Capítulo IX - Aloemi
A vida continuou e a decisão da câmara de vereadores trouxe desdobramentos para a cidade e para mim. Enquanto estávamos assistindo a votação Rafaela começou a flertar com um homem que também assistia, esse homem era um grande fazendeiro que passava pela cidade e ficou curioso com tudo que acontecia. A conseqüência desse flerte foi que um dia Rafaela me chamou pra conversar e dizer que gostava muito de mim, eu era um “bichinho muito do arretado”, mas havia se apaixonado por outro e iria embora da cidade com ele.
Não fiquei triste, na verdade até fiquei feliz por ela que assim encaminhava sua vida, dei um abraço e desejei toda a felicidade do mundo. Rafaela me agradeceu e disse que eu tinha que conhecer o “painho” dela, que eu esperasse que ela iria chamá-lo, concordei.
Ela voltou com o fazendeiro, ele devia ter mais ou menos uns 90 anos, o homem me cumprimentou e perguntou se era eu o rapaz que havia cuidado tão bem de seu “docinho de coco”. Respondi que sim e desejei que ele fosse muito feliz com o “docinho de coco”. Rafaela radiante se abraçou ao fazendeiro e perguntou se não faziam um lindo casal, se não era nítido o imenso amor que lhes unia, enquanto ele tinha uma crise de tosses eu respondi que sem dúvida.
Rafaela e o fazendeiro partiram e era realmente uma época de partidas, meu pai, por exemplo partiu da prefeitura. Gustavo lhe derrotou na eleição municipal e evidente que ele me culpou pela derrota. Rodrigo também se elegeu vereador e apesar de feliz pelos meus amigos, por tudo ter dado certo lamentei por meu pai que tinha a política como tudo na vida e lamentei mais ainda a situação que vivíamos.
A festa, evidente depois de tudo que ocorreu, foi na zona, parece que todos os homens da cidade foram para as casas do baixo meretrício comemorar que a cidade agora estava nas mãos da juventude. As meninas recuperaram todo o prejuízo que tiveram com os dias de greve, os donos de casas satisfeitíssimos, era preciso que caminhões de outras cidades trouxessem mais bebidas para Tremembé. Um fim de semana de festa e sacanagem, apesar de política e sacanagem terem nada a ver um com o outro, não é?
Quando tudo já estava quase encerrado, os três jogados na frente de uma das casas cantando, Gustavo decidiu falar sério e contou que queria conversar duas coisas comigo. Mandei que ele ficasse quieto porque estava bêbado, ele com a garrafa na mão falou “me respeita porra, sou uma autoridade municipal, me ouça”.
Gustavo me fez dois convites, um para que trabalhasse com ele na prefeitura como seu assessor, confiava em mim, na minha inteligência e me queria por perto. O outro convite era para que eu fosse morar com ele e Rodrigo, os dois alugaram uma casa grande, confortável e me queriam com eles, a gente racharia as despesas e teria um local só nosso para aprontar. Fiquei mudo com os convites, Gustavo perguntou se eu não falaria nada, abri a boca pra falar, mas vomitei em cima dele. Enquanto Gustavo me chamava de filho daquilo Rodrigo iria e gritava “o prefeito ta vomitado!!!”.
Aceitei os convites, minha despedida da zona foi emocionante e emocionada. Enquanto saía da casa de dona Áurea com a mala todas as meninas foram para as janelas e gritavam meu nome, acenavam e pediam para que voltasse sempre, me senti um Clark Gable ou um Humprey Bogart, uma das meninas correu atrás de mim gritando.
Virei com voz empostada de galã de cinema e perguntei “o que você quer boneca?”. Ela respondeu que eu tinha esquecido minha cueca samba canção de coraçõezinhos na casa, me entregou e todas as meninas começaram a rir. Constrangido esqueci a pose e falei que ela poderia ficar com a cueca, ela deu um grito, agradeceu e guardou.
Assim fui novamente crescendo na vida. Comecei a trabalhar na prefeitura, ganhava um bom dinheiro, vivia em uma casa confortável com meus amigos de fé e trabalhava muito para acertar as finanças de prefeitura que meu pai havia devastado e dava pra curtir também. Agora éramos os poderosos da cidade, de dia o trabalho, de noite as farras.
Todos na cidade comentavam que a casa do prefeito havia virado um antro de orgias e bebedeira, a “república do paz e amor”. As beatas começaram a reclamar, faziam protestos na frente da prefeitura, da casa, mas não ligávamos até porque o nosso índice de aprovação era muito alto. Fazíamos obras na cidade, Tremembé se modernizava a olhos vistos.
Eram festas todos os dias, muitas mulheres, bebida. Tinha uma vida boa, mas sentia falta de me apaixonar, sempre tive mulheres isso nunca me faltou, mas desde a Itália com a Paola não sentia meu coração bater mais forte, não sentia paixão.
Esse sentimento mais forte havia sentido três vezes na vida. Com Manoela foi uma situação mais infantil, pura,.Ericka uma coisa forte de pele, ela me atraía muito e depois de tanta luta minha acabou daquela forma bizarra e Paola, com quem tive um grande carinho, compaixão, vontade de proteger. A impressão que eu tinha às vezes era que por mais que essas três tivessem me tirado sentimentos fortes, avassaladores, amor de verdade eu não havia sentido ainda. Já tinha vinte e oito anos. Achava que estava na hora.
Umas noites estavam os três em casa desanimados para fazer festinhas. Rodrigo perguntou o que iríamos fazer, Gustavo respondeu que nada havia em sua cabeça e então eu dei a idéia de irmos à zona, tempo que não íamos lá, tínhamos que ver como estavam nossas eleitoras e ver se haviam chegado eleitoras novas.
Fomos à casa de dona Áurea. Uma grande festa tomou conta do puteiro quando entramos dona Áurea me deu um abraço e disse que tinha meninas novas lá e que eu iria gostar. Sentamos e pedimos cachaça, ao contrário da primeira vez em que fomos serviram cachaça mesmo e não groselha. A situação era bem diferente não éramos mais três adolescentes tímidos e sim três pessoas respeitadas e poderosas.
Sentados lá brincando, rindo, bebendo, notei uma menina no meio do salão. Era nova na casa com certeza porque nunca havia lhe visto. Parecia ser nova na idade também, loirinha estilo mignon, cara alegre e jovial, corpo bonito que chamou muito minha atenção, estava dançando com outra menina que era também nova na casa. Os homens babavam, se aproximavam e ela não lhes dava bola.
Fiquei olhando minutos para a menina e Rodrigo perguntou se havia visto assombração, que estava quieto. Apontei para ela e Gustavo falou que já tinha visto aquele meu olhar, apenas consegui falar “essa menina tem que ser minha”.
