FINAL DE CAMPEONATO
*Conto publicado na coluna "O buraco da fechadura" do blog Ouro de Tolo em 4/5/2013
Brasileiro apaixonado por futebol coloca o velho esporte
bretão entre as coisas mais importantes de sua existência. Uma vez disseram que
o futebol era a coisa mais importante entre as coisas menos importantes e é
verdade.
A pessoa troca de cidade, de mulher, de profissão, de
casa, até de sexo, mas não troca de clube. O cidadão que troca de time é
chamado de “vira casaca” e é considerado um paria, um pulha e caindo para a
pior escala da sociedade junto a estupradores, assassinos e políticos.
Filomeno não tinha risco nenhum de cair para essa classe.
Torcedor fanático do Flamengo ele sabia de cor e salteado até a escalação do
time que venceu em 1912 o Mangueira na primeira partida oficial do clube.
Tinha mais de trezentas camisas do clube, canecas,
chaveiros, cobertas, travesseiros, era tudo do Flamengo. Chorava nas vitórias,
nas derrotas, até nos empates. Filomeno era aquilo que chamamos de fanático.
Freqüentador de escolas de samba Filomeno conheceu a negra
deliciosa Jussara em um ensaio da Portela. Na mesma noite se atracavam na cama
do motel “Babalu” e em alguns meses subiram ao altar.
Para azar de Filomeno o casamento foi marcado para o dia
de um jogo decisivo entre Flamengo e Vasco e o homem desesperado não sabia o
que fazer. Tentou adiar, a mulher não deixou e não se fez de rogado. Pegou seu
radinho de pilha, colocou por dentro de terno e pôs fones no ouvido.
Subiu ao altar e ficou lá esperando Jussara ouvindo o
jogo. A mulher foi conduzida ao altar e Filomeno a seu lado ouvia
o que o padre dizia tenso porque o jogo estava difícil.
A hora que o padre perguntou se Filomeno aceitava Jussara
foi justamente o momento em que saiu um gol do Vasco. Filomeno não se conteve e
soltou um “merda” bem alto que todos os convidados ouviram.
Todo mundo parou para olhar Filomeno que se tocou do que
fizera. Jussara assustada tirou os fones de ouvido de Filomeno, jogou o buquê
em cima dele e saiu correndo da igreja. Filomeno desesperado foi atrás e
conseguiu com muito custo convencer a mulher a voltar para a igreja.
Jussara voltou e Filomeno com o rádio desligado se desesperava
tentando imaginar como estava a partida enquanto a cerimônia de casamento era
concluída.
Na festa o pobre homem descobriu que o Flamengo perdera e
enquanto todos festejavam e se fartavam no casório Filomeno era só tristeza.
Apesar desses tropeços de início de casamento e do
fanatismo de Filomeno a vida do casal no início até que foi boa. Eram noites de
muito chamego, iam juntos aos ensaios da Portela, desfilavam na Marquês de
Sapucaí e Filomeno até conseguiu arrastar a mulher a jogos no Maracanã. Tiveram
filhos, conseguiram comprar uma casa e dentro do possível eram um casal normal.
Mas o fanatismo de Filomeno era demais. Não foram poucas
as vezes que se atrasou em buscar os filhos na escola porque ficou na frente de
alguma tv, deixou de comparecer a um aniversário do filho mais velho porque foi
a um estádio ver o time jogar contra o Bonsucesso e o pior, começava a deixar a
mulher de lado por causa de futebol.
E Jussara como eu disse antes era linda. A mulher estava
na flor da idade e sentia falta do comparecimento do marido. Ela estava com os
hormônios a flor da pele, subindo pelas paredes.
É amigo, tem aquelas máximas “água morro abaixo, fogo
morro acima, mulher quando quer dar ninguém segura “ e “mulher quando quer
trair você tranca dentro do armário e ela lhe trai com o cabide” e foi assim
que ocorreu com o Filomeno. De tanto cometer negligência apareceram outros que
deram assistência.
