DINASTIA - CAPÍTULO III - MIGRANDO PARA O BRASIL
No dia
seguinte com as trouxas feitas a família partiu. Benito na frente da casa parou
para olhar pra trás. Olhou a casa que foi criado. Que o pai um dia perdera no
jogo para um falso amigo e desde então tiveram que morar de aluguel. O pai
morreu alcoólatra de desgosto, o filho não queria o mesmo destino por isso
decidira ir embora.
Olhou e
sentiu um aperto no peito, de saudade, de estar indo embora de sua pátria.
Salvatore se aproximou de seu pai, colocou a mão em seu ombro e disse “Vamos
papa, o mundo nos espera”. Benito respondeu “sim, sim” e partiram.
Muito
andaram naquele frio inverno e notaram que várias pessoas se juntaram a eles na
caminhada. Eram famílias de aldeias inteiras querendo fugir da miséria e da
fome. Olhares vagos, passos demorados. Benito levava a filha mais nova sobre
seus ombros e Salvatore conduzia um irmão na bicicleta.
Antonieta
andava triste, resignada. Não era da sua vontade a migração, nunca mais veria
seus pais, familiares. Mas o marido era o chefe da família e só lhe restava
acompanhar.
Canção dos imigrantes toscanos
“Itália
bela, mostra-te gentil
E os
filhos teus não a abandonarão
Senão eles
vão todos para o Brasil
E não se
lembram mais de voltar
Ainda
aqui haveria trabalho
Sem ter
que emigrar para a América
O século
presente está nos deixando
E o
novecentos se aproxima
Eles têm
a fome pintada na cara
E para
saciá-los não existe medicina
A cada
comento escutamos dizer:
E vou pra
lá onde tem a colheita do café”
A família
Granata chegou ao porto de Nápoles em 18 de outubro de 1899 e ali descobriu que
as coisas não seriam como pensavam. Primeiro que tiveram que esperar dias para
o embarque, segundo que ao contrário do que foi prometido a viagem não era
gratuita.
Apesar
dos pedidos de Antonieta de desistirem da viagem Benito não aceitou. Pegou o
restante do dinheiro da venda do comércio e pagou as passagens. Pagou na
esperança de chegar ao Brasil empregado e recuperar tudo que investira.
Não
tinham onde dormir esperando pela viagem. Benito e Salvatore arrumaram uns
jornais para forrar o chão e se cobrirem protegendo do frio.
Levaram
alguma comida com eles, mas aos poucos essa foi acabando também. As crianças
sentiam fome que era disfarçada com pão duro servido pelos agentes de viagem e
água, muita água para enganar o estômago.
Depois de
quatro dias embarcaram no navio com destino ao Brasil. O navio se afastava e
Antonieta chorava vendo que não teria mais jeito, via sua Nápoles ficar
pequenina assim como seu coração. Salvatore distraído olhava para o nada quando
no horizonte percebeu
uma pessoa conhecida.
Era Dora.
Salvatore correu por todo o navio para conseguir uma posição melhor. Chegou na
beirada da embarcação e começou a acenar para sua amada. Triste Dora acenava
lentamente de volta despedindo-se daquele que pra sempre seria o amor de sua
vida. Salvatore com lágrimas nos olhos gritava “até amanhã” enquanto a moça se
virava e ia embora.
Canção dos imigrantes vênetos
“América,
América
Lá se
vive que
É uma
maravilha
Vamos ao
Brasil
Com toda
a família
América,
América
Se ouve
cantar
Vamos ao
Brasil
Brasil a
povoar”
A viagem
durou quase trinta dias e as condições dentro do navio eram precárias.
Amontoados no navio como passageiros de terceira
classe
foram várias as mortes.
Mortes
por envenenamento por comida estragada, por epidemias além de ondas de furto.
Dessa forma a família Granata e os imigrantes percebiam que nem tudo eram
flores.
No porão
do navio, onde ficavam, Salvatore sonhava. Imaginava como era o Brasil, queria
crescer na vida ser alguém e um dia voltar com dinheiro para a Itália. Casar
com Dora? O rapaz não tinha esperanças
que isso ocorresse. A mocinha estava perto da idade de casar e pela lógica seu
pai rapidamente lhe arrumaria um pretendente.
Mas
Salvatore sonhava conhecer uma “ragazza” em terras brasileiras.
Festeiro
por natureza mesmo naquelas condições adversas os italianos festejavam.
Aproveitavam a noite para comemorar a nova vida que seria apresentada, a
esperança que renascia e dançavam.
Nesse
clima de muita dança e cantoria Salvatore foi acordado em uma noite. Perguntou
o que era e a mãe aborrecida respondeu que eram os “vagabundos festejando não
se sabia o que”. Salvatore sentou-se para contemplar a música, suspirou que há
tempo não sabia o que era uma boa canção, uma festa.
Benito
mandou que o filho fosse aproveitar sob protestos da mulher que não queria que
ele fosse. Salvatore com os olhos brilhando perguntou se podia mesmo e o pai
respondeu “vá”.
Salvatore
levantou e foi correndo com Antonieta furiosa recriminando Benito. O homem
sorriu e só respondia pedindo para deixar o
menino se divertir.
Salvatore
chegou na festa e seus olhos irradiavam felicidade. Viu jovens como ele,
pessoas mais velhas, crianças dançando e se juntou a eles. A esperança renascia
no peito do rapaz, tudo com alegria é mais fácil.
E
dançando com os novos amigos ele reparou em uma jovem. Linda, cabelos
encaracolados negros, bochechas rosadas ela dançava
alegremente com seus pais e outros passageiros do navio.
