QUINZE ANOS: CAPÍTULO VI - MAIO


E lá estava eu..

No meio de uma floresta com roupa de safari acompanhado por um menino índio e uma loira espetacular eu andava atrás da arca perdida. Andávamos desbravando as matas quando de repente caímos num fundo falso.

Parecia ser uma caverna, uma imensa caverna. Do nada surgem ninjas, mas uso meu facão para matar alguns, com meu revólver mato outros, até que centenas deles aparecem e vejo um trilho imenso com um carro em cima.

Coloco a loira e o índio em cima do carro, pulo e dou arranque com os ninjas correndo atrás de nós e atirando. O carro pega velocidade e limpo o suor de meu rosto aliviado quando uma gigantesca pedra começa a rolar atrás da gente.

O menino índio desesperado começa a gritar “Mr.Jones nos ajude” e eu tento dar velocidade ao carro. A pedra quase nos alcança quando caímos em outro fundo falso dentro de um caldeirão.

Uma tribo canibal prepara sua janta e quando percebo nós somos a janta. O calor está insuportável e nesse momento meu maior inimigo, um chefe nazista aparece com a arca na mão e diz que chegou antes e que eu assumisse a derrota.

Suando muito com o calor do caldeirão vejo o nazista mandar que um dos canibais abrisse a arca. Eu grito para que ele não faça isso, mas é em vão.

Ele abre e uma luz muito forte sai de dentro da arca cegando e matando todos que olham. Eu mando que a loira e o menino fechem os olhos e ouço os gritos desesperados de quem olha a arca, o calor só aumenta, fica insuportável e..

..acordo perguntando que calor é esse, minha mãe me dá bom dia e responde que o ar refrigerado do quarto quebrara de novo e já iria me chamar mesmo porque pegaríamos estrada.

Maio começou intenso. Logo em seu primeiro fim de semana viajei com minha avó, mãe e seus amigos do time de voley para a cidade de Vassouras no interior do Rio de Janeiro para os jogos do dia do trabalho.
Já tinha uns três ou quatro anos que fazíamos essa viagem e era muito legal. Além de Pinheiro, Batista e Mauro a turma da minha mãe era muito bacana, todos fuzileiros navais e fazíamos uma grande farra no ônibus para a cidade.

Eu quando era mais novo era o mascote do time e usava a camisa 0, mas com a chegada da adolescência fiquei com vergonha de usar tal camisa, mas era fã número 1 do time.

O time de voley era muito bom e o curioso que o time era formado apenas por homens com exceção da minha mãe que vestia a camisa 4 e era a levantadora.

A cidade abrigava uma mini Olimpíada. Além do torneio de voley aconteciam várias atividades paralelas. Minha mãe além de ser campeã com o “To que tô” foi campeã com minha avó no torneio de jogo de cartas.
E eu?

Como bom esportista que era, mentira, me inscrevi em duas competições. Cem metros rasos e pingue pong.
Primeiro veio a corrida. Preparei seriamente para ela. Vi meus adversários e coloquei na mente que poderia vencê-los. Tudo bem. Podia ser mais gordinho que eles, ok bem mais gordo, mas o poder vem da mente e minha mente era forte.

Alinhei para a largada e ao ouvir o disparo corri. Corri muito, corri intensamente, conseguia ouvir a música de “Carruagens de fogo” e sabia que seria vencedor e quando cruzei a linha final fechei os olhos e levantei os braços vitorioso.

Quando abri vi que todos os outros garotos já estavam sentados descansando enquanto um mandava beijinhos ao público. Eu acabei a corrida em último e o cara que mandava beijos vencera a prova.

Mas a vida não dá oportunidade para “saborearmos” o fracasso. Logo começava o torneio de ping pong. Fui para próximo da mesa e o juiz me informou que apenas eu e outro garoto tínhamos nos escrito.

Aquilo me deu esperanças, era preciso vencer apenas um e ser campeão. Eu e o juiz ficamos esperando lá o menino..vinte minutos, meia hora, quarenta minutos, uma hora e o menino não apareceu.

Diante disso fui declarado campeão de ping pong e recebi a medalha de ouro. Que emoção, minha primeira e única até hoje vitória esportiva.

Voltei com minha mãe, avó e os fuzileiros vitorioso para o Rio de Janeiro, todos nós éramos campeões.
We are champions my friend. Maio reservava grandes momentos como o casamento do Júnior que aconteceria no final do mês, mas aqueles dias todos foram movimentados.

Voltei a sala de aula na segunda-feira e estranhei ao ver Marco Aurélio chegar de óculos escuros. Perguntei a meus amigos se eles sabiam de algo e Gustavo me contou que seu pai descobrira o roubo do uísque na ocasião da inauguração do Patin House e espancou o filho.

