Capítulo XII - Viagem e bicheiros em cana


Até que o clima com o Pittinha não ficou ruim. O bicheiro era malandro e deu um jeito de amaciar nosso “pobre coração sofrido”. Lucinho virou diretor social da escola, major diretor financeiro e eu cultural. Era a única escola de samba que cargos como esses eram renumerados e essa graninha que entrou foi uma forma de esquecermos nosso prejuízo e tudo ficar bem.  
Eu cada vez mais estava dentro das organizações MAPE e ganhando a confiança do Senador. Virei uma espécie de braço esquerdo dele. O braço direito era Douglas Severiano. Seu amigo desde os tempos de luta estudantil, o homem que sabia todos os segredos do Senador e tratava diretamente dos negócios sujos. Precisava pegar a confiança dos dois principalmente de Douglas e isso consegui quando o levei para uma noitada no Acadêmicos da Guanabara e depois na Carioca`s.
Tendo a confiança de Douglas tinha a do Senador, tendo a dos dois o céu era o limite.
Juntei-me a Lucinho e assim viramos o elo entre Pardal e o asfalto. Recebíamos suas ordens e passávamos para seus homens na cidade. Fiquei o responsável pela propina dos policiais, políticos e juízes. E parceiro..a lista era extensa, nomes que vocês nem pode imaginar.
Dessa forma Pardal garantia a sua liberdade e que ninguém mexeria em sua favela.
Como vocês podem ver eu tinha negócios com os cinco bandidos mais perigosos e influentes da cidade. Não tinha mais volta eu já não era jornalista há tempos e na boa o que o jornalismo tinha me dado?
Deu dívidas, aluguel atrasado, corte de luz e prisão por atraso na pensão alimentícia. Isso que o jornalismo e ideais me deram. Eu vendi minha alma para o Diabo e acho que vendi por um ótimo preço.
Mas como eu disse antes Lucinho era inteligente, mais que Pardal e evidente que com o currículo criminoso que tinha com sua esperteza ele não se contentaria em ser assessor de traficante. Pra mim estava ótimo, mas Lucinho queria o mundo. Queria o poder e o dinheiro de Pardal.
Lucinho fazia os contatos com fornecedores de Pardal para que a droga chegasse até o traficante e assim acabou pegando alguns desses fornecedores pra ele. Não só fornecedores como também arrumou compradores. Traficava no asfalto, Barra da Tijuca, zona Sul, boates, condomínios e tinha negócios até com facções rivais de Pardal. Lucinho era o que podia ser chamado de “ensaboado”, se dava bem com todo mundo.
E numa dessas arrumou uma boa venda pra Europa. Renderia um dinheiro bom pra ele levar alguns quilos de cocaína para Paris, negócio arriscado que poderia dar alguns belos anos de cadeia, mas Lucinho não tinha medo de prisão e era fascinado por dinheiro.
Problema que ele sozinho não daria conta de levar a droga, precisava de um parceiro.
E o problema maior que o parceiro que ele escolheu fui eu.      
Relutei disse que não queria. Era perigoso demais e bem ou mal eu tinha ainda uma ficha limpa e uma filha pra criar. Não me empolgava a idéia e ser preso e mesmo o dinheiro sendo bom eu já tinha uma bela grana no banco ganhava bem. Era um risco que eu não precisava correr.
Mas o Lucinho era um filho da puta e com sua lábia me convenceu.
Falei para Pardal que viajaria a negócios pro Senador, pro Senador que faria negócios para Pardal e assim consegui desculpa sem os dois desconfiarem.
E lá fomos eu e Lucinho vestidos de padres pro aeroporto e a droga escondida. Lucinho passou pelo detector numa boa, mas comigo ele apitou.
Tenso, tirei o relógio, umas moedas e tentei passar de novo apitando. Lucinho notou que eu estava nervoso e voltou dizendo aos policiais que eu tinha parafusos no joelho devido a um acidente.
Assim deixaram que eu passasse e embarcamos.  