Em um momento ela foi pra dentro do corredor, voltou muito tempo depois com outra roupa e quando pensei em chegar perto um homem se antecipou e disse “vamos?”, ela deu o braço a ele e os dois saíram da casa, ela nem me reparou, fiquei ali plantado com cara de idiota com meus dois amigos rindo e galhofando de mim. Dona Áurea se aproximou e disse para que eu não me preocupasse que aquele era um cliente já marcado e ela no dia seguinte estaria lá de novo.
Continuamos na casa, mas meu pensamento estava longe, naquela menina linda com cara de esnobe, parecia uma princesa. Sandra apareceu e perguntou o que havia acontecido que eu estava com aquela cara, meus amigos disseram que eu havia sido esnobado por uma novata da casa, argumentei que era nada disso que eu nem havia tido chance de falar com ela. Nem precisei descrever a menina minha irmã logo foi falando “é a Aloemi”.
Aloemi, nome estranho, mas um nome que nunca mais esqueci. Sandra disse que só poderia ser dela que eu falava. Que ela havia chegado uma semana antes na casa e deixava os homens loucos e que eu entrasse na fila porque a concorrência seria grande. Mas eu não queria saber se era disputada ou não, queria ela.
Passei o dia seguinte todo pensando nela, nem consegui trabalhar direito. Gustavo brincou comigo falando que eu tinha que resolver aquela tara, mas eu nem sei se era tara o que sentia, aliás, nem sabia o que sentia. Só que precisava ver aquela mulher novamente.
De noite as farras de sempre. Mulheres foram lá pra casa, mas eu não estava no clima. Fiquei sentado em uma poltrona bebendo enquanto eles se divertiam. Uma das meninas presentes ainda perguntou para meus amigos se eu gostava mesmo de mulher, Gustavo respondeu que até aquela tarde pelo menos parecia gostar, mas as pessoas se enganavam.
Divertiram-se a noite toda, no fim como sempre elas foram embora e os dois sentaram no sofá ao lado da poltrona perguntando se eu estava bem, precisava de algo. Perguntei se a farra já havia acabado pra eles, responderam que sim, falei então que era hora deles me ajudarem, que iríamos à zona.
Argumentaram que estava muito tarde, era loucura sair e ir pra zona àquela hora. Respondi que não queria saber, eu iria da mesma forma e queria saber se eles iriam comigo ou não. Um olhou para o outro e disseram que sim, que um mosqueteiro não abandonava o outro.
Chegamos lá e a casa da dona Áurea já estava quase vazia, ela chegou a nós e perguntou o que fazíamos ali tão tarde, respondi que queria conhecer Aloemi e se ela estava lá, dona Áurea disse que sim e falou para que nós sentássemos.
Sentamos, eu ansioso, suava frio. Dona Áurea voltou com Aloemi e nos apresentou. Ela sorriu, trocamos beijos no rosto e perguntei se estava com sono, respondeu que não, perguntei se podíamos ir para um quarto conversar e ela aceitou. Dona Áurea acordou duas meninas para meus amigos e os seis caminharam para os quartos.
Foi maravilhoso, ela era linda nua, fizemos amor e depois ficamos na cama conversando. Perguntei de onde vinha seu nome Aloemi, ela informou que era uma contração do nome dos seus pais Alonso e Mirela, falei que era uma grande coincidência porque o meu nome também era uma contração dos nomes dos meus pais que se chamavam Doriana e Idovaldo. Aloemi curiosa perguntou qual era o meu nome e eu disse. Doido.
Aloemi gargalhou. Uma gargalhada gostosa que me acompanharia em pensamentos pro resto da vida, perguntei qual era a graça e ela me pediu que eu falasse sério, qual era o meu nome, repeti que era Doido. Ela voltou a gargalhar e pediu desculpas porque nunca havia ouvido falar de alguém com esse tipo de nome, dei uma risada e falei que o nome Aloemi também não era comum. Ela riu e concordou, disse que nossos pais eram malucos, concordei, aí ela gargalhando disse “nossos pais eram malucos..e você é Doido”.
Parecia que já nos conhecíamos faz tempo, os dois rindo, brincando. Ela contou que eu parecia um amigo dela, respondi que esperava que isso fosse coisa boa. Aloemi disse que sim porque gostava muito desse amigo. Perguntei qual era sua idade e ela me respondeu que tinha 21, não acreditei e falei que ela tinha cara de menor de idade, me jurou que tinha sim essa idade e falei tudo bem, que iria acreditar.
Depois disse que sabia várias histórias minhas, que eu era famoso, eu ri e falei que metade do que falavam de mim era mentira e a outra metade aumentaram. Ela perguntou se era verdade a história da cabra, confirmei que sim e que o rapaz que engatou na cabra estava no quarto ao lado, ela novamente gargalhou.
Estávamos no quarto ainda e começamos a ouvir uma música que vinha do salão. Era a voz de Francisco Alves, grande cantor da época que tive o prazer de ser apresentado quando morava no Rio, cantava uma música linda que eu não conhecia. Aloemi disse que amava essa música, falei que não conhecia e perguntei qual era. Falou-me que se chamava “nervos de aço”. Parei pra ouvir a canção e realmente era linda, notei que Aloemi cantarolava baixinho a canção.
Pedi que cantasse pra mim e ela rindo disse que não, que morria de vergonha, é a vida tem dessas coisas engraçadas mesmo trabalhando como prostituta, se despindo na frente de homens que nunca viu as moças de vida fácil podiam ser tímidas e Aloemi era. Pedi mais uma vez, praticamente implorei para que cantasse, ela cheia de vergonha topou.
Podem fazer, fica uma delícia..ah..bom apetite
Uma noite bateram na porta, quando abri qual não foi minha surpresa ao dar de cara com meu pai. Fiquei olhando para ele e ele perguntou se não o convidaria para entrar, respondi que sim, claro e o convidei.
Ele entrou e da forma autoritária de sempre perguntou se eu queria desmoralizar a família de vez morando com uma puta. Mandei que ele respeitasse que era minha mulher e ele estava na minha casa. Meu pai jogou na minha cara que eu era a vergonha da família, sempre fazendo bobagens, não tomando rumo e o que ele tinha feito de mal para ter um filho assim.
Enchi-me de coragem e falei tudo que sentia tudo que havia de engasgado na minha garganta desde criança. Que ele era um péssimo pai, só queria saber de política, poder, dinheiro e era incapaz de dar carinho, afeto aos filhos, as esposas. Que o jeito dele tinha empurrado minha mãe para padre Pinheiro. Quando falei isso ele enfurecido veio em minha direção e levantou a mão, falei para que ele não ousasse fazer o que pensara porque como ele não me considerava mais seu filho eu não precisava respeitar e daria o troco.
Meu pai abaixou a mão, se virou e foi embora.
Assim que ele saiu Aloemi entrou em casa e perguntou quem era, respondi que era meu pai. Sentei triste no sofá e ela se aproximou fazendo carinho, nos beijamos e começamos a brincar de fazer cócegas um no outro. Nisso a aliança dela cai dentro do sofá, reviramos o sofá, colocamos de cabeça pra baixo e não achamos, nunca mais achamos a aliança e daquela situação parecia que tudo mudava.
