DINASTIA: CAPÍTULO XII - RIO DE JANEIRO
Completamente derrotado Pepe voltou para o Brás. Abriu a porta de casa e ouviu um som “Santa Lucia” cantada por Enrico Caruso tocava no gramofone.
Andou até a sala e encontrou seu pai de
olhos fechados ouvindo. Estava sozinho. Pepe lembrou que não era o único a
sentir dor naquele dia. Seu pai perdera a mãe.
Sentou-se em um sofá em silêncio
ouvindo a música e olhando Salvatore. O homem quieto ouvia sem esboçar nenhuma
reação física, totalmente inerte como se não estivesse ali.
De repente começou a falar contando ao
filho como era a vida na Itália. Não era a primeira, nem a segunda vez que ele
falava de Nápoles. Mas daquela vez era diferente. Falava com tristeza, saudade.
Falava com dor.
Pepe apenas ouvia juntando sua dor a do
pai. Salvatore olhando para o vazio contou que nunca conseguira ser feliz de
verdade no Brasil, a vida colocou muitas tragédias na sua frente.
Pepe perguntou se o pai não era feliz
nem por ter construído a família. Ainda de olhos fechados o homem respondeu que
família era universal, teria construído em qualquer lugar, mas que apesar de
São Paulo ter lhe acolhido bem ele não conseguiu o que queria, vencer.
Pepe ouviu e perguntou “Como não? O
senhor tem uma casa, uma loja”. Salvatore finalmente abriu os olhos, olhou para
o filho e respondeu “Tem gente que veio da Itália
e tem fazendas, indústrias, eu tenho uma pequena loja que nem posso tomar conta
direito por minhas pernas não obedecerem”.
Pepe ficou em silêncio, o ambiente
ficou quieto com essa quietude sendo cortada apenas por Enrico Caruso e
Salvatore completou “O que mais me dói é saber que nunca mais voltarei a
Itália”.
Pepe levantou, foi até dentro da casa e
voltou com um vinho e duas taças. Abriu o vinho, encheu as taças e falou “Não
vamos até a Itália, mas a Itália vem a nós, viva a Itália!!”.
Salvatore com a taça na mão olhou o
filho por um tempo e respondeu “Viva a Itália”.
Os dois brindam e bebem com a companhia
de Santa Lucia.
O dolce Napoli
O suol beato
Ove sorridere
Volle il creato
Tu sei I`impero
Dell`armonia
Santa Lucia! Santa Lucia!
Ao deitar Pepe lembra de Beatriz. Pensa
que naquele instante ela está nos braços de outro e seu coração ferve ao mesmo
tempo em que o corpo gela. Sente uma grande dor no peito, nunca mais teria seu
amor.
Pensa no pai também, nas palavras que
ele disse, do jeito derrotado que se sentia e não queria aquele destino para
ele.
Queria enriquecer não importava como e
fazendo o que.
Naquela noite não conseguiu dormir e a
chuva batia na janela como na noite de amor com Beatriz e naquela noite tomou
uma decisão.
Iria embora de São Paulo.
Comunicou à família no café da manhã
provocando grande choque em todos. Oscar perguntou quem tomaria conta da loja
enquanto ele estivesse no futebol. Salvatore respondeu que era aleijado, mas
estava vivo e poderia muito bem dar conta, completou afirmando que “a
bonequinha lhe ajudaria”.
Deu um sorriso para Mariana que sorriu
de volta mostrando estar ambientada aos Granata. Dora pediu ao filho que não
fizesse isso por ser uma loucura. Salvatore mandou que a mulher não
interrompesse os planos do filho, que se era para ele vencer e ser feliz fazia
gosto.
Aproveitando que naquele dia Giuliana
voltaria para o convento decidiu partir. Subiu e fez a mala sob olhar de Oscar
que nada dizia. Ao terminar o irmão perguntou se ele realmente estava certo da
atitude.
Pepe respondeu que sim, como poucas
vezes estivera na vida. Oscar então lhe deu um abraço desejando boa sorte.
Pepe pediu que o irmão tomasse conta da
família e ele respondeu que tomaria. O rapaz se despediu e saiu do quarto, mas
resolveu voltar para as últimas palavras. Uma promessa a Oscar.
“Eu vou enriquecer e vou lhe buscar”.
Apertou a mão do irmão para firmar a
promessa e Oscar lhe deu um novo abraço dizendo que esperaria por esse dia.
Desceu e se despediu de Constância. A
mulher chorosa lhe deu um abraço dizendo que nunca esqueceria “seu bambino”.
Pepe agradeceu por tudo e em seu ouvido disse “obrigado por me fazer homem”.
