DINASTIA - CAPÍTULO VIII - RECOMEÇO




“Pepe, entre logo para tomar banho, football não vai te levar a lugar nenhum!!”

Essa era Dora gritando da porta de casa para Giuseppe Granata. Giuseppe era seu nome de batismo, mas ninguém lhe conhecia pelo nome. Ele era o italianinho, o Pepe Granata.

Pepe adorava aquele novo esporte, o football e ficava até altas horas da noite brincando com os meninos da rua e só parava quando seu pai, Salvatore Granata, chegava.

Pepe parava tudo ao ver a aproximação do pai e corria a seu encontro dando um esfuziante abraço. Salvatore era seu ídolo.

E o homem batalhava duro no restaurante da família. Chegava sempre tarde, com aspecto cansado, mas renovava sua energia ao ver o primogênito. O abraço com a expressão “saudade papa” retribuído com um beijo e o dizer “meu bambino”.     

Com Pepe lhe puxando pela mão Salvatore entrava em casa. Recebia um beijo da esposa que mandava o homem descansar no sofá que o jantar já seria servido. Lá Oscar e Giuliana encontravam o pai sentando em seu colo e perguntando como foi o dia.

Salvatore contava, perguntava como foi o dos filhos e logo depois Oscar e Giuliana levantavam para ajudar a mãe a arrumar a mesa para a janta.

Pepe, que era o mais “rueiro” chegava todo sujo em casa e ia ao banho, muitas vezes a mãe invadia o banheiro e lhe passava esfregão para tirar o cascão.

Depois do banho Pepe se aproximava da mãe e dizia estar pronto. Dora olhava atrás das orelhas do menino e ao ver que estava tudo ok deixava que ele sentasse à mesa.  

Os meninos sentavam a mesa e Dora chamava Salvatore para se juntar à família. Não raro a mulher encontrava o marido dormindo no sofá.

Dora dava um beijo na cabeça do marido, acariciava seus cabelos e lhe convidada para a janta. Algumas vezes Antonieta, mãe de Salvatore, se juntava a todos para comer.

E no clima de muita alegria todos se sentavam à mesa. Pão, fartura de comida, taça de vinho de lei de Salvatore. Antes da comilança o homem puxava a reza, ensinada por seu pai Benito Granata.  

Depois da reza parecia uma festa. Como toda boa família italiana todos falavam ao mesmo tempo e nos raros momentos de silêncio as crianças perguntavam a Salvatore como era a vida em Nápoles. O homem todo orgulhoso contava a mesma história pelo menos três vezes por semana.

Depois do jantar geralmente Pepe ficava de castigo na mesa por não ter feito o dever de casa. O menino ficava sozinho fazendo o trabalho quando todos já foram dormir, mas o pai aparecia pra salvar.  

Salvatore se aproximava e mandava o menino ir dormir e fazer o serviço na sala de aula antes que a mesma começasse. O menino dava um abraço no pai, dizia que lhe amava e ia dormir.

E não era da boca pra fora, amava mesmo.

Eram companheiros na hora do football, de soltar pipa, jogar bolinhas de gude, soltar pião e o pai ensinou Pepe a magia do carteado, pra desespero da mãe, e a jogar sinuca.

Não foram raras as vezes que Pepe saindo da escola em vez de ir pra casa brincar foi ao restaurante da família ajudar o pai. Trabalhava como garçom, na contabilidade, lavava louças, tudo para ajudar o pai e depois os dois voltavam cansados e felizes para casa.

Também teve vezes que os dois em vez de deitarem para dormir depois da janta colocavam cadeiras no lado de fora da casa para observar a Lua. Pepe pegou do pai o amor por ela e Salvatore contava a um filho em estado de encantamento como era a Lua de Nápoles e que era a Lua mais bonita do mundo.

Pepe pegou do pai o mesmo amadurecimento precoce. Salvatore desde pequeno foi o braço direito de Benito, trabalhava com o pai e participava das decisões de família como a decisão de tentar a vida no Brasil. Pepe era como o pai, corajoso e não fugia da responsabilidade e foi assim quando foi preciso.

