AS MULHERES DE ADÃO: CAPÍTULO IV - CARLA


Minha relação amorosa com a Bia acabou ali, mas amizade, carinho e respeito não.

Desde o dia que a vi no pátio do colégio, passando pelo momento de nosso casamento frustrado até aquele em que eu estava no caixão com ela velando meu corpo Bia e eu nunca nos separamos. Não tenho dúvida em afirmar que foi a mulher da minha vida.

Minha despedida prosseguia com meu pai e minha mãe num animado debate sobre pra onde minha alma foi.

Meu pai falava que fui pra um lugar bem rock`n roll e naquele momento estaria fumando um baseado com Raul Seixas, minha mãe que eu fui pra um lugar descampado onde todos vestiam branco como nas histórias do Chico Xavier e tio Freitoca pra lá de Bagdá chegou e falou que eu estava no inferno abraçado ao capeta.

Mas eu estava no coração da Bia, a moça vestida de noiva e de olhar triste cujo olhar refletia minha imagem.

Nisso uns homens de terno, gravata e óculos escuros entraram na capela falando através de um rádio que “a área estava segura”.

 Ninguém entendeu nada até entrar o governador do estado do Rio de Janeiro. Virou para o público e disse que ali estava um grande carioca que sempre trabalhou pelo avanço do Rio de Janeiro e que merecia todas as honras.

Todos olhavam com espanto o discurso emocionado do governador que falava de minhas qualidades, coragem e luta pelo social. No fim arrancou aplausos e contou que estava em campanha pra reeleição e distribuiria seus “santinhos” de campanha.

Enquanto os seguranças e cabos eleitorais distribuíam os “santinhos” o telefone do governador tocou e ele atendeu. Era o presidente da república!!

É amigo, eu não era pouca porcaria.

No telefone o governador confirmava para o presidente que estava no velório e que ele ficasse tranquilo que passaria suas condolências para a família.

Desligou o telefone e voltou a discursar que meu assassinato não seria em vão e o governo atuaria em seu máximo pra punir meus executores. Ninguém entendeu nada e tio Freitoca levantou a voz pra falar que eu não fui assassinado, tive um “siricutico”.

O governador não entendeu nada e perguntou se ali não era o velório de Paulo Baltazar, chefe de uma ONG assassinado por milicianos e o povo respondeu que não, eu era Adão Nascimento, jornalista e escritor que morreu numa síncope.

O governador soltou um “puta que pariu, entrei no velório errado” e mandou que seus assessores pegassem os “santinhos” de volta porque era uma campanha pobre.

Enquanto os assessores pegavam de volta os “santinhos” com o povo uma moça entrou com um cavalete e uma tela.

Colocou em frente do caixão. A tela em cima do cavalete. Tinta,, pincel e começou a pintar.

Ninguém entendeu nada e as pessoas se aproximaram pra ver o que ela pintava. Quando viram a moça pintava a minha imagem no caixão. Percebendo o espanto do público ela contou que foi minha aluna de pintura e prestaria uma homenagem a mim.

Jeito meio esquisito de homenagear alguém, mas nada nesse velório estava normal.

Voltando no tempo Bia saiu da igreja e foi direto pro aeroporto ainda com vestido de noiva. Embarcou pra Nova York pra tentar a vida largando pra trás faculdade, parentes, amigos e a mim.

Mas a mim nem tanto já que sempre nos falávamos por telefone e trocávamos cartas onde contávamos as novidades um do outro.

Alguém teve que devolver os presentes de casamento e como Bia se mandou sobrou pra mim. Fui pro apartamento e lá se formou uma fila de convidados do casório pra pegar tudo de volta. Ainda tentei ficar com uma máquina de lavar que tinha achado ótima, mas não rolou.

Iria devolver o apartamento, mas mudei de ideia. Um apê legal com dois quartos, sala, banheiro e vista pro mar. Eu tinha uma grana guardada e topei o desafio da mudança e sair das asas de meus pais como Bia tanto queria.

Contei a novidade pra ela que vibrou. Convidei Edu pra morar comigo e meu amigo topou.

Viramos Ipanema pelo avesso, os garotos de Ipanema. Festas, noitadas, bebedeiras, mulheres. A vida estava muito boa, mas as contas chegavam. Edu arrumou emprego em um banco. Eu também precisava, mas não sabia fazer nada.