Ela decidiu que precisava trabalhar, ocupar sua mente, foi trabalhar em um salão de cabeleleiros e chegava cada vez mais tarde em casa. Nossa vida sexual continuava boa, mas parecia que ela estava mais distante. Um dia me convidou para uma festa com amigos do trabalho, mas eu estava cansado do trabalho e não quis ir, ela foi sozinha.
Foi e demorou a voltar. Fiquei aflito pensando que poderia ter ocorrido algo, entrou a madrugada e nada dela voltar. Quase de manhã o telefone tocou e era ela, estava tudo bem silencioso na ligação não parecia ser uma festa. Aloemi pediu desculpas e disse que a festa tinha ido até muito tarde e estava indo pra casa, eu me enfureci e falei que ela não precisava mais voltar pra casa, desliguei na sua cara e me arrependi cinco segundos depois.
Sentei no sofá chorando, abri uma garrafa de uísque enchi o copo e implorei a Deus que ela ligasse de novo, não ligou. Amanheceu o dia, não fui para prefeitura, fiquei o dia todo bebendo esperando algum sinal de vida dela, chegou a tarde, a noite, nada. Até que ela abriu a porta de casa.
Fui até ela, abracei e pedi desculpas pelo jeito que agi, que não me importava mais com a demora na festa e queria ficar bem com ela. Aloemi estava fria, parecia não se importar com o que disse. Falou que tinha ido apenas para buscar suas coisas, que seu tio estava com um carro do lado de fora lhe esperando.
Me desesperei, falei que ela não podia me deixar que eu a amava e nós éramos felizes. Aloemi virou para mim e falou que não me amava mais e que era o melhor para nós dois. Perguntei se tinha aparecido alguém em sua vida e ela falou que não apenas que não me amava mais. Falei mais nada, sentei no sofá chorando enquanto ela entrou em nosso quarto para arrumar sua mala.
Fiquei lá chorando como uma criança, como não chorava desde as mortes da minha mãe e do Tadeu. Aloemi saiu do quarto com a mala, abaixou me deu um beijo na testa e pediu que eu ficasse bem. Ainda implorei pela última vez para que ela ficasse.
Ela sentou no sofá, fez um carinho no meu rosto, enxugou minhas lágrimas e falou que eu era um homem maravilhoso, forte e não merecia que alguém ficasse com ele por pena. Perguntou se eu saberia viver com alguém que só estaria comigo por pena, abaixei a cabeça e disse baixinho que não. Ela ergueu minha cabeça, deu um beijo em meu rosto, disse “se cuida” levantou, abriu a porta e foi embora levando meu coração junto.
Assim que a porta se fechou meu choro aumentou de intensidade, virou um choro desesperado. O amor tem dessas curiosidades, eu que já havia perdido meu avô querido, minha mãe, meu irmão, tantas perdas na vida nunca havia sentido a dor que sentira naquele momento, era uma coisa forte, doída, uma vontade louca de morrer. Como iria conseguir viver sem aquela mulher? Ela que me ensinou o que era o amor e agora eu teria que aprender a não amá-la mais? Como? Impossível..
Fiquei como zumbi na sala chorando e bebendo, sentei-me à mesa, peguei papel, caneta e decidi escrever uma poesia pra ela
Os dias seguintes foram terríveis, mal conseguia dormir e quando dormia sonhava com ela e acordava chorando. Parei de ir à prefeitura, meus amigos se preocuparam comigo porque eu literalmente sumi, não saía de casa. Até que um dia eles foram até minha casa ver o que ocorria.
Bateram na porta, mas eu não atendi, socavam, esmurravam e eu não atendi, até que arrombaram. Encontraram-me sentado no sofá quieto, pálido, parecia um morto vivo, perguntaram o que acontecia, eu só balbuciava “Aloemi, Aloemi”. Rodrigo perguntava o que fazer a Gustavo que não poderiam me deixar assim. Gustavo respondeu mandando que eu colocasse uma roupa porque iríamos atrás dela. Perguntou se eu sabia exatamente onde era a casa dela respondi que não, ele disse então que não importava, nós acharíamos.
Rodamos Barra da Serra toda atrás de Aloemi, de sua casa, depois de percorrermos a cidade o dia todo perguntando a todos se sabiam conseguimos localizar a casa. Paramos o carro próximo a residência, uma casa bem humilde.
Gustavo disse “agora é contigo”. Enchi-me de coragem, saí do carro e quando caminhava para perto da casa Aloemi saiu de dentro dela, parecia esperar alguém. Nisso um carro para bem em frente da casa, um homem abre a porta do carona. Ela entra, o beija na boca e o carro parte.
Meu corpo gelou no momento parecia que o chão tinha sumido, lágrimas corriam da minha face. Meus amigos saíram correndo do carro e me puxaram para dentro dele dizendo para irmos embora. Entrei no carro chorando e assim como quando a conheci não consegui chegar perto dela outro homem chegou antes e a levou de mim. Gustavo mandou que eu levantasse a cabeça, que eu era um homem forte e iria superar, ligou o rádio e nele tocava...
Não fiquei triste, na verdade até fiquei feliz por ela que assim encaminhava sua vida, dei um abraço e desejei toda a felicidade do mundo. Rafaela me agradeceu e disse que eu tinha que conhecer o “painho” dela, que eu esperasse que ela iria chamá-lo, concordei.
Ela voltou com o fazendeiro, ele devia ter mais ou menos uns 90 anos, o homem me cumprimentou e perguntou se era eu o rapaz que havia cuidado tão bem de seu “docinho de coco”. Respondi que sim e desejei que ele fosse muito feliz com o “docinho de coco”. Rafaela radiante se abraçou ao fazendeiro e perguntou se não faziam um lindo casal, se não era nítido o imenso amor que lhes unia, enquanto ele tinha uma crise de tosses eu respondi que sem dúvida.
Rafaela e o fazendeiro partiram e era realmente uma época de partidas, meu pai, por exemplo partiu da prefeitura. Gustavo lhe derrotou na eleição municipal e evidente que ele me culpou pela derrota. Rodrigo também se elegeu vereador e apesar de feliz pelos meus amigos, por tudo ter dado certo lamentei por meu pai que tinha a política como tudo na vida e lamentei mais ainda a situação que vivíamos.
A festa, evidente depois de tudo que ocorreu, foi na zona, parece que todos os homens da cidade foram para as casas do baixo meretrício comemorar que a cidade agora estava nas mãos da juventude. As meninas recuperaram todo o prejuízo que tiveram com os dias de greve, os donos de casas satisfeitíssimos, era preciso que caminhões de outras cidades trouxessem mais bebidas para Tremembé. Um fim de semana de festa e sacanagem, apesar de política e sacanagem terem nada a ver um com o outro, não é?