Vou contar um segredo pra vocês, eu morro de medo de avião. Seja aquele que parecia uma lotada que nos levou pra Colômbia seja viajando de primeira classe pra Europa. Sentei e olhava pela janela apavorado por só ver nuvens. Lucinho notou meu nervosismo e me passou um papelote de cocaína mandando que eu fosse ao banheiro cheirar e assim aliviar essa tensão.
Fui ao banheiro cheirei o pó na pia e voltei com o nariz cafungando, mas aliviado. Sentei e uma taça de champanhe já me esperava. Lucinho mandou que eu bebesse e bebi. Realmente o medo passou.
E Paris é bonita pra caralho!! Fiquei encantado com a cidade. Era outono na Europa então ela não estava nem tão quente nem fria. As folhas caindo no chão conduzindo com a época davam um charme a mais. Eu poderia viver naquela cidade.
Fizemos o negócio e ganhamos uma grana pretíssima. Voltamos para o hotel com o dinheiro e esparramamos na cama. Com aqueles euros todos jogados perguntei o que faríamos já que ainda tínhamos alguns dias na capital francesa. Lucinho com um sorriso no canto da boca falou “vamos aproveitar”.
E aproveitamos bem deixando Paris de pernas pro ar. Fomos às melhores baladas, festas, bebemos dos melhores champanhes nacionais, cheiramos pó de primeiríssima qualidade, alugamos limusine com motorista e capota aberta onde ficávamos em pé com bebida na mão gritando que éramos brasileiros e mandávamos naquela porra e claro.. comemos as melhores mulheres.
E mulher européia é outro nível parceiro, francesa é bom demais faz biquinho até na hora de gozar.
Na última noite em uma boate Lucinho resolveu tomar pico. Arrumou heroína foi ao banheiro e injetou na veia. Eu bebendo com as putas fazendo biquinho e tentando falar francês estranhei que Lucinho não voltava. Depois de um bom tempo me preocupei e fui ao banheiro atrás dele.
Encontrei Lucinho caído ao lado de uma privada babando e olhando pro nada. Pensei na hora “puta que pariu esse viado vai arrumar de morrer na França!!”. Chamei os seguranças e eles uma ambulância. Lucinho estava sofrendo uma overdose.  
Entramos no hospital e claro coisa de primeiro mundo. Lucinho foi muito bem cuidado e tudo não passou de um susto. Entrei no quarto e estava lá o malandro deitado na cama, ri e falei “escapou por pouco hein mané?.”
Lucinho perguntou se tinha algum médico ou segurança perto do quarto e respondi que não. Ele levantou da cama e disse “vamos embora”. Ainda tentei argumentar que ele não podia sair assim tinha que tomar alta. Lucinho não quis saber botou sua roupa e perguntou se eu ficaria ali ou o acompanharia.
Evidente que eu não ficaria. Fomos embora.
E acho que foi a última vez que Lucinho tomou pico de heroína.
Voltamos para o hotel, pegamos a grana, as nossas coisas, fechamos a conta e nos mandamos pro aeroporto. Uma viagem muito boa que quase acabou mal. Falei Pra Lucinho que tinha sido muito maneiro, mas era minha última viagem internacional pra vender pó. Ele riu e falou que nossa próxima era pra Holanda.
Ele era louco mesmo..
Voltei ao Brasil e fui até a mansão do Senador levar lembranças para Juliana e Rebeca. Agora eu já conseguia entrar na mansão só faltando entrar com tapete vermelho. Entreguei para as duas os presentes e pedi pra Juliana não contar ao pai que eu tinha ido a Paris.
Juliana agradeceu por ter me lembrado dela e perguntou por que seu pai não podia saber, respondi que era um bico que eu tinha feito e Juliana reforçou a preocupação que tinha comigo e “meus bicos”. Mas que tinha orgulho de mim e como eu tinha crescido como profissional e principalmente homem.
 Agradeci a preocupação e o orgulho. Fiz carinho no rosto de minha ex, nossas bocas ficaram próximas ela chegou a fechar os olhos. Mas recuperei a razão virei o rosto e disse para ela não se preocupar que eu sabia o que estava fazendo.