Uma noite acordou para beber água e viu seus pais conversando na sala no escuro. Sua mãe chorava e seu pai estava quieto com a cabeça abaixada. Pepe decidiu se esconder pra descobrir o que ocorria.

Depois de um tempo em silêncio Salvatore contou a Dora que não havia outra solução. A mulher se lamentava alegando que aquilo era retroagir, voltar ao início de tudo, mas Salvatore prometeu a esposa que seria temporário e iriam se reerguer.

Pepe continuou escondido e ouvindo. Dessa forma descobriu que a família passava por graves dificuldades financeiras e se via obrigada a vender o restaurante e a casa. Dora não se conformava e Salvatore tentava consolar a esposa. Pepe achou melhor não atrapalhar a conversa dos adultos e deitou-se.

Deitou, mas não conseguiu dormir. Virava de um lado para outro na cama pensando no problema da família e que queria ajudar de alguma forma. Ainda era pré-adolescente e não sabia como, mas o sangue dos Granata corria em sua veia, sangue de quem não foge a luta.

No dia seguinte no café da manhã o clima era tenso. Salvatore pediu a palavra e disse que tinha algo a contar. Molhando o pão no café como se nada tivesse acontecendo Pepe respondeu que sabia o que era, a família passava dificuldades e teria que vender tudo.  

Salvatore se surpreendeu com a resposta do filho e perguntou como ele sabia de toda a história. Pepe pediu desculpas e contou que ouvira a conversa entre os pais de madrugada. Dora irritada disse que o filho fez uma coisa muito feia e Salvatore de forma serena respondeu que era isso mesmo, o filho estava certo.

Continuou a explicação dizendo que já arrumara compradores pra casa e pro restaurante e dessa forma pagaria dívidas contraídas desde o tempo de seu pai e que pioraram com as dificuldades financeiras do país. Não sobraria muito para eles, mas que ele daria um jeito.

Pepe perguntou qual solução o pai daria e Salvatore respondeu que eles iriam morar com a avó Antonieta durante um tempo e que ele tinha arrumado emprego no porto de Santos, seria estivador.

Oscar se espantou e perguntou se o pai iria embora e Salvatore respondeu que não. Apenas trabalharia em Santos e viria sempre que pudesse. Giuliana começou a chorar e pediu que o pai não fosse embora.

Salvatore chamou os filhos a seu encontro e abraçou Oscar e Giuliana prometendo que as coisas melhorariam e ele voltaria logo pra casa. Pepe ficou parado apenas observando o pai e Salvatore perguntou a seu primogênito não lhe daria um abraço.

Pepe se levantou e andou em direção a Salvatore, mas parou no meio do caminho e em vez de abraçar o pai saiu correndo de casa.

Salvatore ainda gritou pelo menino, mas do lado de fora Pepe pegou a bicicleta e saiu em disparada. Andou..Andou muito de bicicleta atravessando boa parte da cidade, depois de cansar de pedalar parou no rio Tietê.

Observou a Lua, as estrelas e deitou ali mesmo. Uma lágrima caiu da sua face pensando na saudade que sentiria do pai e com medo que ele nunca mais voltasse.

Baixinho Pepe cantou a música que aprendera com o pai a “Mérica, mérica, mérica” e pegou no sono.

Acordou abruptamente com um homem lhe empurrando e dizendo que ali era seu lugar. Olhou assustado e deu um salto quando viu um homem sujo, barbudo e com roupas rasgadas reclamando sua presença.

Pepe espantado pediu desculpas e o homem perguntou se ele tinha essa mania sempre de invadir a casa dos outros. Pepe não sabia, mas daquela forma conhecia o primeiro mendigo de sua vida e na inocência de criança disse não entender como alguém morava na rua.

O homem respondeu que não morava há muito tempo ali. Sentou-se ao lado de Pepe e contou que tinha uma casa e um emprego, mas com a crise financeira perdeu tudo, sua mulher foi embora e ele começou a beber.   

Perguntou se ele queria um pouco de cachaça e Pepe recusou. O homem continuou dizendo que a cachaça tornara-se sua melhor amiga depois que perdeu tudo. Não teve forças para correr atrás de sua família, outro emprego e a melhor coisa que poderia fazer era morar na rua. 