Quando tudo já estava quase encerrado, os três jogados na frente de uma das casas cantando, Gustavo decidiu falar sério e contou que queria conversar duas coisas comigo. Mandei que ele ficasse quieto porque estava bêbado, ele com a garrafa na mão falou “me respeita porra, sou uma autoridade municipal, me ouça”.
Gustavo me fez dois convites, um para que trabalhasse com ele na prefeitura como seu assessor, confiava em mim, na minha inteligência e me queria por perto. O outro convite era para que eu fosse morar com ele e Rodrigo, os dois alugaram uma casa grande, confortável e me queriam com eles, a gente racharia as despesas e teria um local só nosso para aprontar. Fiquei mudo com os convites, Gustavo perguntou se eu não falaria nada, abri a boca pra falar, mas vomitei em cima dele. Enquanto Gustavo me chamava de filho daquilo Rodrigo iria e gritava “o prefeito ta vomitado!!!”.
Aceitei os convites, minha despedida da zona foi emocionante e emocionada. Enquanto saía da casa de dona Áurea com a mala todas as meninas foram para as janelas e gritavam meu nome, acenavam e pediam para que voltasse sempre, me senti um Clark Gable ou um Humprey Bogart, uma das meninas correu atrás de mim gritando.
Virei com voz empostada de galã de cinema e perguntei “o que você quer boneca?”. Ela respondeu que eu tinha esquecido minha cueca samba canção de coraçõezinhos na casa, me entregou e todas as meninas começaram a rir. Constrangido esqueci a pose e falei que ela poderia ficar com a cueca, ela deu um grito, agradeceu e guardou.
Assim fui novamente crescendo na vida. Comecei a trabalhar na prefeitura, ganhava um bom dinheiro, vivia em uma casa confortável com meus amigos de fé e trabalhava muito para acertar as finanças de prefeitura que meu pai havia devastado e dava pra curtir também. Agora éramos os poderosos da cidade, de dia o trabalho, de noite as farras.
Todos na cidade comentavam que a casa do prefeito havia virado um antro de orgias e bebedeira, a “república do paz e amor”. As beatas começaram a reclamar, faziam protestos na frente da prefeitura, da casa, mas não ligávamos até porque o nosso índice de aprovação era muito alto. Fazíamos obras na cidade, Tremembé se modernizava a olhos vistos.
Eram festas todos os dias, muitas mulheres, bebida. Tinha uma vida boa, mas sentia falta de me apaixonar, sempre tive mulheres isso nunca me faltou, mas desde a Itália com a Paola não sentia meu coração bater mais forte, não sentia paixão.
Esse sentimento mais forte havia sentido três vezes na vida. Com Manoela foi uma situação mais infantil, pura,.Ericka uma coisa forte de pele, ela me atraía muito e depois de tanta luta minha acabou daquela forma bizarra e Paola, com quem tive um grande carinho, compaixão, vontade de proteger. A impressão que eu tinha às vezes era que por mais que essas três tivessem me tirado sentimentos fortes, avassaladores, amor de verdade eu não havia sentido ainda. Já tinha vinte e oito anos. Achava que estava na hora.
Umas noites estavam os três em casa desanimados para fazer festinhas. Rodrigo perguntou o que iríamos fazer, Gustavo respondeu que nada havia em sua cabeça e então eu dei a idéia de irmos à zona, tempo que não íamos lá, tínhamos que ver como estavam nossas eleitoras e ver se haviam chegado eleitoras novas.
Fomos à casa de dona Áurea. Uma grande festa tomou conta do puteiro quando entramos dona Áurea me deu um abraço e disse que tinha meninas novas lá e que eu iria gostar. Sentamos e pedimos cachaça, ao contrário da primeira vez em que fomos serviram cachaça mesmo e não groselha. A situação era bem diferente não éramos mais três adolescentes tímidos e sim três pessoas respeitadas e poderosas.
Sentados lá brincando, rindo, bebendo, notei uma menina no meio do salão. Era nova na casa com certeza porque nunca havia lhe visto. Parecia ser nova na idade também, loirinha estilo mignon, cara alegre e jovial, corpo bonito que chamou muito minha atenção, estava dançando com outra menina que era também nova na casa. Os homens babavam, se aproximavam e ela não lhes dava bola.
Fiquei olhando minutos para a menina e Rodrigo perguntou se havia visto assombração, que estava quieto. Apontei para ela e Gustavo falou que já tinha visto aquele meu olhar, apenas consegui falar “essa menina tem que ser minha”.
Em um momento ela foi pra dentro do corredor, voltou muito tempo depois com outra roupa e quando pensei em chegar perto um homem se antecipou e disse “vamos?”, ela deu o braço a ele e os dois saíram da casa, ela nem me reparou, fiquei ali plantado com cara de idiota com meus dois amigos rindo e galhofando de mim. Dona Áurea se aproximou e disse para que eu não me preocupasse que aquele era um cliente já marcado e ela no dia seguinte estaria lá de novo.
Continuamos na casa, mas meu pensamento estava longe, naquela menina linda com cara de esnobe, parecia uma princesa. Sandra apareceu e perguntou o que havia acontecido que eu estava com aquela cara, meus amigos disseram que eu havia sido esnobado por uma novata da casa, argumentei que era nada disso que eu nem havia tido chance de falar com ela. Nem precisei descrever a menina minha irmã logo foi falando “é a Aloemi”.
Aloemi, nome estranho, mas um nome que nunca mais esqueci. Sandra disse que só poderia ser dela que eu falava. Que ela havia chegado uma semana antes na casa e deixava os homens loucos e que eu entrasse na fila porque a concorrência seria grande. Mas eu não queria saber se era disputada ou não, queria ela.
Passei o dia seguinte todo pensando nela, nem consegui trabalhar direito. Gustavo brincou comigo falando que eu tinha que resolver aquela tara, mas eu nem sei se era tara o que sentia, aliás, nem sabia o que sentia. Só que precisava ver aquela mulher novamente.
De noite as farras de sempre. Mulheres foram lá pra casa, mas eu não estava no clima. Fiquei sentado em uma poltrona bebendo enquanto eles se divertiam. Uma das meninas presentes ainda perguntou para meus amigos se eu gostava mesmo de mulher, Gustavo respondeu que até aquela tarde pelo menos parecia gostar, mas as pessoas se enganavam.
Divertiram-se a noite toda, no fim como sempre elas foram embora e os dois sentaram no sofá ao lado da poltrona perguntando se eu estava bem, precisava de algo. Perguntei se a farra já havia acabado pra eles, responderam que sim, falei então que era hora deles me ajudarem, que iríamos à zona.
Argumentaram que estava muito tarde, era loucura sair e ir pra zona àquela hora. Respondi que não queria saber, eu iria da mesma forma e queria saber se eles iriam comigo ou não. Um olhou para o outro e disseram que sim, que um mosqueteiro não abandonava o outro.