Mas pra ser sincero eu sabia não.
Enquanto eu estava fora uma situação ganhou os noticiários do país. Pittinha e outros banqueiros do jogo do bicho estavam sendo investigados por relação com o tráfico de drogas. É Pittinha também era sócio de Pardal.
 Dez banqueiros foram a uma audiência com a juíza Solange Fonseca. Juíza considerada durona. Mas parece que os banqueiros não levaram a sério essa sua fama.
Enquanto rolava a audiência com eles policiais perceberam que tinha seguranças dos banqueiros no local e um deles estava armado. Comunicaram à juíza que se enfureceu e nem quis saber de que bicheiro era o segurança dando ordem de prisão para todos.
Inclusive Pittinha.
E a bomba estourou na imprensa. Rapidamente todos os veículos de comunicação estavam na frente do Fórum para cobrir e eu com o jornalismo no sangue também fui para fazer reportagem pro jornal do Senador.
Na frente do Fórum todos puderam acompanhar os banqueiros e seguranças saindo algemados. Foram flashes de todos os cantos para cobrir o acontecido. Apesar do jogo do bicho ser considerado contravenção penal era raro ver aquela cena.
Pittinha passou por mim e baixinho pediu para que sua irmã Andréia Pitta tocasse a escola. Falou, passou por mim e com os outros foram enfiados em camburões sendo levados a presídios
Será que finalmente esse país tomava jeito?
Evidente que não...
Fui até a casa de Andréia. Mulher da minha idade mais ou menos, loiraça linda que me recebeu com sorriso nos lábios e vinho importado. Contei o que Pittinha havia pedido e ela falou que era melhor não, nunca havia nem pisado na escola e não tinha a mínima idéia de como geri-la. Disse a ela que não estaria sozinha nessa empreitada tinha várias pessoas lá com experiência que poderiam ajudar, mas que o Pittinha precisava de alguém da família pro comando.
Andréia sorriu, pegou minha mão e perguntou se eu iria ajudá-la. Respondi que no que ela precisasse. Preciso nem dizer onde esse papo acabou né?
Não preciso, mas vou falar pra poder tirar essa onda. Peguei a irmã do Pittinha bonito. Uma noite de sexo selvagem que ajudou a convencer a delícia da Andréia a assumir a agremiação.
Comecei um caso com Andréia enquanto vários habeas corpus eram tentados a favor dos bicheiros, todos negados. A juíza Solange era foda parceiro ganhou a opinião pública para ela ainda mais porque recebeu várias ameaças de morte. Ela negou alguns recursos, outros juízes no embalo de sua fama também.
E os bicheiros se fuderam.
Quer dizer..se fuderam até a página três né? Eles tinham grana e você já viu alguém com grana se fuder no Brasil?
Pittinha e seus parceiros pararam numa penitenciária cinco estrelas só faltando ter mordomos para atendê-los..bem.. mordomos não tinha, mas rapidamente alguns guardas entraram na folha salarial e facilitavam as coisas no presídio.
Malandro..eu fui visitar o Pittinha em sua estadia e era melhor que o lugar que eu morava. A cela, se é que pode chamar aquilo de cela parecia o quarto de um apart hotel, tinha uma cama bem confortável, TV de plasma, frigobar ar condicionado e banheiro anexo com chuveiro de água quente!!
Vocês já viram como é uma cela de preso comum? Tem nem comparação é até uma sacanagem, uma afronta a comparação. Os fudidos ficam em cubículos que mal daria quarenta pessoas com mais de oitenta!! Um calor filho da puta tendo que revezar na hora de dormir.
E olha que o Pittinha nem curso superior tinha. Aquela regalia era graças a sua grana e seu poder mesmo.
E ainda tinham coragem de chamar aquilo de cadeia.
Bem..fui falar com o homem e comuniquei que consegui convencer e Andréia assumiria a escola enquanto ele estivesse preso. O homem me agradeceu, pegou uísque que tinha em cima do frigobar e perguntou se eu queria uma dose. Eu sabia que a bebida era um perigo pra mim, mas eu nunca fui homem de fugir do perigo e aceitei.