Primeiro foi um vizinho, depois o dono da mercearia, o
rapaz da quitanda, o vendedor de gás e o cobrador do Gatonet. Formou-se uma
fila na porta da dadivosa mulher e o pobre otário corno só queria saber de
Flamengo. Enquanto ele vibrava com os gols do mengão sua defesa era vazada.
A fama de corno de Filomeno se espalhou como mosquito da
dengue no verão, mas o homem era tão obcecado com futebol que nem percebia as
piadinhas em sua volta.
E cada vez mais tinha homens de olho em sua mulher.
Ribamar não era diferente. Companheiro de Maracanã de Filomeno, mas não tão
fanático, fez boa amizade com o homem a ponto de ser convidado para almoçar em
sua casa.
O almoço foi uma suculenta rabada, mas Ribamar ficou de
olho na verdade em outra rabada. Enquanto Filomeno só falava em Flamengo o
amigo enfeitiçado por Jussara só pensava que queria a mulher de sobremesa. O
homem ficou tão obcecado que chamou o casal para almoçar em sua casa no dia
seguinte.
Foi a vez de Ribamar preparar macarronada e no fim mostrou
uma preciosidade ao amigo. Dvd com o VT da final do campeonato brasileiro de
1980 quando o Flamengo foi campeão em cima do Atlético Mineiro.
Filomeno se emocionou e chegou a deixar cair lágrimas de
seu rosto e Ribamar colocou o jogo para o amigo assistir. Enquanto o pobre
corno via e vibrava como se fosse ao vivo Ribamar e Jussara foram lavar louças.
Foi tudo de propósito. Ribamar queria afastar Filomeno
para ficar sozinho com sua mulher.
Jussara lavava, Ribamar enxugava e o homem comentava como
Filomeno podia ser tão fanático e deixar de lado uma mulher tão maravilhosa
quanto ela. Jussara agradeceu, disse que ele era muito gentil e quem dera se
seu marido pensasse como ele.
Papo vai, papo vem e Ribamar foi direto a ponto dizendo
que queria a mulher. Jussara que controlava a tabela do campeonato para “pular
a cerca” contou ao homem que domingo o Flamengo decidiria o campeonato carioca
com o Fluminense. Ribamar comentou com a mulher que era verdade e tinha
combinado ir ao estádio com Filomeno.
Jussara falou que bem que ele podia ficar doente e não ir
ao jogo. Ribamar entendeu o recado e começou a tossir indo à sala e dizendo a
Filomeno que não estava bem.
No dia da grande final Ribamar contou a Filomeno que
comera algo que não fez bem. O amigo ficou triste, mas entendeu a situação.
Desejou melhoras a Ribamar e partiu feliz da vida ao Maracanã.
Enquanto Ribamar corria para a casa de Filomeno o homem
pegou o trem com destino ao maior do mundo. Calor dos infernos, pegou um trem
lotado, mas mesmo assim batucava feliz com outros torcedores dizendo que era
Flamengo e tinha uma negra chamada Teresa. Até que o trem parou.
Ninguém entendeu o que ocorrera, descobriram depois que o
trem enguiçara. Filomeno e os demais desceram da composição furiosos da vida e começaram a andar sob o Sol escaldante nos
trilhos em direção a estação seguinte.
Chegando lá perceberam uma grande confusão devido a outro
trem quebrado. Filomeno desistiu e achou melhor pegar um ônibus. Encaminhou-se
até um ponto e ficou esperando.
E nada do ônibus aparecer. Grande demora e ainda teve que
aturara passageiro de um ônibus jogando um líquido estranho e mal cheiroso
nele. Mais algum tempo depois e apareceu uma condução.
Super lotada e Filomeno teve que viajar agarrado na porta
pra não cair. Naquele espreme espreme, pessoas se acotovelando o ônibus também
não agüentou e quebrou.