Agachou-se e deu um beijo em Mariana
que gastando todo seu italiano respondeu “ti ringrazio tanto”. Pepe se
emocionou, abraçou a menina e disse que ela não precisava agradecer nada e já
era uma Granata.
Chegou à frente da mãe, lhe deu um
beijo na testa e disse que escreveria sempre. Dora com lágrimas nos olhos pediu
que o filho se cuidasse e que se tivesse algum aperto que voltasse, pois,
estariam todos de braços abertos.
Pepe agradeceu, mas respondeu que não
voltaria derrotado. Por fim chegou a hora de se despedir do pai.
Pepe se abaixou e pediu a benção.
Salvatore respondeu “Deus lhe abençoe” e completou que era a última vez que se
veriam em vida.
Pepe pediu que o pai não falasse
daquela forma e que se veriam muito ainda. Salvatore respondeu que não, mas não
se sentia amargurado por isso, pois, sabia que o filho venceria na vida.
Completou dizendo.
“Você é um Granata, tem sangue Granata,
faísca nos olhos e vencerá na capital e onde eu estiver terei muito orgulho”.
Pepe deu um abraço emocionado no pai e
disse que lhe amava. Salvatore respondeu “também te amo muito filho querido”.
Limpando as lágrimas Pepe levantou e
chamou Giuliana que se despedia dos familiares para partirem.
Abriu a porta, a irmã saiu, respirou
fundo e foi embora.
Compraram as passagens e Giuliana foi a
primeira a embarcar. Antes de subir ao trem deu um abraço no irmão e pediu que
ele nunca se esquecesse que Deus sempre estaria ao seu lado. Pepe respondeu que
nunca esqueceria e agradeceu por toda ajuda em relação a Beatriz.
Giuliana subiu no trem e ainda na porta
virou-se para o irmão e disse “Pena que minha amiga não teve forças para ficar
com um homem maravilhoso como você”.
O trem partiu e Pepe sentou-se em um
banco a espera do seu. Assim como ficara esperando por Beatriz em vão.
Lembrou-se de todos os momentos esperando a amada e de todas as suas
frustrações.
Chegou a hora de partir e antes de
subir no trem prometeu “só volto a essa cidade rico”.
Dormiu profundamente na viagem. Dormiu
todo o sono acumulado pela tensão dos últimos anos e só acordou no Rio de
Janeiro.
Eram meados dos anos 30 e Pepe Granata
chegou ao Rio de Janeiro justamente no carnaval. Andando com sua mala pelas
ruas da
Capital Federal viu um monte de pessoas
fantasiadas jogando
confetes e serpentinas ao som de “mamãe
eu quero, mamãe eu quero mamar” e “Chiquita bacana lá da Martinica”.
Viu uma alegria, uma festa que não
estava acostumado em São Paulo, lembrava muito a Itália que seu pai tanto
contava.
Pepe entrou em um bonde e disse ao
condutor que queria ver o mar. O homem respondeu que ele pegara o bonde certo e
lhe convidou a sentar.
Pepe deslumbrado via o Rio de Janeiro
através do bonde. Viu blocos, ranchos, cordões, ouviu marchinhas, batuques.
Perguntou ao condutor se a cidade era sempre assim e o homem rindo respondeu
que não, apenas no carnaval, mas tinha a impressão que o Rio de Janeiro era uma
festa pertinente.
Pepe sorriu e comentou que as pessoas
na cidade pareciam felizes. O condutor riu e perguntou ao rapaz “Moço, tem como
não ser feliz com esse visual?”.
Não..Não tinha como.
Chegou em Copacabana. Área com algumas
construções e muito verde. Perguntou o caminho da praia e andou até ela.
Avenida Atlântica.
Viu carros andando na rua e mãe levando
bebês em seus carrinhos na larga calçada. Extasiou-se com a vista, o mar. Achou
mais bonito que o de Santos.
Viu que algumas pessoas tomavam banho
de mar e resolveu aproveitar. Tirou a roupa ficando de
calção e se jogou nas águas.
Voltou do mergulho revigorado, feliz.
Estendeu os braços para o alto e gritou que seria feliz naquela cidade e nada
lhe deteria. Naquele instante uma onda veio e lhe derrubou.
Foi difícil, mas ele conseguiu achar o
calção.
Recompôs-se e achou uma pensão para se
hospedar. Hospedou-se e começou a procurar emprego no mesmo dia não encontrando
nada.
Levou um dinheiro consigo que gastou na
hospedagem, alimentação e ele foi partindo a cada dia não sendo reposto pela
dificuldade de trabalhar.
A situação foi ficando crítica. Começou
a atrasar o pagamento na pensão até que um dia o senhorio não aguentou mais
suas desculpas e lhe colocou pra fora.