Pegou charuto me deu um e acendeu pra nós dois. Depois calmamente perguntou se tudo que eu via ali me dava à impressão realmente que ele estava fora do jogo. Beberiquei um pouco e respondi que não.
Pittinha pegou um celular e ligou para um homem perguntando como estava a situação dos caça níqueis que chegavam naquela semana. Deu um sorriso falou que estava tudo ótimo e que o mantivesse informado desligando.
Nessa hora um agente penitenciário apareceu na porta e Pittinha nem se importou continuando com o celular na mão. Mandou o homem entrar e lhe serviu uma dose de uísque. O Agente bebeu, agradeceu e disse que o que o “Doutor Pittinha” precisasse era só falar que ele faria, retirando-se da cela.
Bem que eu precisava de uma estadia numa prisão daquela.
Pittinha contou que continuaria mandando na escola e nos negócios mesmo preso, mas precisava da Andréia para ter uma voz de comando para representá-lo. Pediu que eu lhe ajudasse a manter a ordem por lá e que eu seria muito bem recompensado por isso.
Eu adorava quando esses caras falavam essas palavras meigas pra mim.  
Falei que ele podia contar comigo e me mandei. A escola continuou normalmente e no sábado seguinte teve ensaio pra apresentar Andréia Pitta para a comunidade. Escrevi um texto para ela e a irmã do Pitta discursou com a força necessária pra mostrar que a escola não estava a deriva.
Depois rolou um rufar de bateria para Andréia e Pittinha e Rogério Guanabara subiu ao palco para cantar um samba de quadra já antigo na agremiação feito em homenagem ao velho Pitta, o pai de Andréia e Pittinha. Depois o cantor oficial da escola Charles Poesia deu o grito “nesse ensaio mesmo ausente o nosso papai está presente” e cantou o samba enredo da escola pro próximo carnaval.
Quadra cheia, animada, a escola ia assim rumo à vitória.
E eu rumo à cama da Andréia e foi assim muitas vezes enquanto ela comandou a agremiação. Parecia que seu comando duraria muito tempo, mas só parecia..
A juíza Solange era guerreira, corajosa, mas não era imortal. Uma tarde saindo do fórum ligou o carro e ele explodiu. A juíza virou churrasco.
O assassinato da juíza que prendeu os banqueiros causou uma grande comoção, alvoroço. A polícia se empenhou para descobrir culpados e evidente a desconfiança caiu em cima dos bicheiros e mais evidente ainda que eles negassem a autoria do crime. Acabou que a culpa caiu em cima do segurança que estava armado no Fórum e foi preso junto com os bicheiros.
O homem levou um excelente dinheiro para assumir tudo sozinho, recebeu ótimos advogados e alguns anos depois já estaria solto para desfrutar da grana que recebeu.
Como tudo que ocorre no Brasil a comoção durou pouco. Alguns dias depois teve jogo a da seleção pelas eliminatórias da Copa e ela perdeu tendo assim sua classificação ameaçada e no Brasil não existe nada mais sério que o futebol e uma ameaça da seleção canarinho não ir pra Copa era muito mais séria que morte de juiz.  
Se a seleção se classificou ou não vocês saberão depois.
Outro juiz foi colocado no caso dos bicheiros e ele deu o habeas Corpus que eles precisavam. Passaram nem dois meses na cadeia e já estavam livres para suas atividades. Apesar de que na verdade nunca estiveram presos.
Uma grande festa no Acadêmicos da Guanabara marcou a volta do Pittinha, quadra lotada com celebridades, turistas. O carnaval se aproximava e as escolas de samba se tornam o grande point da cidade.
Nesse dia convidei Juliana para ir ao ensaio, subi ao camarote e apresentei a Andréia. Fizeram amizade e enquanto conversavam eu pensava como não seria bacana comer as duas ao mesmo tempo.
Olhei para o lado e vi Pittinha e o juiz que lhe soltou brindando felizes e gargalhando.
Nesse país tudo acaba em samba.




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