50 ANOS
Ano
passado escrevi uma coluna para o blog “Ouro de
Tolo” falando do aniversário do golpe militar no Brasil (que durante
anos foi chamado de forma errada aqui de revolução).
Hoje a
famigerada data faz 50 anos e temos que lembrar, lembrar muito para que nunca
mais ocorra. O problema do tempo passar é que ele atenua horrores como o
Holocausto e As ditaduras, sejam de esquerda ou direita.
Minha
homenagem a todos que lutaram e tombaram lutando pela liberdade do Brasil.
“Há
soldados armados, amados ou não”
“ANOS DE CHUMBO”
No final
do ano a ESPN Brasil através do jornalista Lúcio de Castro fez uma série
chamada “Anos de chumbo” mostrando os bastidores das ditaduras militares de
Brasil, Argentina, Chile e Uruguai. Vi e revi os documentários e fiquei muito
impressionado.
Na hora
pensei que valia uma postagem pra cá. O problema é que o ano começou e muitos
assuntos foram surgindo, o carnaval a pleno vapor e fui adiando. Quis o destino
que o dia 31 de março esse ano caísse em um domingo. A data perfeita.
Hoje é um
dia pra lembrarmos. É domingo de Páscoa, o da ressurreição de Cristo onde com a
família celebramos o amor dele por nós, o sacrifício que fez pela humanidade e
dia de estarmos em comunhão com a família.
Mas
também é dia de lembrar outra data. Os quarenta e nove anos do golpe militar
que pôs o Brasil na escuridão por vinte e um anos.
Uma
grande vantagem dos tempos de democracia estável em que vivemos. Podemos falar
a palavra “golpe”. Quando eu era criança os livros falavam em “revolução”.
E aí vai
o primeiro erro que este aqui que é especialista em nada e dá pitaco em tudo
acha que existe. Na minha humilde opinião uma revolução é feita quando querem
mudar o sistema, o status quo, a realidade em que vivemos e essa de 1964 foi
justamente para manter tudo como estava.
Inventaram
um inimigo, o presidente João Goulart, inventaram um motivo, o risco do país
virar comunista. Um parêntese, dizem que esse golpe teve apoio e patrocínio dos
Estados Unidos, mestres em inventar motivos e vilões como no ataque ao Iraque
onde falavam em armas químicas e não acharam nem um trinta e oito, mas esse
assunto de repente vem em outro texto.
Golpe
feito pelas classes dominantes do país. Apoiado pela classe média, pela TFP,
pela imprensa e por muitos políticos que se amedrontavam com a “ameaça
comunista”. Golpe dado com a promessa que duraria pouco e durou muito. Golpe
que aos poucos fez boa parte desses que apoiaram ver que foram traídos e se
tornarem alvos daqueles que apoiavam.
Golpe dos
ais, do AI 5 e do ai de dor que provocou em quem lhe opunha e em suas famílias.
As
ditaduras sul americanas calaram vozes. Seja com a censura, seja com os
desaparecidos políticos como Rubens Paiva cuja família não conseguiu dar um
enterro. Sejam os argentinos que eram torturados enquanto os compatriotas
vibravam com os gols na copa, aquelas pobres mães em vigília na Plaza de Mayo
por seus filhos que nunca retornaram pra casa. Os chilenos assassinados no
estádio nacional.
A
ditadura provoca feridas nunca cicatrizadas. Provocam sentimentos
contraditórios como ver o governo admitir que Wladimir Herzog foi assassinado
em suas dependências e ao mesmo tempo o alívio da admissão de culpa e o fim
dessa via crucis traz o sentimento ruim de saber que passamos por tudo isso e
pessoas que deviam nos proteger foram capazes de tais atrocidades.
Provocou
arte de grande valor, o biscoito fino de nossa história nas vozes e nos
talentos que poucas vezes esse país viu. Provocou exílio dessas mesmas cabeças
pensantes. Não era proibido proibir, era proibido pensar. Gente foi presa,
torturada e obrigada a sair do país apenas porque pensava diferente. Apenas
porque queria liberdade. Liberdade de pensar, de agir, de ir e vir, coisas tão
comuns em qualquer ambiente democrático. Mas não éramos uma democracia.
Alguns
morreram nos porões do DOPS, alguns na guerrilha do Araguaia, outros nunca
saberemos como. Enquanto o Brasil estava em guerra a imagem passada para o país
era diferente. Do Brasil que crescia.