Sem eira nem beira, com pouco dinheiro
que só dava pra comer pão duro e sem dinheiro para procurar outro quarto só
restou a Pepe dormir na rua.
O homem arrumou um papelão na rua e
deitou na frente de um pequeno prédio. Jurava a si mesmo que não voltaria a São
Paulo nem pediria ajuda a família quando sentiu uma água gelada no corpo.
Uma senhora de sua janela jogara água
em Pepe dizendo que não queria ninguém dormindo em sua calçada.
Pepe pediu desculpas. Humilhado,
molhado se levantou e partiu.
Vagou pelo Rio de Janeiro se
perguntando se aquela cidade era feliz e acessível como pensara. Pela primeira
vez Pepe pensou se tinha valido a pena ir embora de São Paulo, de sua família
para aquela “aventura”, pela primeira vez pensou se conseguiria cumprir a
promessa que fez ao pai, família e principalmente ao pai de Beatriz.
Depois de vagar, sentir fome e não ter
mais dinheiro nem para o pão decidiu que tinha que descansar. Viu um
estabelecimento fechado e pensou em dormir na frente. Não achou papelão, mas
achou jornal e decidiu deitar em cima.
Uma das manchetes do jornal era sobre
as Olimpíadas de Berlim e contava a vitória do negro Jesse Owens sobre a
Alemanha de Hitler.
Pepe ainda nem desconfiava sobre como
os negros teriam influência em sua vida.
Deitou sobre o jornal e uma chuva
torrencial caiu sobre a cidade. Por sua sorte estava protegido por um
parapeito.
Com a chuva veio frio e Pepe não tinha
como se proteger do mesmo, apenas se encolhendo. Perguntou se valia a pena
realmente passar por tudo aquilo e como alguns anos atrás o pai fez perguntou
porque Deus não gostava dele.
Logo depois adormeceu.
Dormiu profundamente e nem viu a chuva
passar. Como é costume no Rio de Janeiro o Sol não se intimidou com a forte
chuva e apareceu brilhante na capital Federal. Barbosa, um careca português com vasto bigode abriu o
estabelecimento, que era um bar e reclamou da presença do rapaz no local. Pediu
que seu garçom se livrasse de Pepe.
O garçom, um negro na altura de seus
cinquenta anos, cabelos grisalhos, um pouco curvado e com passos lentos e
firmes aproximou-se de Pepe e com doçura lhe tocou pedindo que acordasse.
Pepe dormia pesado e se assustou com o
toque dando um salto e ficando sentado. O homem pediu que não se assustasse,
pois, era amigo, mas ele não podia dormir ali.
Pepe esfregou os olhos e pediu
desculpas ao senhor dizendo que não tinha onde dormir e só conseguiu ali, mas
aquilo não se repetiria. O rapaz levantou, deu bom dia ao homem e começou a
andar.
O garçom gritou “espere” e Pepe parou.
Virou-se e perguntou o que ele queria, o homem perguntou “O que um rapaz tão
forte e tão moço faz dormindo na rua?”.
Pepe aproximou-se e respondeu “Vim de
São Paulo tentar a sorte aqui apenas com a cara e a coragem, mas não consigo
emprego. A coragem está indo embora e a cara humilhada”.
O homem olhou um pouco o rapaz e
perguntou “Está com fome?”. Pepe olhou para um lado, o outro e respondeu “Meu
orgulho mandaria dizer ao senhor que não, mas estou sim, com muita fome”.
O
senhor negro mandou que Pepe entrasse e sentasse. Voltou com uma média com pão e manteiga
imediatamente devorada por Pepe. Quando o rapaz terminava de comer Barbosa
apareceu e perguntou “Manuel, já colocaste o aviso que contratamos garçom na
porta?”.
O negro de pronto respondeu “Não
precisa sr Barbosa, já contratei um, esse rapaz aqui”.
Pepe se assustou com a resposta de
Manuel e o dono do bar respondeu que tudo bem e que eles começassem logo o
serviço.
Pepe perguntou “mas como?” e Manuel
respondeu que o salário não era muito bom, mas pelo menos o suficiente para não
morar na rua e se alimentar direito. Pepe continuou não acreditando e alegou
que nunca trabalhara de garçom na vida e nem sabia como era o serviço.
O negro riu e comentou “Não tem
mistério, é só me imitar” e mandou Pepe levantar para trabalharem.
Manuel levantou, olhou para Pepe,
estendeu a mão e perguntou “vamos?”.
Pepe olhou por uns segundos o homem,
sorriu e estendeu a mão apertando a de Manuel e respondendo “vamos”.
Um aperto de mão que mudava sua vida.
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