Edu lembrou que eu sabia desenhar e gostava de pintar me dando a ideia de dar aulas de pintura. No começo não gostei  achando que daria em nada, mas Bia por telefone me incentivou e topei.

Um amigo de meu pai me convidou para dar aulas em sua escola e eu aceitei. Por uma grande coincidência só mulheres se inscreveram no curso. No começo dava aulas para três apenas, mas com o tempo foi aumentando até chegar a quarenta.

Gostava de ir pra rua com elas e nossas telas e pintar monumentos públicos, paisagens. O Rio de Janeiro é uma cidade linda com muitas opções belas de pintura. Pintávamos desde a igreja da Candelária até o por do Sol no Arpoador.

E eu era um professor dedicado, colocava esmero e carinho nas minhas aulas, isso fazia com que as meninas gostassem de mim. Bem, acho que não só isso, mas minha timidez e humildade não deixam que eu fale mais sobre. Gostavam tanto das minhas aulas que começaram a frequentar meu apartamento pra aulas particulares.

A primeira que foi depois da aula perguntou se eu já pintara pessoas. Respondi que sim, mas não era minha especialidade. Depois perguntou se já pintara pessoas nuas e tirou a roupa ficando completamente pelada.

Até deixei cair o pincel com a cena. A moça deitou-se no meu sofá e falou para que eu a pintasse. Peguei o pincel no chão e comecei a pintar. Uma grande tensão erótica tomava conta do ambiente, eu olhava pra ela, aquele corpo delicioso e pintava.

No fim mostrei como ficou pra ela que gostou, colocou a tela num canto e me puxou pro sofá onde transamos loucamente.

Parece que fui bem pintando corpos nus, porque a propaganda boca a boca se espalhou e várias alunas foram à minha casa pra aulas particulares. Foi uma loucura, um grande entra e sai de mulheres, eu pintando todas e depois transando. Haja pincel!!

Um dia apareceu um casal na minha casa. Ele se apresentou como Dirceu e ela Carla. Educadamente cumprimentei e perguntei o que eles queriam. Dirceu contou que sabia que eu fazia pintura de nus, eles comemorariam dez anos de casamento e ele queria dar um presente pra ela, uma pintura.

Engoli em seco e falei que não entendera direito, pra ele me explicar melhor. Dirceu contou que queria que eu pintasse sua mulher nua. Olhei pra ele, ficamos os três nos olhando em um silêncio constrangedor quando Dirceu gargalhou.

Eu e Carla gargalhamos juntos. Achei que fosse gozação e relaxei pensando que era tudo uma brincadeira, Dirceu então perguntou se eu pintaria ou não e antes que eu falasse algo ele mostrou um belo bolo de dinheiro que me convenceu na hora.

Carla era uma loira bronzeada, gatíssima, corpo escultural e tirou a roupa ali na nossa frente. Fiquei boquiaberto enquanto Dirceu perguntava qual era o melhor lugar pra ela ficar. Respondi baixinho “ minha cama”, ele perguntou “como?” percebi a besteira que disse e respondi sentada na cadeira.

Ela sentou na cadeira do lado contrário se apoiando na cabeceira. Poucas vezes fiquei tão excitado na minha vida. O quadro ficou maravilhoso, o casal agradeceu, se despediu e foi embora.  

Naquela noite chuvosa Edu saiu pra namorar e eu fiquei em casa ouvindo Barry White e tomando um vinhozinho sozinho. Liguei para Bia pra disfarçar minha solidão, mas caiu na secretária eletrônica. Devia estar curtindo a vida, me esquecendo.

A campainha tocou e abri a porta. Era Carla com um roupão, champanhe na mão e duas taças na outra. Perguntei se estava tudo bem, se tinha algo errado com o quadro. Ela respondeu que não e foi entrando.

Perguntei por Dirceu antes de fechar a porta e ela disse que estava roncando no sofá no décimo sono. Entregou-me o champanhe e pediu pra eu abrir.

Abri e enchi as duas taças, bebemos sem falar nada. Ela colocou sua taça na mesa, abriu o roupão e jogou no chão ficando nua e me beijou.

Transamos ali mesmo no chão ao som de Barry White. A noite toda, todas as posições possíveis. A mulher era um vulcão e me deixou completamente louco.