“Ninguém
segura esse país”, “eu te amo meu Brasil, eu te amo”, “Brasil ame-o ou
deixe-o”. O Brasil dos noventa milhões em ação que vibrava com os gols de Pelé
em cia e crescia com o progresso atravessando a transamazônica.
Reclamamos
muito do Brasil de hoje, com razão já que existem muitos motivos de reclamação.
Mas nós que não vivemos a ditadura militar em sua plenitude temos noção do que
é viver sob um regime de exceção?
A noção
de ter sua casa invadida a qualquer hora e levarem uma pessoa da família? O
desespero de não saber como ela está? Saber que pode não voltar? Não saber em
quem pode confiar?
Não ter
direito a pensar, a falar, a votar. Hoje reclamamos quando temos que assistir
horário político ou temos que votar. Temos noção de quantos sofreram afogamento
em um barril, foram colocados em um pau de arara, tomaram eletrochoques, foram
seviciados, tiveram as bocas colocadas em canos de descarga de carro, jogados
de helicópteros, humilhados, assassinados apenas para que perdêssemos alguns
minutos de um domingo qualquer pra ir votar?
Quantas
petições on line valem o gesto de enfrentar uma ditadura? Sejam os cem mil da
passeata pela morte do estudante Edson Luis ou um simples gesto como parar um
tanque na praça da Paz Celestial que não foi uma ditadura sul americana, mas é
uma ditadura que existe até hoje.
Aliás,
não vejo diferença entre ditaduras. Seja militar, civil, de direita, esquerda,
no Brasil ou em Cuba a melhor das ditaduras nunca será superior a pior das
democracias. Ditaduras são como estupro, não há atenuante no estupro porque a
mulher era prostituta ou trajava vestido curto, não há atenuante em ditadura se
ela investe em educação, cultura, esportes ou obras.
Porque
tudo isso tem seu preço. Educação de verdade ensina o certo não apenas o seu
lado, o mesmo pode se dizer de cultura, esporte que o esportista tem que fugir
do país não pode ser considerado. Obras faraônicas como grandes estradas que
ligam o nada a lugar nenhum ou usinas nucleares que expõem a população a riscos
e geram dívidas serão pagas nas gerações futuras.
Calar uma
oposição, filtrar informações, ensinar apenas o que quer cria gerações de
acéfalos e demora em passar esse problema. Vinte e nove anos em que vivemos
numa democracia e o brasileiro ainda não aprendeu a pensar, ainda não aprendeu
a ser cidadão com seus direitos e deveres. O brasileiro é o japonês que não
sofre as consequências de uma bomba atômica, mas de uma bomba moral que ainda
deixa vestígios. Ainda deixa radioatividade.
Deixa
penumbra, deixa mistérios. Uma caixa preta que ninguém tem coragem de abrir,
uma lei de anistia em que muitos comemoram, mas que serviu principalmente pra
encobrir crimes, ao contrário da Argentina que pune os assassinos de seu regime
totalitário. O Brasil mesmo sendo uma democracia estabilizada é uma democracia
com medo. Medo dos fantasmas que lhe percorrem a alma arrastando as correntes.
A
impressão que dá enquanto não é aberto tudo o que ocorreu no regime militar é
que o Brasil ainda vive dentro do DOPS.
Mas taí a
comissão da verdade, estão aí os fatos que pipocam no dia a dia como do
presidente da CBF José Maria Marin então deputado estadual pedindo a prisão do
Herzog.
Os
criminosos do regime estão envelhecendo, morrendo, não podemos deixar tudo nas
mãos divinas para resolução, temos que nós punir os culpados que ainda não
perecem no inferno para nunca mais nós voltarmos ao inferno.
Hoje é 31
de março de 2013. Dia de lembrar, lembrar muito. Lembrar o quanto a liberdade é
importante, o quanto a discordância é válida. Lembrar aqueles que lutaram,
aqueles que perderam a vida, os torturados, os exilados, os brasileiros que
queriam um país melhor e pagaram por isso de alguma forma.
E também
aqueles que tanto combateram o governo e quando viraram um se venderam. Viraram
corruptos, condenados da justiça e hoje mancham todo um passado.
Temos
datas pra tantas coisas nesse país, 31 de março devia ser o dia da liberdade.
Devia ser um feriado tão importante quanto 7 de setembro e ensinado em sala de
aula como o dia que nos tiraram algo tão importante, mas o pessoal que partiu
num rabo de foguete trouxe de volta.
Que os
anos de chumbo sejam apenas um capítulo triste de nossa história e essa
atrocidade toda apenas faça parte de um documentário.
Apesar de
você. Hoje já é novo dia.
Comentários
Postar um comentário