Filomeno furibundo da vida decidiu não pegar mais condução
nenhuma e foi andando até o estádio. No meio do caminho uma chuva torrencial
caiu no Rio de Janeiro e enquanto todos tentavam se proteger das águas ele
continuava andando com cara de pouquíssimos amigos tentando chegar ao jogo.
Enquanto Filomeno passava por esse drama Ribamar chegou na
casa de Jussara com um buquê de rosas e uma garrafa de vinho. Jussara perguntou
para que tudo aquilo se o que importava era o sexo.
Jogou as flores longe e puxou o homem pra dentro de casa
empurrando até a cama. Jogou Ribamar na cama e subiu em cima com o homem
gritando socorro.
E a via crucis de Filomeno continuava. O homem já com água
nas canelas finalmente conseguiu vislumbrar o estádio a sua frente e saiu
correndo para o local. Na entrada uma grande confusão, empurra empurra e a
polícia descendo o sarrafo. O jogo
estava prestes a começar e Filomeno se desesperava.
Finalmente chegou a sua vez e Filomeno mexeu no bolso para
pegar o ingresso. Mas não achou a carteira. Desesperou-se procurando por ela e
nada, lembrou-se da confusão no ônibus e soltou um “filhos da p......”
Foi retirado da fila de forma “carinhosa” pela polícia e
procurava por todos os bolsos a carteira enquanto se enervava ouvindo os gritos
da torcida do lado de dentro. Assumiu que não tinha mais jeito e sentou-se para
tirar o tênis. Lá dentro da meia guardava uma reserva de dinheiro e pegou as
notas encharcadas correndo atrás de cambistas.
Conseguiu achar um que pediu os olhos da cara por um
ingresso. Filomeno tentou negociar, mas não conseguiu, ainda mais com o
dinheiro molhado. Gastou quase tudo que tinha e pegou o ingresso.
Voltou para a confusão da porta e mostrou o ingresso pra
entrar. Olharam bem e notaram que era falso, inclusive com data errada e a
polícia tentou prender Filomeno que fugiu.
Já a alguns quarteirões do Maracanã encontrou um grupo com
a camisa do Fluminense. Ele sozinho, com a camisa do Flamengo se viu em
situação difícil e teve que correr mais com os tricolores atrás.
Enquanto isso Jussara, um vulcão sexual, abusava de
Ribamar de todas as formas e o homem quase pedia arrego. Ele tentava fugir da
cama e a mulher lhe puxava de volta dizendo “não era isso que você queria?”.
Ele respondeu que sim, mas queria beber água pelo menos.
Filomeno conseguiu fugir dos tricolores e achou um bar
cheio de gente vendo o jogo. Sem ter alternativa parou pra ver a partida no
local.
Parou a tempo de ver o Fluminense marcar um gol e a luz
acabar.
Só restou a Filomeno sentar na calçada e chorar.
Ribamar e Jussara continuavam em seu jogo particular e nem
perceberam quando Filomeno todo molhado, sujo, derrotado abriu a porra de casa.
O homem caminhou de cabeça baixa, devagar até o quarto e abriu a porta pegando
Jussara e Ribamar em flagrante nus na cama.
Os dois se desesperaram e tentaram argumentar que não era
nada daquilo que ele pensava quando o homem se encaminhou para abrir a gaveta
que guardava a arma.
Jussara implorou que ele não abrisse, mas Filomeno não lhe
deu ouvidos e abriu. Só que em vez dele pegar a arma pegou um controle remoto e
ligou a televisão. Mandou que os dois ficassem quietos porque queria ver o fim
do jogo.
Chegou a tempo de ver a cobrança de pênaltis, o último
pênalti do Flamengo. O jogador do clube converteu e o Flamengo foi campeão.
Filomeno começou a pular, gritar, esquecendo-se de tudo
que passou para ir ao jogo e abraçou com entusiasmo Ribamar e Jussara, depois
cantou o hino do clube e sentou-se a cama chorando sob olhares atônitos dos
amantes.
Uma vez Flamengo, Flamengo até morrer...
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