Depois que foi embora fiquei ali estatelado no chão com sorriso nos lábios pensando “que mulher!!”.

Deitei na minha cama e não conseguia dormir pensando em Carla. Notei que Edu chegou e corri pra contar ao meu amigo o que ocorrera. Contei todos os detalhes e ele pediu que eu tomasse cuidado porque ela era casada e poderia ter problemas.

Eu nem sabia se veria aquela mulher novamente, mas não demorou muito pra que tivesse notícias dela. Um pouco depois tocaram a campainha, Edu atendeu e era um homem com uma cesta farta com café da manhã. Ele perguntou se era ali que morava o Adão.

Fui até a porta, o homem me entregou a cesta e Edu deu uma gorjeta. Em cima havia um bilhete escrito “delícia, adorei a noite”.

Botei a cesta na mesa rindo, Edu atrás de mim dizia “cara, isso vai dar merda”.

Naquela mesma tarde recebi um buquê de flores com um bilhete escrito “delícia, quero mais”.

E teve mais, fiquei amigo do casal. Dirceu era podre de rico e sempre me convidava pra sair com eles. Não eram raros os passeios de iate em que levavam amigos e eu dava uma rapidinha com ela escondido no barco.

Nosso caso era gostoso, louco, excitante, perigoso. Aquela mulher era demais. Nós mal conseguíamos disfarçar a excitação que sentíamos quando estávamos juntos, mesmo na frente dos outros.

Eu perguntava pra ela como Dirceu não desconfiava de nada, não era possível e ela só ria.

Eu sempre frequentava a casa dos meus pais e pedia pra minha mãe tirar cartas pra mim. Ela tirou e mandou que eu tomasse cuidado porque passava por perigo. Tirou a carta da morte e me espantei, perguntei que perigo era esse e minha mãe respondeu que eu teria que descobrir sozinho.

Alguns dias depois Carla foi ao apartamento e quando a puxei pra dentro pra beijá-la ela falou que naquele momento não queria isso e sim que eu a acompanhasse pelo lado de fora. Perguntei “lá fora aonde” e ela me puxando respondeu para irmos à garagem.

Chegando lá vi um carro prata lindo importado com uma fitinha amarrada e perguntei o que significava aquilo. Ela sorridente pegou uma chave e me entregou dizendo “é seu”.

Tomei um susto e perguntei que brincadeira era aquela. Carla riu e respondeu que tinha brincadeira nenhuma era meu mesmo e que eu aproveitasse o presente.

Falei que não era meu aniversário nem nada e Carla mandou que eu parasse de frescura e fosse ver o carro. Fui até ele, abri a porta, liguei e o ruído do carro era maravilhoso.

Carla debruçou-se na janela e falou “lindo né?”. Eu nem encontrava palavras, agradeci e falei que não esperava um presente assim, que devia ser caro demais. Ela riu e mandou que eu não me preocupasse porque Dirceu tinha muito dinheiro.

Naquele momento lembrei-me de Dirceu e falei que não poderia aceitar o presente, ele iria desconfiar e daria problemas pra nós. Carla mandou que eu não me preocupasse porque foi ele mesmo que escolheu o modelo.

Entendi nada e fiquei com aquilo na cabeça.

Como assim ele escolheu? O que acontecia afinal? Liguei pra Bia e contei tudo que ocorria e ela mandou que me livrasse do carro e de Carla porque era furada.

Carla começava a ficar ciumenta demais. Chegou um dia no apê, foi entrando e enchendo de tapas uma menina nua que eu pintava. Expulsou a menina e jogou as roupas dela no lado de fora fechando a porta com violência. Virou pra mim me deu um tapa no rosto e falou que eu não sabia com quem tava lidando beijando minha boca depois.

Graças ao conhecimento dela com o dono da escola de pintura fui demitido. Carla mandou que não me preocupasse porque era rica e me sustentaria. Aquilo já me incomodava demais.

Uma noite bateu na porta com violência, desespero nem tocando a campainha. Abri a porta correndo só de cueca e ela me abraçou chorando e nervosa.

Peguei um copo de água e ela se sentou. Perguntei o que ocorria e ela me contou que Dirceu não queria mais o nosso caso.

