UM BEIJO DESSE INFIEL
Posso dizer que Marília Mendonça é uma das melhores artistas que não conheci.
Pois é, a frase ficou esquisita, mas faz todo sentido. Não sou apreciador do gênero sertanejo, minha praia é outra, então não conhecia muito a obra da artista. Confesso que se a visse num restaurante em Copacabana provavelmente só saberia quem é porque certamente provocaria aglomeração. Mas isso é apenas gosto musical, não falo para desmerecer a artista, soar arrogante ou dizer que tenho gosto intelectual, nada disso, gosto de muita coisa também que comprova que meu gosto tem nada de especial.
Apenas são fatos. Não conhecia a fundo, mas não serei arrogante, como muitos estão sendo, de dizer que não conhecia, nunca ouvira falar e nem conhecia sua obra. Uma pessoa que diz isso está completamente fora de órbita, é um lunático.
Dito isso vamos parar de falar de mim e falar dela até porque muitos estão falando mais de si que dela ao falar da artista que se foi. Lamento que por não ser fã do gênero sertanejo não tenha acompanhado melhor essa artista popular e talentosa em uma época que é difícil juntas as duas coisas, Marília conseguiu.
Ela inventou um gênero musical, um estilo de composições que é filho de um outro gênero famosíssimo no país e que andava esquecido, a dor de cotovelo. Podemos dizer que Marília é neta de Lupicínio Rodrigues e filha de Maysa musicalmente, mas como na vida não quer dizer que ao termos filiações sejamos iguais, o DNA de ninguém é igual a do outro, Marília fez da dor de cotovelo algo empoderado, de falar de igual para igual com o homem e fez daquilo um levante na vida de muitas mulheres. Marília é uma das poucas coach que deu certo.
Muitos torciam o nariz pra suas letras esquecendo que Lupicínio cantava "Você sabe o que é ter um amor meu senhor, ter loucura por uma mulher e depois encontrar esse amor meu senhor nos braços de um tipo qualquer" ou mesmo a canção "O ébrio" cantada por Vicente Celestino "Tornei-me um ébrio na bebida, busco esquecer, aquela ingrata que eu amava e que me abandonou, apedrejado pelas ruas vivo a sofrer, não tenho lar e nem parentes, tudo terminou". Essa música de 75 anos atrás tem diferença para "E o preço que eu pago é nunca ser amada de verdade, ninguém me respeita nessa cidade, amante não tem lar, amante nunca vai casar"? Tem, a segunda é melhor. Ébrio é piegas demais, Marília é divertida.
Amigo. Gil, Caetano e Gal falaram bem dela como artista, você tem todo o direito de não gostar, mas tem que respeitar.
E eu respeito. Respeito a grande compositora que soube falar sobre sua época e isso é fundamental para um escritor. Respeito a voz potente, respeito seu talento e é isso que importa. Se ela era gordinha não importa a ninguém e só reflete outro mal de nossa época, o mal da aparência física, o mal da quantidade de seguidores no Instagram para conseguir papel artístico, o mal da forma de se expor contar mais que o talento.
Relutei a escrever esse texto porque não serei hipócrita. Continuarei ouvindo pouco sertanejo e não curto a maioria das músicas não só do gênero, mas as atuais como um todo e isso desde a tragédia com Marília se tornou proibido. Curioso que a galera que metia o pau no gênero chamando de machista, bolsominion e que só se estabelecia por "jabá" agora tem que ser gostado porque quem não gosta não entende de cultura popular é intelectualóide. Essa patrulha faz parte da esquerda, esquerda na qual integro, que quer definir a forma de todos pensarem e quem não pensar igual é cancelado. Assim como a Marília é neta e filha musical de artistas lendários essa galera é filha e neta daqueles que perseguiram Wilson Simonal até acabar com sua vida, mas esse assunto é pra outro dia.
Decidi, mesmo relutando, escrever porque tinha que me redimir com a Marília e pedir desculpas. Sim, esse texto tem um quê de pedido de desculpas. Desculpas por não perceber dentro de algo que não faz parte da minha vida alguém que diz tanto sobre ela. Afinal, quem um dia já não quis quem não lhe quis e dispensou quem lhe queria trazendo sofrimento a todos?
Valeu Marília. A vantagem é que tenho todo o tempo que ainda me resta pra conhecer melhor sua obra. Tem artistas que começamos a amar e se tornam maiores depois da partida. Acho que você será uma delas. Descanse em paz e desculpe, mais uma vez, por essa infidelidade.
Um beijo desse infiel..
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