Chegamos lá e a casa da dona Áurea já estava quase vazia, ela chegou a nós e perguntou o que fazíamos ali tão tarde, respondi que queria conhecer Aloemi e se ela estava lá, dona Áurea disse que sim e falou para que nós sentássemos.
Sentamos, eu ansioso, suava frio. Dona Áurea voltou com Aloemi e nos apresentou. Ela sorriu, trocamos beijos no rosto e perguntei se estava com sono, respondeu que não, perguntei se podíamos ir para um quarto conversar e ela aceitou. Dona Áurea acordou duas meninas para meus amigos e os seis caminharam para os quartos.
Foi maravilhoso, ela era linda nua, fizemos amor e depois ficamos na cama conversando. Perguntei de onde vinha seu nome Aloemi, ela informou que era uma contração do nome dos seus pais Alonso e Mirela, falei que era uma grande coincidência porque o meu nome também era uma contração dos nomes dos meus pais que se chamavam Doriana e Idovaldo. Aloemi curiosa perguntou qual era o meu nome e eu disse. Doido.
Aloemi gargalhou. Uma gargalhada gostosa que me acompanharia em pensamentos pro resto da vida, perguntei qual era a graça e ela me pediu que eu falasse sério, qual era o meu nome, repeti que era Doido. Ela voltou a gargalhar e pediu desculpas porque nunca havia ouvido falar de alguém com esse tipo de nome, dei uma risada e falei que o nome Aloemi também não era comum. Ela riu e concordou, disse que nossos pais eram malucos, concordei, aí ela gargalhando disse “nossos pais eram malucos..e você é Doido”.
Parecia que já nos conhecíamos faz tempo, os dois rindo, brincando. Ela contou que eu parecia um amigo dela, respondi que esperava que isso fosse coisa boa. Aloemi disse que sim porque gostava muito desse amigo. Perguntei qual era sua idade e ela me respondeu que tinha 21, não acreditei e falei que ela tinha cara de menor de idade, me jurou que tinha sim essa idade e falei tudo bem, que iria acreditar.
Depois disse que sabia várias histórias minhas, que eu era famoso, eu ri e falei que metade do que falavam de mim era mentira e a outra metade aumentaram. Ela perguntou se era verdade a história da cabra, confirmei que sim e que o rapaz que engatou na cabra estava no quarto ao lado, ela novamente gargalhou.
Estávamos no quarto ainda e começamos a ouvir uma música que vinha do salão. Era a voz de Francisco Alves, grande cantor da época que tive o prazer de ser apresentado quando morava no Rio, cantava uma música linda que eu não conhecia. Aloemi disse que amava essa música, falei que não conhecia e perguntei qual era. Falou-me que se chamava “nervos de aço”. Parei pra ouvir a canção e realmente era linda, notei que Aloemi cantarolava baixinho a canção.
Pedi que cantasse pra mim e ela rindo disse que não, que morria de vergonha, é a vida tem dessas coisas engraçadas mesmo trabalhando como prostituta, se despindo na frente de homens que nunca viu as moças de vida fácil podiam ser tímidas e Aloemi era. Pedi mais uma vez, praticamente implorei para que cantasse, ela cheia de vergonha topou.
“Há pessoas com nervos de aço
Sem sangue na veia e sem coração
Mas não sei se passando o que passo
Talvez não lhes venha qualquer reação
Eu não sei se o que trago no peito
É ciúme, despeito, amizade ou horror
Eu só sei que quando eu a vejo
Me dá um desejo de morte ou de dor “
Aloemi cantou para mim esses geniais versos de Lupicínio Rodrigues e alguma coisa deu em mim. Alguma coisa se mexeu dentro de mim que eu não sei explicar e antes que eu pudesse falar alguma coisa dona Áurea bateu na porta dizendo que o tempo havia acabado.
Saímos do quarto, Aloemi me deu um beijo no rosto e pediu para que eu voltasse, virou-se para Rodrigo e disse “bééé”, riu e entrou. Rodrigo ficou com cara de pastel e antes que dissesse algo eu e Gustavo começamos a gargalhar. Rodrigo caminhou pra porta da casa brabo e eu e Gustavo atrás rindo e repetindo o “bééé”. Dona áurea riu, falou “esses meninos” e fechou a porta da casa.
Caminhando pra casa os dois só reclamavam. Rodrigo disse que não conseguira transar só pensando que teria que ir pra câmara cedo pra uma votação importante e mal conseguiria dormir. Gustavo reclamando que estava com a mulher lá no ato quando percebeu que ela estava dormindo. Rodrigo riu e perguntou como assim, Gustavo respondeu que estava em cima dela, na atividade e notou um ronco, quando olhou estava a menina no décimo sono. Enquanto Rodrigo ria da cara do Gustavo eu assoviava “nervos de aço”. Os dois me perguntaram que música era aquela, respondi que era a música que Aloemi havia cantado pra mim.
Pararam e perguntaram como assim cantado pra mim. Continuei andando e falei que conversamos bastante, Aloemi era uma moça muito bacana, ela cantou essa música pra mim e que não iria parar ali, que ela iria se apaixonar por mim. Os dois pararam de andar novamente e me olharam espantados, continuei andando e falei que era bom continuarmos e chegarmos em casa antes de amanhecer.
Passei o dia todo pensando nela, só falava nela. Gustavo brincava comigo e falava que assim acabaria apaixonado, falei que não, que só gostava da companhia dela, mas na verdade nem eu sabia, só pensava que queria que chegasse logo à noite para que eu pudesse vê-la. De noite enquanto as meninas entravam em casa eu saía, os meus amigos perguntaram aonde eu iria e respondi. Ver Aloemi.
Cheguei lá e ela logo me viu, veio correndo ao meu encontro, me abraçou e me senti nas nuvens. Mas logo depois fui ao chão quando ela pediu que eu esperasse que ela iria atender um cliente e já voltaria.
Respondi que tudo bem, mas não estava cheio de ciúmes. Sentei-me em uma mesa enquanto Aloemi foi para o quarto com o tal cliente, pedi para dona Áurea a bebida mais forte e bebi de um gole só ao som de “nervos de aço”. Minha irmã notou sentou na minha mesa, perguntou se eu estava bem e respondi que sim, só estava bebendo um pouco e esperando por Aloemi. Sandra disse que não era boba e eu menos ainda, que eu estava com ciúmes.
Ri e falei que era nada disso, que eu estava bem e só estava realmente esperando. Sandra mandou que eu tomasse cuidado e não ferisse a principal regra do acordo prostituta x cliente que era não se apaixonar. Realmente essa era a regra principal nem um nem outro podia se apaixonar, por isso que prostituta nunca beija na boca e por incrível que pareça não existe para uma prostituta maior intimidade que o beijo na boca.
Sandra me falou tudo isso e levantou, disse que precisava trabalhar. Fiquei pensando em tudo que minha irmã disse e concordei que realmente não valia a pena, era uma situação muito complicada de lidar e decidi me levantar para ir embora quando Aloemi apareceu.