Peguei o copo dela nervoso, dei um gole e perguntei “como assim ele não quer mais? Ele sabe?”. Carla com cara de desdém respondeu que era claro que ele sabia, a ideia foi dele.

Eu não entendia nada. Carla contou que ele não podia ter filhos e já sabia de minha fama de mulherengo então teve a ideia que ela tivesse um caso comigo e engravidasse para eles terem uma criança, mas o plano deu errado porque ela se apaixonou.

Eu estupefato ainda tentava digerir aquelas informações quando ela levantou, disse que nada iria separar a gente e foi embora.

No dia seguinte vi que na TV que o Dirceu morreu num acidente de carro.

Acordei o Edu contando e perguntando o que faria. Edu mandou que eu fugisse para as colinas.

Mas em vez disso fui à casa do casal procurar Carla.

Ela me atendeu vestida de preto, mas calma. A me ver me deu um abraço e falou que nada mais atrapalharia nosso amor. Soltei-me e falei que ela estava louca e precisava de tratamento.

Carla contou que seu tratamento era eu e que me amava. Tentava me soltar dela dizendo que não dava mais pra ficarmos juntos e eu estava ali pra acabar com nossa relação. Carla se ajoelhou puxando minha perna e implorando para que eu não a deixasse, mas consegui me desvencilhar e fui embora deixando lá o carro que me deu de presente.

Ela me ligava direto implorando pra voltar. Chegou um momento que eu não atendia mais seus telefonemas. Ia ao meu apartamento fazer escândalo e falar que me amava e assim comecei a ter problemas no prédio. Seguia-me nas ruas.

Uma noite cheguei em casa e notei barulho de água como se a banheira estivesse ligada. Fui ao banheiro e vi a água transbordando na banheira e nele meu coelhinho de pelúcia rasgado e jogado. Na parede escrito com batom “se você não for meu será de mais ninguém.”.

Peguei o Biro-Biro da banheira, abracei chorando meu coelhinho de pelúcia e comecei a ficar preocupado.

Preocupação que só aumentou quando ao chegar à frente do meu prédio uma noite notar uma aglomeração e ao olhar pra cima ver um homem pelado do lado de fora da janela amarrado num lençol gritando socorro.

Olhei mais atentamente e percebi que era a janela do meu apartamento e o amarrado era o Edu!! Passei pelo cerco policial e entrei correndo no prédio.

Ao entrar no apartamento vi os policiais puxando Edu de volta pra dentro. Perguntei o que tinha ocorrido e meu amigo contou que uns caras encapuzados entraram lá, acharam que ele fosse eu e o amarraram do lado de fora com a outra ponta presa numa cadeira.

Eu sabia de onde tinha partido aquilo e tinha que resolver.

Chamei Carla ao apartamento pra conversarmos, contei pra ela que não precisava ser assim, podíamos ser amigos. Carla parecia serena. Como na primeira vez levou uma garrafa de champanhe e concordou comigo dizendo que devíamos agir como adultos maduros.

Fiquei aliviado com o problema encerrado. Carla pediu para que eu pegasse duas taças pra brindarmos nossa amizade e concordei. Quando me virei pra pegar ela me acertou a cabeça com a garrafa.

Apaguei e acordei pelado na cama amarrado. Olhei pra frente e vi Carla com uma tela pintando. Perguntei o que ela fazia e ela contou que era a vez dela ser a pintora e eu modelo.

Terminou de pintar e me mostrou. Até que ela pintou bem, mas estranhei que faltava algo no meu corpo. Carla olhou e falou “é mesmo, falta o pênis, vai ver porque você não terá mas um”.

Falou e pegou um facão.                                                          

Dei um grito e nesse momento Edu entrou com a polícia que apontou suas armas pra Carla e mandou que ela largasse o facão. Carla largou enquanto Edu me desamarrava e eu olhava pra baixo dizendo “se safou companheiro”.

Carla foi presa acusada do assassinato do Dirceu e eu achei melhor me aposentar da pintura.

Uma tarde eu relaxava num quiosque na beira da praia quando um casal perguntou se poderia sentar à mesa. Concordei. O homem então falou que sabia que eu pintava quadros perguntando se eu poderia pintar um.

Traumatizado levantei, deixei um dinheiro na mesa pra pagar meu suco e saí correndo. O homem virou pra esposa e falou ”terei que contratar outro pra pintar minha avó”.


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BIA

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