Eu me perguntava como podiam existir pais assim, eu quando virasse pai seria totalmente diferente. Daria amor, educação, porrada não educa ninguém.

Marco esquecia os problemas de casa jogando bola na aula de educação física. Era o momento que ele mais aguardava e o que eu mais fugia porque Marco era bom em todos os esportes enquanto eu era uma negação. Na hora do futebol ele era sempre o primeiro a ser escolhido. Marco tinha um canhão no pé direito. Conta a lenda que seu chute era capaz de matar alguém se lhe acertasse em cheio e quebrar uma parede. Eu ao contrário sempre era o último a ser escolhido. Os meninos iam sendo chamados, um a um até o George que não sabia se futebol era jogado com as mãos ou pés e eu ficava por último.

Uma vez ficamos eu e uma velhinha com andador pra ser escolhidos e escolheram a velhinha.

Nesse dia do Marco com olho roxo fiquei por último como sempre e o time que teria que ficar comigo, era o do Marco, optou por jogar com menos um e parei no outro time. Acabei indo pro gol e até que me saí bem, não tomei gols, ok..tomei alguns..

O jogo seguia empatado quando um pênalti foi marcado contra meu time e o Marco pegou a bola pra bater.
Embaixo das traves lembrei-me de uma história que corria em que Marco Aurélio ao chutar uma bola no carro de um cara que não gostava explodiu o mesmo e me apavorei.

Ele correu pra bola e eu corri do gol. Marco então tocou de mansinho pro gol aberto e a bola entrou devagarinho no gol.

Meu time queria me bater, quando olhei o Marco ele estava rindo. Fiquei feliz em vê-lo assim depois de tudo que passou e ri também. Marco me abraçou e disse que me pagaria um refrigerante enquanto eu lhe xingava por ter me enganado.

A fase na escola estava muito boa não. Recebemos o boletim das provas feitas em abril e eu fiquei com nada mais nada menos que nove notas vermelhas!! Provavelmente era recorde olímpico e mundial!!
Minha mãe evidente ficou nada feliz. Cortou meu vídeo game e mandou que todas as tardes que não tivesse inglês eu me trancasse no escritório de casa para estudar.

Dessa forma algumas notas melhoraram, mas nem todas, em alguns casos a situação piorava.

Como em geometria e geografia, geografia porque a matéria não entrava na minha cabeça mesmo, geometria por novos e terríveis motivos.

Professor novo.

Todos estavam sentados na sala de aula quando a diretora, dona Maria Helena, entrou com um homem negro, de bigodinho e forte. Ela anunciou que tínhamos um professor novo e ele se chamava Martins.
Ela saiu e o homem chegou falando forte. Era sargento da marinha e não tolerava indisciplina, falatório nem nada do gênero e puniria quem fizesse batendo com a régua na mesa.

Todos tremeram e ele começou a escrever no quadro negro, dava pra ouvir a respiração da turma. Luis Felipe comentou comigo “esse é bravo” e eu num ato de desespero respondi “fica quieto”, mas o professor Martins ouviu.

Com jeito calmo ele pediu que eu levantasse e me aproximasse. Quase borrado nas calças levantei e fui ao seu encontro. Parei em sua frente e seguiu o tenso diálogo.

Martins: O senhor falou alguma coisa?

Eu em posição de sentido: Não senhor.

Martins aumentando o tom da voz: Eu não ouvi direito, o senhor falou alguma coisa?

Eu gritando: Não senhor !!

Martins gritando: O senhor está vendo algum palhaço aqui?
                                                                                                   
Eu gritando muito: Não senhor !!!

O professor entregou um calhamaço pra mim e mandou que eu escrevesse a matéria no quadro negro.
Engoli o choro e comecei a escrever. Escrevi muito, meu braço cansou e ele chegou perto de mim esbravejando. Eu já estava tão zonzo que consegui enxergá-lo de uniforme de sargento ao meu lado.
Martins: O senhor tem péssima caligrafia, o senhor não sabe escrever em quadro negro, desista o senhor é uma negação..

Eu quase chorando continuava escrevendo

Martins: Em todos esses anos de professor essa é a pior turma que eu já peguei!! Vocês não vão conseguir!! Não vão conseguir!!

Virou para mim e falou

Martins: Desista!! Pare de escrever e desista!! Não vai conseguir!! Não tem honra!!

Eu: Não vou desistir!!

Martins: Desista!! Você é fraco!! Por que não desiste??

Eu chorando: Por que não tenho pra onde ir..