Linda, com cabelos molhados, sorriso no rosto, correndo em minha direção e beijando meu rosto. Nesse momento esqueci tudo que minha irmã me falou, abri um sorriso e perguntei “vamos?”.
E nós fomos e fomos naquela noite, todas as noites seguintes. Em uma dessas noites ela decidiu tomar coragem e falar que tinha algo pra me contar, enquanto bebia um copo de vinho falei que tudo bem ela poderia falar. Encheu-se de coragem e disse que tinha quinze anos, cuspi o vinho longe e olhei assustado pra ela, Aloemi sorriu e falou toda inocente “mas fique calmo que mês que vem faço dezesseis”.
É, ela era menor de idade, poderia me causar problemas, mas naquele momento não havia mais nada a ser feito, estava completamente apaixonado. Havia quebrado a principal norma, a que Sandra havia me alertado, me apaixonara por uma prostituta e não sabia como agir.
Marcamos um dia de nos encontrarmos fora da zona, no fim da tarde na pracinha. Comprei um relógio lindo para ela e fiquei lá esperando, esperando e ela não apareceu, fiquei furioso e decidi que não a veria mais, mas adiantou nada. Na mesma noite fui à zona, ela me viu foi ao meu encontro e pediu desculpas, disse que tinha dormido demais. Falei que tudo bem e que tinha um presente pra ela, Aloemi abriu e ficou radiante com o relógio, me abraçou e falou para passarmos a noite toda juntos e que eu não precisaria pagar.
Sentei-me à mesa e esperei a noite toda. Via a rotatividade de trabalho dela. Sandra passava por mim e falava pra ter calma, no fim da noite Aloemi cochichou algo no ouvido de dona Áurea e ela sorriu dizendo que tudo bem. Que o menino Doido podia tudo, Aloemi chegou perto de mim, estendeu a mão e disse para acompanhá-la.
Fomos para seu quarto e fizemos amor a noite toda, pela primeira vez sem que eu precisasse pagar. Depois de muito namorar ela levantou para tomar banho, saiu e notei que tinha um caderno em cima de uma mesinha ao lado da cama, parecia ser um diário, resisti o máximo possível pra ler mais ou menos uns dez segundos, até que abri o diário.
Aloemi escrevia muito bem, gostei de sua caligrafia, de seu português, no diário ela contava coisas suas do dia a dia, aflições, sonhos e falava de mim sim, que gostava muito de mim e não sabia como agir comigo. Falou também de outro rapaz, de como tinha sido boa a tarde com ele e que ele mexia com ela.
Fiquei sem saber como agir, ao mesmo tempo em que havia me decepcionado e me enchido de ciúmes eu tinha feito uma coisa feia, invadido sua privacidade. Fechei o diário, coloquei de volta na mesinha me deitei e fiquei na cama pensando no que faria. Aloemi voltou ao quarto linda, de toalha apenas e notou que eu estava mais quieto, sério e perguntou se estava tudo bem, respondi que sim, mas não estava.
Não agüentei e contei que havia lido o diário, vi que ela tinha mentido pra mim, que havia outro rapaz e ela não sabia como lidar comigo. Pedi desculpas por ter invadido sua privacidade, mas tinha invadido sim e estava confuso e com ciúmes.
Aloemi sorriu e disse que estava tudo bem por eu ter lido. Pediu desculpas pelas coisas que li, que realmente tinha mentido e saído com um rapaz. Que havia sido ótimo, mas realmente tinha sido só excitação e comigo era diferente, sentia carinho e achava que estava apaixonada. Eu não sabia o que falar, se acreditava. Nesse momento ela se aproximou e beijou minha boca, era a vez de Aloemi ferir a regra principal.
Voltei pra casa extasiado, só troquei de roupa e fui trabalhar, Gustavo deu uma de chefe e reclamou que eu não podia trabalhar daquela forma e estava focando displicente. Mas eu não queria saber de nada, só de Aloemi, vivia a minha vida doido literalmente que chegasse a noite e eu a encontrasse e como todas as noites naquela fui à zona.
Chegando lá notei sua ausência. Perguntei a dona Áurea por Aloemi e ela respondeu que eu nem perguntasse por aquela “vadia” se quisesse manter a amizade, saiu e fiquei sem entender. Nisso Sandra chega perto de mim e diz que Aloemi foi embora, brigou com dona Áurea devido a um dinheiro dela que sumiu e decidiu sair da casa. Perguntei pra minha irmã se sabia pra onde ela tinha ido e Sandra respondeu que não e que sentia muito.
Saí da zona sem chão, não tinha a mínima idéia de onde Aloemi estava e como encontrá-la. Entrei em casa triste, Gustavo e Rodrigo estavam com mulheres na sala como sempre, estranharam que cheguei tão cedo em casa e perguntaram se eu estava bem, nem respondi, fui para meu quarto e me tranquei.
Não consegui dormir, cheguei na prefeitura até mais cedo que o Gustavo e ele estranhou. Estava na minha sala fazendo meu trabalho burocraticamente e melancolicamente quando a secretária entrou e falou que era telefonema pra mim, atendi e do outro lado ouvi uma voz dizendo “oi meu Doido preferido”.
Era Aloemi, meu coração disparou. Perguntei onde ela estava, disse que tinha voltado para sua cidade Barra da Serra, sim a mesma cidade da família da Marcela, teve problemas com dona Áurea e perguntou se eu queria vê-la, respondi que claro que sim, ela me deu o endereço. Coloquei meu paletó e passei pelo Gustavo dizendo que precisava dar uma saída sem nem dar tempo dele falar nada.
Cheguei ao local e ela veio correndo me abraçar e me beijar, passamos um dia maravilhoso passeando pela cidade, no fim da tarde lembrei que no dia seguinte seria seu aniversário, perguntei onde poderia achar um telefone. Fui a uma padaria, telefonei para uns contatos em Tremembé e disse que ela iria comigo.
Chegando a Tremembé levei Aloemi pra minha casa, liguei a luz e lá estavam Sandra, Gustavo, Rodrigo e outras meninas da zona gritando surpresa. Cantamos parabéns e Aloemi ficou com lágrimas nos olhos agradecendo e dizendo que nunca havia recebido uma festa de aniversário.
Cortou o bolo ao som de “com quem será com quem será que Aloemi vai casar..”, ela colocou o pedaço num prato, virou pra mim disse que me amava e me beijou, todos aplaudiram enquanto eu emocionado lhe beijava. Foi a primeira vez que Aloemi falou que me amava e eu a amava também, como nunca tinha amado na minha vida, nem Manoela, Ericka, Paola, todas as mulheres maravilhosas e marcantes na minha vida, mas ninguém nunca havia me feito sentir o que sentia por Aloemi.
