AS MULHERES DE ADÃO: CAPÍTULO V - DAYA
Acho que peguei trauma depois dessa história, pois nunca mais pintei na vida. Soube que a Carla foi condenada pelo assassinato de Dirceu, mas não corri atrás pra saber mais detalhes.
Só uma vez recebi uma carta e nela dizia “Saudades delícia”.
Deu medo..
Entre as muitas coroas de flores que recebi uma era dela. Cada vez chegava mais coroas, telegramas, mais gente. Estava emocionado, se eu pudesse levantava e agradecia um a um.
Minha mãe mostrava aos “convidados da festa” minhas fotos criança, várias pelado e com o pinto de fora. Eu sempre tive vergonha que ela mostrasse. Minha mãe fazia questão de mostrar as fotos sempre que chegavam visitas em casa, pior, sempre que eu levava alguma menina que conheci.
Quando ela mostrou pra Bia morri de vergonha e me tranquei no banheiro, meu pai foi atrás e bateu na porta falando “Adão isso não é hora de punheta”.
A imprensa estava no velório, mas não ligava muito pra mim. A imprensa dos programas vespertinos aproveitava a presença de minha irmã, uma celebridade para explorar ao máximo a “tragédia”. Imagens da capela passavam ao vivo na TV intercaladas com imagens da carreira da minha irmã (como se ela que tivesse morrido) e propaganda de filmadora que custa um real por dia.
Em determinado momento entrou um grupo estranho na capela. Mais um pra dizer a verdade.
Eram cinco pessoas, três homens e duas mulheres com roupas pretas, cabelos coloridos, piercings, tatuagens e óculos escuros.
Todos pararam pra olhar, menos eu evidente. Chegaram perto do caixão e um deles que era o líder do grupo começou a falar.
“Adão parceiro, como você pôde fazer isso com a gente?? Você era o cara, o maluco que revolucionou o movimento punk no Brasil!! Vai fazer falta pra caralho!!”.
Todos olhavam sem entender. Em um determinado momento um deles pegou uma bandeira com os rostos das bandas Black Sabbath, Kiss e Iron Maiden e colocou em cima do meu caixão dizendo que os caras estavam consternados e mandaram a bandeira autografada em agradecimento a tudo que ensinei a eles.
Nesse momento um deles lamentou que eu não tivesse acabado “a música”, minha irmã perguntou que música era essa e o rapaz contou que eu estava compondo um heavy metal que iria revolucionar a sociedade, mas não deu tempo pra compor o refrão.
Os convidados se olhavam com cara de nada entender enquanto os punks se lamentavam. Um começou a cantar a música baixinho como se pedisse uma ajuda minha dos céus pra acabá-la.
Nesse instante uma das mulheres do grupo virou pra mim e disse que eu estava rindo. Os outros viraram e comentaram “é, ele tá rindo, mas tá rindo do quê?”.
O líder do grupo deu um pulo e gritou “é isso!!” ninguém entendeu nada então ele ordenou que pegassem as guitarras no carro.
Os outros integrantes foram e buscaram as guitarras. Plugaram as mesmas e começaram a cantar a música. Na hora do refrão inacabado o líder mandou “Tá rindo do quê?? Tá rindo do quê palhaço!! O sistema é o quê? Um circo com seus palhaços!!”.
Não é que a música ficou boa?
Todos na capela começaram a cantar e o líder dos punks batia em mim no caixão gritando “Você é foda Adão!! Mesmo morto acabou a música!!”.
E meu sorriso aumentava no caixão.
Eu sempre fui um cara muito musical. Com certeza por causa da influência de meus pais metidos até a cabeça na música. Não era raro ter um grande artista da MPB lá em casa puxando uma erva com eles.
E meu gosto era eclético, ia do punk rock até o tango.
Sim tango, vocês duvidam? Vou contar uma história então..
Andava meio depressivo com a história da Carla, depressivo é modo de falar na verdade andava com pânico pelas ruas e decidi consultar uma analista.
Não deu certo porque transei com ela. Assim como transei com a segunda que procurei, terceira..enfim, minha vida sexual ia muito bem. Mas o medo não passava.
Edu então sugeriu que eu fizesse uma viagem. Saísse um pouco do país. Meus pais me surpreenderam e me deram uma passagem pra Buenos Aires.
Até tinha vontade de conhecer a Argentina, os bifes de lá, alfajor..que doce maravilhoso..mas eu nunca viajei sozinho e nem pra muito longe por um motivo muito simples.
Morria de medo de avião.
Ninguém sabia. Sempre me fiz de durão e tentei arrumar mil desculpas pra não aceitar a passagem, mas não teve jeito. Lá ia eu ter que encarar meu inimigo mais pesado que o ar, movido a explosão e inventado por brasileiro.
Tudo pra dar errado.
Tomei uma dose de uísque no saguão e subi ao avião. Sentei na minha poltrona e uma mulher maravilhosa sentou ao lado. Eu tinha que disfarçar meu “cagaço” e fiz cara de controlado, mas na hora que o avião começou a andar veio o pavor.