Ok, essa última fala forçou muito pra filme..mas não desisti e meu braço doeu.

Mas eu tinha certeza que eu ainda voltaria a sala de aula fardado e passando por todos pegaria Ericka o colo e a levaria embora sob aplausos de meus colegas como um Richard Gere ao som de “I up were we belong”.

Eu tinha outras preocupações que me faziam pelo menos naquele instante não pensar no professor Martins. Chegou o casamento do Júnior e fui incumbido de levar as alianças.

Tive que botar terno pela primeira vez na vida e achei um saco. Meu tio nervoso era acalmado pela minha avó e lembrei que tinha jogo do Flamengo naquela noite. Nervoso que não conseguiria ver o jogo dei um jeito de esconder radinho de pilha no bolso e enquanto minha avó cuidava de tudo com Júnior o coronel chegou.

Se vocês não se lembram o coronel é meu avô.

Ele chegou de Brasília para o casório e com a cara sisuda me perguntou “como vai garoto?”. Eu cheio de medo respondi “tudo bem vô”. Ele se encaminhou até meu tio e cumprimentou minha avó.

Minha mãe e eu fomos na frente para a igreja e deixamos os três lá.

A igreja era em local chique, no Palácio Guanabara, sede do governo do estado do Rio de Janeiro. Na igreja encontrei todos aqueles parentes que só vemos em casamentos e velórios. Eles apertavam minha bochecha e falavam como eu tinha crescido.

Minha vontade era mandar que apertassem em outro lugar pra verem como cresci. Posicionamos-nos na primeira fileira por ser família do noivo e eu estar com as alianças.

Discretamente peguei o radinho, o fone de ouvido e escutava o jogo. Minha mãe reparou e perguntou o que significava aquilo, respondi que era um jogo importante do Flamengo e ela mandou que eu desligasse.
Fingi que desliguei, mas continuei escutando por todo casamento. Meu tio se posicionou com meus avós no altar e sua noiva, a Ana, entrou na igreja acompanhada de seus pais.

A cerimônia corria bem, ninguém desistiu de casar nem entraram pra raptar a noiva e o Flamengo pressionava até que conseguiu fazer um gol. Não aguentei e baixinho soltei um “gol” tomando bronca de minha mãe e ela mandando desligar imediatamente.

Desliguei e quando reparei o padre e os noivos olhavam pra mim. Eu me sentindo envergonhado fiz cara de “que foi?” e o padre respondeu “as alianças”.

Levantei e entreguei aos noivos. Meu tio perguntou quanto estava o jogo e respondi “1x0 Flamengo”, o padre perguntou gol de quem e respondi “Bebeto”. Ele deu um sorriso e continuou a cerimônia.

A festa foi muito bacana, comida e bebida a vontade. A Malu, filha de uma amiga de minha avó estava lá e linda. Mas eu era fiel a Ericka e não faria nada que comprometesse esse amor.

Mentira, eu queria ficar com a Malu e a Ericka nunca saberia mesmo, cheguei perto dela pra conversar.
O problema que comigo foram também meus primos gêmeos, filhos de um irmão de minha avó, João Luis e Jorge Hipólito. Ficamos os quatro conversando, ela nitidamente mais interessada neles, mas não desisti.
Malu decidiu passear e os três foram atrás. Passeamos um pouco pelo jardim e não lembro quem deu ideia de brincarmos de salada mista.

Salada mista é uma brincadeira que a pessoa fecha os olhos e aleatoriamente escolhe uma pessoa e com ela tem que decidir por pera que era aperto de mão, uva abraço, maçã beijo no rosto e salada mista beijo na boca.

Claro que fiquei empolgado e começamos a brincadeira. O problema é que eu poderia tirar um dos meus primos então só pedia pera. Meus primos pediam salada mista e sempre davam sorte de tirar a Malu
Alguns anos depois desconfio que eles combinaram de algum jeito de avisar um ao outro quando era ela.
Dessa forma eu fui o único que não beijou a Malu e continuei como BV, boca virgem, quatorze anos de idade e nunca beijara na vida.

Voltei derrotado para o salão da festa e vi colocarem um bolero. Nesse momento meu avô se aproximou de minha avó e lhe convidou para dançar.

Os dois foram para o meio do salão e começaram a dançar. Eram ótimos dançarinos e rapidamente atraíram a atenção de todos que pararam para assistir e aplaudir.

Eu feliz via aquela cena. Sabia quanto minha avó gostava dele e como era importante pra ela aquele momento.

E ela irradiava felicidade. Parecia que só tinha os dois na festa, só tinha os dois no planeta.

E essa ocasião, que nunca esqueci, foi uma das que vi fortemente o significado da palavra família.


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