Paramos de nos beijar. Ela fez menção de me entregar o pedaço, riu e fez sinal de negativo, falou que o primeiro pedaço era dela e que nós que cortássemos pedaços pra gente. Todos riram de mim e Sandra continuou cortando os pedaços e entregando. Aloemi novamente me beijou, disse que me amava e agradeceu por ser um homem maravilhoso com ela.
Passamos uma noite maravilhosa entre amigos. No fim a convidei para meu quarto, fizemos amor e dormimos abraçados. De manhã acordei e encontrei Aloemi se arrumando e perguntei para onde ela ia, respondeu que voltaria pra Barra da Serra, tinha que batalhar algo pra trabalhar e não morrer de fome. Disse para que ela esperasse, tinha uma proposta pra lhe fazer.
Ela sentou na cama, peguei em sua mão e perguntei se ela queria morar comigo. Aloemi sorriu se disse surpresa com o convite e que era o que ela mais queria, me abraçou e nos beijamos.
De noite comunicamos aos nossos amigos a decisão e celebramos com champanhe. Aluguei uma casa perto da prefeitura para nós dois e começamos assim nossa vida de casados, a minha primeira vez como casado e com uma ex prostituta. Evidente que nossa decisão chocou a cidade de Tremembé, afrontava a “família tremembense”. Mas eu estava feliz, radiante como nunca, cada vez tinha mais certeza que Aloemi era mulher da minha vida e não me importava de onde ela veio e como a conheci. Coração não liga pra essas coisas, apenas para o que ele sente.
Vivíamos uma eterna lua de mel. Acordava e já tinha café da manhã delicioso me esperando, saía para trabalhar e ela cuidava da casa, chegava e íamos direto pro quarto fazer amor. Fazíamos passeios, íamos ao parque, até pescar ela ia comigo e enquanto eu não conseguia pescar nada ela ria, encostava-se em meu ombro e cantava pra mim.
Aloemi cantava divinamente e assim como Susana tinha o sonho de ser cantora, eu fazia músicas para ela e nossas noites era eu tocando violão e ela cantando. Também escrevia muito bem como eu já havia percebido ao ler o diário.
Um dia cheguei em casa e ela estava na mesa escrevendo. Perguntei o que era e ela contou que estava fazendo sua autobiografia. Ri e perguntei se ela não era muito nova para isso. Aloemi respondeu que apesar da pouca idade já tinha vivido muito, perguntei se poderia ver o que ela escreveu e ela me entregou a folha.
Até hoje guardo o que ela escreveu, transcrevo abaixo.
“Tinha quatorze anos quando minha avó morreu e com isso meu mundo desmoronou. Já havia perdido meu pai assassinado, minha mãe sofria de doença mental e era como se fosse uma criança, meu irmão era muito novo. Com isso restava meu tio que estava desempregado e eu.
A situação era crítica e uma noite uma amiga minha Vicky contou que iria sair com um homem por dinheiro. Perguntei como ela tinha coragem, ela respondeu que queria ganhar dinheiro para comprar roupas, sapatos e esse era o meio mais fácil. Pensei na minha situação, Vicky notou e contou que esse homem tinha um amigo e perguntou se eu queria ir junto.
Aceitei, precisava botar comida em casa. De noite encontrei os três, Vicky me apresentou a um homem bem mais velho, aspecto sujo. Fomos a um bar, bebemos e combinamos o preço.
Fomos para a casa de um deles e o tal homem velho de aspecto sujo me levou para um quarto. Pediu que eu tirasse a roupa e cheia de vergonha tirei. Deitei na cama e ele veio por cima beijando todo o meu corpo, fechei os olhos com nojo, mas pensando que minha família precisava do dinheiro. Com isso consegui me desligar do mundo por aqueles longos cinco minutos, meu corpo estava ali, minha alma não.
O mais difícil é a primeira vez. Alguns dias depois já estava com a Vicky em uma casa de prostituição. Entrei pela porta e minha infância foi embora pela janela, mas conseguia levar dinheiro pra casa, falava pro meu tio que era faxina. Um dia ele apareceu na casa atrás de mim, me olhou com um homem em uma mesa. Vi que lágrimas correram de seus olhos, mas ele disse nada, foi embora.
Na manhã seguinte entrei em casa, coloquei dinheiro na mesa e ele falou nada. Não tinha o que falar era isso ou morreríamos de fome e assim me tornei prostituta.”
Bem, era isso que estava escrito na folha, parei de ler e fiquei ali, imóvel, sem falar nada. Aloemi perguntou se estava tudo bem, se era tão ruim assim. Eu estava emocionado, com olhos marejados, que vida sofrida ela tinha.
Falei que estava ruim não, muito pelo contrário estava ótimo e que ela devia continuar, ela sorriu e agradeceu. Na verdade ela escreveu mais nada, deixou essa folha de lado e eu guardei e hoje toda amarelada ainda me acompanha.
Ela tinha outras habilidades além de cantar, escrever, fazer amor gostoso..cozinhava maravilhosamente bem, isso ela lembrava minha mãe e assim como fiz com ela vou passar pra vocês a especialidade de Aloemi.
Strogonoff de carne
- 1/2 quilo de filé mignon (cortado em tiras)
- sal
- pimenta do reino
- 4 colheres (sopa) de manteiga
- azeite
- 3 colheres (sopa) de molho inglês
- 3 colheres (sopa) de catchup
- 2 colheres (sobremesa) de mostarda
- 1/2 xícara (chá) de conhaque
- 1/2 xícara (chá) champignon fatiado
- 2 xícaras (chá) de creme de leite
modo de preparo
Temperar a carne com sal e pimenta. Em uma panela, aquecer a manteiga e o azeite e fritar a carne. Em um recipiente separado, misturar o molho inglês, o catchup e a mostarda e acrescentar na panela. Na seqüência, flambar o conhaque em uma concha e colocar na carne. Acrescentar o champignon e colocar o creme de leite com o fogo desligado.Podem fazer, fica uma delícia..ah..bom apetite
Uma noite bateram na porta, quando abri qual não foi minha surpresa ao dar de cara com meu pai. Fiquei olhando para ele e ele perguntou se não o convidaria para entrar, respondi que sim, claro e o convidei.
Ele entrou e da forma autoritária de sempre perguntou se eu queria desmoralizar a família de vez morando com uma puta. Mandei que ele respeitasse que era minha mulher e ele estava na minha casa. Meu pai jogou na minha cara que eu era a vergonha da família, sempre fazendo bobagens, não tomando rumo e o que ele tinha feito de mal para ter um filho assim.
Enchi-me de coragem e falei tudo que sentia tudo que havia de engasgado na minha garganta desde criança. Que ele era um péssimo pai, só queria saber de política, poder, dinheiro e era incapaz de dar carinho, afeto aos filhos, as esposas. Que o jeito dele tinha empurrado minha mãe para padre Pinheiro. Quando falei isso ele enfurecido veio em minha direção e levantou a mão, falei para que ele não ousasse fazer o que pensara porque como ele não me considerava mais seu filho eu não precisava respeitar e daria o troco.