Ela andou rápido, cada vez mais rápido. Eu me segurava na poltrona e senti uma pressão com o corpo indo pra trás ao decolar. Meu rosto esticou todo e eu só queria minha mãe.
No céu olhei pela janela e só via nuvens. Fechei rapidamente a mesma imaginando que se aquele “troço” desse defeito só tinha oficina lá embaixo. A aeromoça entregou os lanches e as vezes eu olhava pro lado e trocava sorrisos com a moça que sentou junto a mim.
E eu rezava para aquela viagem acabar logo.
De repente começou uma turbulência. O avião parecia um daqueles jipes de rally e veio o pânico. Comecei a gritar apavorado que iria todo mundo morrer. Um menininho que devia ter uns oito anos e sentava numa poltrona próxima olhou pra mim e começou a rir.
Segurei firme na mão da moça ao meu lado e comecei a rezar até que ela sorrindo disse que eu já poderia soltar sua mão que a turbulência passara.
Sorrindo sem graça soltei. Um tempo depois fui ao banheiro, precisava trocar a cueca. Ao sair do mesmo dei de cara com a moça que me empurrou pra dentro falando que eu tinha uma mão forte.
Transamos ali mesmo.
Ao sairmos do banheiro dei de cara com uma aeromoça e sem graça falei que passava mal e minha companheira de poltrona muito solidária me acompanhou.
Sentei de volta à poltrona constrangido enquanto a minha companheira de “rapidinha” colocou um fone no ouvido e ficou com olhos fechados cantando como se nada ocorrera.
Um tempo depois voltei ao banheiro. Ao abrir a porta pra entrar a aeromoça entrou junto falando que iria cuidar de mim dessa vez.
Fechou a porta e o resto vocês já sabem.
Que viagem..perdi meu medo de avião..
Em Buenos Aires me hospedei em um hotel perto do Obelisco e fiz programação de todo turista normal. Conheci a Casa Rosada, sede do governo argentino, me diverti em Puerto Madeiro onde conheci algumas argentinas mais a fundo. Fui até o museu de Carlos Gardel e ao cemitério onde está enterrada Evita Perón.
Conheci o bairro de Boca também, estava curioso pra conhecer principalmente o Boca Juniors. Tirei fotos com estátuas do Maradona e até pisei no campo. O guia nos levava pra conhecer as dependências do clube e fiz amizade com uma brasileira do grupo e a coitada perdeu a máquina fotográfica.
Eu como sou um rapaz prestativo ajudei a procurar, não achamos, mas descobri que o banheiro do clube era ótimo pra uma rapidinha.
É, eu adoro banheiros.
De tarde fui ao Caminito, no bairro de Boca. Uma rua com casas colorida e alguns restaurantes onde podia se comer um delicioso bife de lomo e ouvir um bom tango.
Lá comia meu bife e tomava um vinho enquanto via um casal contratado da casa dançado tango. O casal chamava homens e mulheres pra dançar com eles. Até que a moça me chamou.
Fiquei envergonhado e disse que não iria, mas ela insistiu e fui. Moça bonita, cabelos negros, branca, devia ter uns vinte e cinco anos. Peguei em sua mão e a conduzi ao som de “El dia que me queiras”.
Como eu já disse minha casa era muito musical e quando menino minha mãe me ensinou a dançar tango então dei um show como um legítimo argentino.
As pessoas aplaudiram minha performance e voltei ao meu lugar. No intervalo chamei o casal para sentar comigo.
Conversando descobri que não eram um casal de verdade, apenas dançavam juntos e o nome dela era Daya. Sua beleza me chamou atenção e ficamos papeando bastante tempo. O intervalo acabava ela voltava a dançar e depois voltava a minha mesa.
Acabou que fiquei até o restaurante fechar. Ela voltaria a pé pra casa, mas como eu tinha alugado um carro ofereci carona. Levei Daya até sua residência e quando ela abriu a porta pra descer tentei beijá-la.
Daya virou o rosto e disse que não podia, pois, era casada. Aquelas palavras me desapontaram, mas mantive a pose. Ela deu um beijo em meu rosto e desceu.
Acabei prolongando minha passagem por Buenos Aires. Ia todas as tardes ao Caminito ver Daya dançar e depois levá-la em casa. Até que uma tarde notei um senhor beijando sua boca e sentando pra vê-la dançar.
No intervalo Daya foi até minha mesa e pediu que a acompanhasse, levou até a mesa que estava o senhor e me apresentou. Seu nome era Ruben, devia ser uns quarenta anos mais velho que ela. Era seu marido.
Ruben me convidou para sentar com ele e constrangido aceitei. O homem era um boa praça, pessoa muito bacana e isso foi me deixando sem graça por desejar a mulher dele.
Ele me contou que era dono de um pequeno haras e adorava corrida de cavalos estando sempre no turfe. Comprou um recentemente a qual deu o nome de “El Diablo” e tinha esperanças que ganharia muito dinheiro com ele.
