada. Não existe coisa mais bonita que a simplicidade. O cartão está escrito,
entregue e quando ela abriu estava escrito assim:
“Vó,
te amo”.
Obrigado
Hellen.
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Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirObrigado pelo carinho e cuidado com alguém que vc nem conhece ainda, essa é uma das coisas que te faz especial, bjss
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