Pepe lembrou-se de seu pai e contou que ele passava pelo mesmo, perdeu a casa e o trabalho. O homem perguntou se ele também tinha ido morar na rua e Pepe respondeu que não, arrumara emprego em Santos.

O mendigo comentou que o menino devia se sentir muito orgulhoso por ter um pai de tanta fibra. Envergonhado Pepe abaixou os olhos e respondeu que sim. O homem disse que tinha gostado de Pepe e comentou que ele podia dormir lá se quisesse.

Pepe agradeceu, mas respondeu que tinha que resolver uma situação. Pegou a bicicleta e foi pra casa.

Pedalou bastante até chegar em casa. Ao chegar encontrou a mãe aflita conversando com o comissário de polícia. Dora viu Pepe entrar e nervosa lhe deu um abraço comentando que pensou que algo acontecera com ele. Pepe respondeu que estava tudo bem e depois baixou o espírito de mãe com Dora pegando o menino pela orelha e mandando que tomasse banho, pois, tinham muito a conversar.

Mais tarde Salvatore entrou tenso na casa contando a Dora que não encontrara nenhum sinal de Pepe quando a esposa comentou que estava tudo bem e o menino já estava em casa dormindo.

Aliviado Salvatore foi até o quarto do filho e viu Pepe descansando. Entrou, fez um carinho em seu cabelo, beijou-lhe a cabeça e disse “Meu pequeno Granata, puxou nosso sangue italiano”. Logo depois saiu do quarto.

No dia seguinte estavam todos na estação de trem se despedindo do patriarca dos Granata. Salvatore beijou a todos. Giuliana, Dora e Oscar prometendo que voltaria em breve com dinheiro para que recomeçassem suas vidas.

Em Pepe deu um forte abraço, contou que agora ele era o homem da família e contava com o menino para que tudo desse certo.

O trem com Salvatore partiu e Pepe viu que sua vida nunca mais seria a mesma.

No mesmo dia a família foi morar com Antonieta que já era uma senhora que precisava de ajuda. A senhora alojou os familiares em quartos e depois todos conversavam na sala sobre a situação de Salvatore tendo que mais uma vez recomeçar.

Pepe estava com a cabeça longe, no pai e nem ouvia direito sobre o que os familiares conversavam. Pensava em tudo que o pai já dissera a ele e sobre a última frase. Que ele era o homem da família.

No momento que Pepe pensava no fato de ter que virar homem foi acordado do transe com uma voz feminina perguntando aos presentes se queriam café.

Pepe olhou e era uma mulher maravilhosa. Cabelos negros, pele branca, olhos amendoados, profundos, boca carnuda e com um pequeno decote que realçava seus seios grandes, a mulher devia ter uns trinta anos e era a acompanhante de sua avó Antonieta.

Todos recusaram o café, mas de estalo Pepe respondeu que queria. A mulher sorriu e contou que já voltaria com a xícara.

Ela se virou e andou para a cozinha dando uma pequena requebrada nas cadeiras mostrando ter um bumbum avantajado. O menino quase babava em relação a mulher. A primeira vez que isso ocorria na sua vida enquanto Antonieta explicava a Dora que ela se chamava Constância e era quem cuidava da casa.

Enquanto todos continuavam conversando Constância voltou com uma pequena bandeja e a xícara de café. Debruçou-se a frente de Pepe e perguntou se ele gostava de açúcar. O menino salivando respondeu que sim e a mulher preparou seu café.

Abaixou-se mais ainda na sua frente deixando assim que Pepe visse parte de seus seios e do sutiã branco. Constância serviu o café e perguntou se o menino queria mais alguma coisa. Pepe respondeu que não e ela contou que precisando era só chamar.

Deu uma piscada para o menino e voltou para a cozinha requebrando o bumbum.

Pepe tremendo bebia o café enquanto Antonieta se dizia com pena do neto estar tão abalado com a partida do pai que mal conseguia segurar a xícara.

E Pepe pensava que virar homem podia ser doce.


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