Eu gostava de corridas, meu avô quando vinha ao Rio me levava sempre ao hipódromo da Gávea e aceitei seu convite para ir ao hipódromo e conhecer El Diablo.
Fomos Ruben, Daya e eu ao hipódromo. Tempo que não ia a um e lá relembrei meus tempos de criança. Pessoas chiques, bem vestidas acompanhavam os cavalos correrem e faziam apostas. Apesar de gostar do que via também prestava atenção em Daya.
Tentava tirar aquela mulher de minha mente, mas não conseguia. Ruben me contava detalhes dos cavalos, dos páreos que aconteceriam e eu olhava pra ela, notando que também me olhava. Eu sentia que o desejo era recíproco.
Chegou o sexto páreo, o que El Diablo correria e a ansiedade tomou conta de nós. Foi dada a largada e o cavalo era bom mesmo dando uma disparada e vencendo com vários corpos de vantagem.
A festa foi grande e Ruben como proprietário ganhou um cheque de trinta mil dólares. Disse que nos levaria a uma churrascaria ótima perto dali pra comemorar.
Mas sua ambição era maior. Ruben estava de olho no grande prêmio das Américas que aconteceria em um mês e daria prêmio de quinhentos mil dólares pro vencedor. El Diablo era um grande cavalo tendo ganhado todos os páreos que correra até então. Uma mina de ouro pronta pra ser explorada.
O cavalo continuou vencendo páreos e a tensão entre Daya e eu aumentava. Eu já tinha certeza que ela me queria também. Eu tentava não pensar nela em respeito a Ruben, mas não dava era mais forte do que eu.
Chegou a semana do grande prêmio e eu decidi que era hora de voltar ao Brasil, minhas economias estavam no fim e eu precisava voltar e arrumar um emprego. Fui ao restaurante que Daya dançava em uma tarde que Ruben não foi e contei que iria embora.
Ela pediu para que eu não fosse porque sentiria minha falta e eu respondi que era preciso. Não ag4entava mais ver os dois juntos, não poder tocá-la, sentir seu beijo, seu corpo. Eu necessitava daquela mulher e como não podia tê-la o melhor era partir.
Daya deixou uma lágrima cair em seu rosto. Como um Carlos Gardel eu limpei e pedi para que ela não chorasse. Nesse momento ela confessou que me amava e eu pedi uma única vez.
Ela ficou sem entender e reafirmei que queria uma vez com ela, apenas uma para que eu levasse essa doce lembrança para o Brasil. Daya relutou dizendo que não poderia trair o marido e eu reforcei que seria só aquela vez e que não podíamos trair nossos sentimentos.
Daya então topou e disse pra nos encontrarmos na hora do grande prêmio. Ruben estaria no hipódromo com o pensamento longe e poderíamos ficar a vontade.
Eu concordei e assim montamos uma farsa. Contei ao homem que teria que voltar ao Brasil um dia antes do grande prêmio por problemas particulares. Ruben lamentou, mas desejou boa
viagem e que eu voltasse a Buenos Aires.
Daya contou ao marido que trabalharia na hora da corrida e também não poderia ir. O homem disse “tudo bem “e pareceu não se abalar muito. Estava mais interessado no prêmio.
Fiz toda uma palhaçada, me despedi de Ruben no dia anterior ao páreo e fingi que fui pro aeroporto só mudando de hotel. O dia chegou. Daya na porta de casa deu um beijo no marido desejando boa sorte e ele saiu. Eu observava tudo atrás de uma árvore do outro lado da rua.
Assim que seu carro cruzou a esquina ela me chamou e eu entrei na casa.
Já entrei beijando, aquele beijo que eu tanto queria. Fomos arrancando nossas roupas enquanto íamos pro quarto.
Foi uma tarde maravilhosa. Eu desejava muito aquela mulher e ela era tudo que eu sempre imaginei. Daya me deu momentos de grande prazer e eu não ficava com remorso porque naquele momento Ruben se preparava pra se tornar um homem rico com El Diablo.
Eu só comemorava sua vitória antes.
Não conseguíamos nos largar, o tempo foi passando e não percebemos. Estávamos deitados na cama, Daya com a cabeça em meu peito lamentava que eu iria embora. Dei um beijo em sua cabeça e respondi que voltaria. Até que ela me perguntou que horas eram.
Olhei meu relógio deixado na mesinha ao lado da cama e respondi “oito horas”. Daya deu um pulo falando “o páreo já acabou”.
Antes que eu pudesse falar algo Ruben entrou no quarto. Eu dei um pulo da cama botando minha cueca e me aproximando dele dizendo que não era nada daquilo que ele pensava. Ruben só me olhava e eu nervoso pedia pra ele falar alguma coisa.
Naquele momento o homem começou a chorar e me abraçou dizendo que El Diablo perdera o páreo “por una cabeza”.
Eu abraçado ao homem chorando olhava Daya que me olhava também, os dois perplexos.
Aquela cena dava um tango.
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CARLA
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