Meu pai abaixou a mão, se virou e foi embora.
Assim que ele saiu Aloemi entrou em casa e perguntou quem era, respondi que era meu pai. Sentei triste no sofá e ela se aproximou fazendo carinho, nos beijamos e começamos a brincar de fazer cócegas um no outro. Nisso a aliança dela cai dentro do sofá, reviramos o sofá, colocamos de cabeça pra baixo e não achamos, nunca mais achamos a aliança e daquela situação parecia que tudo mudava.
Ela decidiu que precisava trabalhar, ocupar sua mente, foi trabalhar em um salão de cabeleleiros e chegava cada vez mais tarde em casa. Nossa vida sexual continuava boa, mas parecia que ela estava mais distante. Um dia me convidou para uma festa com amigos do trabalho, mas eu estava cansado do trabalho e não quis ir, ela foi sozinha.
Foi e demorou a voltar. Fiquei aflito pensando que poderia ter ocorrido algo, entrou a madrugada e nada dela voltar. Quase de manhã o telefone tocou e era ela, estava tudo bem silencioso na ligação não parecia ser uma festa. Aloemi pediu desculpas e disse que a festa tinha ido até muito tarde e estava indo pra casa, eu me enfureci e falei que ela não precisava mais voltar pra casa, desliguei na sua cara e me arrependi cinco segundos depois.
Sentei no sofá chorando, abri uma garrafa de uísque enchi o copo e implorei a Deus que ela ligasse de novo, não ligou. Amanheceu o dia, não fui para prefeitura, fiquei o dia todo bebendo esperando algum sinal de vida dela, chegou a tarde, a noite, nada. Até que ela abriu a porta de casa.
Fui até ela, abracei e pedi desculpas pelo jeito que agi, que não me importava mais com a demora na festa e queria ficar bem com ela. Aloemi estava fria, parecia não se importar com o que disse. Falou que tinha ido apenas para buscar suas coisas, que seu tio estava com um carro do lado de fora lhe esperando.
Me desesperei, falei que ela não podia me deixar que eu a amava e nós éramos felizes. Aloemi virou para mim e falou que não me amava mais e que era o melhor para nós dois. Perguntei se tinha aparecido alguém em sua vida e ela falou que não apenas que não me amava mais. Falei mais nada, sentei no sofá chorando enquanto ela entrou em nosso quarto para arrumar sua mala.
Fiquei lá chorando como uma criança, como não chorava desde as mortes da minha mãe e do Tadeu. Aloemi saiu do quarto com a mala, abaixou me deu um beijo na testa e pediu que eu ficasse bem. Ainda implorei pela última vez para que ela ficasse.
Ela sentou no sofá, fez um carinho no meu rosto, enxugou minhas lágrimas e falou que eu era um homem maravilhoso, forte e não merecia que alguém ficasse com ele por pena. Perguntou se eu saberia viver com alguém que só estaria comigo por pena, abaixei a cabeça e disse baixinho que não. Ela ergueu minha cabeça, deu um beijo em meu rosto, disse “se cuida” levantou, abriu a porta e foi embora levando meu coração junto.
Assim que a porta se fechou meu choro aumentou de intensidade, virou um choro desesperado. O amor tem dessas curiosidades, eu que já havia perdido meu avô querido, minha mãe, meu irmão, tantas perdas na vida nunca havia sentido a dor que sentira naquele momento, era uma coisa forte, doída, uma vontade louca de morrer. Como iria conseguir viver sem aquela mulher? Ela que me ensinou o que era o amor e agora eu teria que aprender a não amá-la mais? Como? Impossível..
Fiquei como zumbi na sala chorando e bebendo, sentei-me à mesa, peguei papel, caneta e decidi escrever uma poesia pra ela
ALOEMI
Fico sentada em um canto
Observando
Quem quer me possuir
Dê-me um trocado
Me leve pro quarto
Só não peça pra eu sorrir
Mas antes me pague
Um gim, um excitante
Que torne minha vida
Um pouco menos sufocante
Assim não ficas sozinho
Faço-te um carinho
Para que se sintas importante
Dois solitários dividindo uma cama
Não é meu nome que você chama
Nem meu corpo queria tocar
Mas to aqui pro que der e vier
Por isso sou a melhor do cabaré
A que todos querem pagar
Desejada, cobiçada
Triste, mal amada
Assim vivo minha vida
Possuem meu corpo
Mas a minha alma
Está sempre vestida
Beijas meus seios
Fecho os olhos no alento
De que falta pouco
Para acabar o tempo
Sou puta, sou louca
Mas não lhe beijo a boca
Isso só meu amor
Espero o tempo que for
Ele há de chegar
Espero o tempo que for
Daqui ele vai me levar..
Bateram na porta, mas eu não atendi, socavam, esmurravam e eu não atendi, até que arrombaram. Encontraram-me sentado no sofá quieto, pálido, parecia um morto vivo, perguntaram o que acontecia, eu só balbuciava “Aloemi, Aloemi”. Rodrigo perguntava o que fazer a Gustavo que não poderiam me deixar assim. Gustavo respondeu mandando que eu colocasse uma roupa porque iríamos atrás dela. Perguntou se eu sabia exatamente onde era a casa dela respondi que não, ele disse então que não importava, nós acharíamos.
Rodamos Barra da Serra toda atrás de Aloemi, de sua casa, depois de percorrermos a cidade o dia todo perguntando a todos se sabiam conseguimos localizar a casa. Paramos o carro próximo a residência, uma casa bem humilde.
Gustavo disse “agora é contigo”. Enchi-me de coragem, saí do carro e quando caminhava para perto da casa Aloemi saiu de dentro dela, parecia esperar alguém. Nisso um carro para bem em frente da casa, um homem abre a porta do carona. Ela entra, o beija na boca e o carro parte.
Meu corpo gelou no momento parecia que o chão tinha sumido, lágrimas corriam da minha face. Meus amigos saíram correndo do carro e me puxaram para dentro dele dizendo para irmos embora. Entrei no carro chorando e assim como quando a conheci não consegui chegar perto dela outro homem chegou antes e a levou de mim. Gustavo mandou que eu levantasse a cabeça, que eu era um homem forte e iria superar, ligou o rádio e nele tocava...
“Você sabe o que é ter um amor, meu senhor?
Ter loucura por uma mulher
E depois encontrar esse amor, meu senhor,
Ao lado de um tipo qualquer?
Ter loucura por uma mulher
E depois encontrar esse amor, meu senhor,
Ao lado de um tipo qualquer?
Você sabe o que é ter um amor, meu senhor
E por ele quase morrer
E depois encontrá-lo em um braço,
Que nem um pedaço do seu pode ser?”
E por ele quase morrer
E depois encontrá-lo em um braço,
Que nem um pedaço do seu pode ser?”
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