Salvatore
se encantou imediatamente pela jovem e se aproximou. Os dois começaram a
dançar, festejar sem tirar os olhos um do outro. Pegavam as mãos, rodavam, o riso
fácil saía de seus corações, o encantamento era mútuo.
Aproveitando
a distração dos pais da moça Salvatore lhe chamou para passear e os dois foram.
Afastados
da festa sentaram para observar a Lua e conversar. Salvatore contou toda sua
história e a moça se apresentou como Morgana, era moradora de uma pequena
aldeia italiana e viu com os pais a chance de recomeçar em outro país.
Passearam
mais um pouco, conversaram bastante, riram e antes de voltarem Salvatore deu um
pequeno beijo na boca de Morgana que foi correspondido. Voltaram para a festa
onde os pais aflitos procuravam pela moça e Salvatore com seu sorriso fácil se
apresentou dizendo que seria o futuro genro deles.
Morgana
se assustou, os pais nada entenderam e Salvatore se afastou dizendo que procuraria
por eles. Aquele devia ser o dia mais
feliz de sua vida.
Voltou
para o porão, deitou ao lado da família e sonolenta Antonieta perguntou qual
era o motivo da alegria. Deitado olhando para o teto sorrindo Salvatore
respondeu que era o Brasil.
No dia
seguinte passeando pelo navio com o pai Salvatore contou toda a história.
Benito se assustou perguntando ao filho se não era muito cedo para ter tantas
certezas e ele respondeu que não,
que sabia
que aquela era a mulher de sua vida.
Ao ver
Morgana com o pai Salvatore pediu que Benito lhe acompanhasse e pegou em sua
mão lhe puxando em direção a eles.
Salvatore
cumprimentou Morgana, ao seu assustado pai e perguntou ao homem se lembrava
dele. Ele respondeu que sim, que ele tinha se apresentado na noite anterior
como seu genro. Salvatore sorriu e falou que era ele mesmo.
Apresentou
o pai e contou que queria pedir a mão de Morgana em casamento. O pai da moça
boquiaberto perguntou se ela sabia o que ocorria e Morgana rapidamente
respondeu que estava tão surpresa quanto ele.
Salvatore
se abateu e disse que não iria mais lhe incomodar. Virou-se pra ir embora e
quando se afastava Morgana disse que não era porque não sabia que não iria
aceitar.
Rapidamente
o rapaz voltou, exibiu novamente o largo sorriso e perguntou se queria casar
com ele. Morgana sorriu enquanto Salvatore ficou de joelhos a sua frente e
pediu a seu pai a mão dela.
O pai de
Morgana perguntou se ele era sempre assim e Benito, resignado, respondeu que
sim. O homem então riu e falou que o jovem era audacioso, corajoso e era uma
pessoa assim que queria pra sua filha. Finalizou respondendo que concedia a
mão.
Salvatore
levantou do chão, deu um pulo de alegria e abraçou forte ao sogro dizendo que
não iria se arrepender. Deu um forte abraço em Morgana e puxou ao pai para
contarem as novidades à família.
Salvatore
conta a uma perplexa Antonieta e à noite mais uma festa acontece, agora para
celebrar o noivado de Salvatore e Morgana. O navio é tomado pela festa e mesmo
a sempre desconfiada Antonieta celebra a união dos noivos. Noivos apaixonados,
cheios de planos mesmo acabando de se conhecerem.
Morgana e
Salvatore não se desgrudam mais, cada vez mais apaixonados. Fazem planos para
quando chegarem ao Brasil. A ideia era das duas famílias se juntarem e
trabalharem na lavoura do café. Salvatore ouvira falar que no Brasil tinha
muita terra, bem mais do que pessoas para cuidar e era o país do café, qualquer
lugar que fossem tinha um pé de café.
Pegou nas
mãos da amada e jurou que enriqueceriam no Brasil, teriam uma terra só deles
onde plantaria, construiriam e depois que estivessem com a vida feita voltariam
para a Itália. Os olhos de Morgana brilhavam e a moça contava que seu maior
sonho era voltar à aldeia e ajudar as pessoas de lá.
Salvatore
abraçava a amada e falava que assim seria. Estavam apaixonados,
irremediavelmente apaixonados.
No meio
daquele clima todo de amor e esperança que tomava
conta da
família Granata coisas ruins aconteceram. O nível de condições de limpeza e
segurança naquele navio como já foi contado era mínimo. As pessoas viajavam
junto com baratas, moscas, ratos e sempre expostas ao perigo e foi esse perigo
que se tornou real para cima da filha menor dos Granata.
A menina
do nada começou a apresentar febre alta, manchas, estava com a peste negra. Doença
que naquela época rapidamente tomava a vítima e quase sempre fatal.
E com a
rapidez que a doença surgiu ela levou a caçulinha dos Granata. O desespero
tomou conta de Antonieta que gritava que nunca quis aquela viagem, queria ficar
na Itália e aquela viagem maldita matara sua filha. Benito tentava acalmar a
esposa que socava seu peito e lhe acusava da morte.
Salvatore
estava tão apaixonado que não sabia de nada que ocorria. Quando entrou feliz de
braços dados com Morgana no porão viu a cena da mãe desesperada sendo segura
pelo pai.
Nervoso
se aproximou para ver o que ocorria e deu de encontro com a cena da irmã morta.
Pôs as mãos na cabeça, com lágrimas nos olhos e nada conseguia falar enquanto a
mãe também lhe acusava da morte.
Salvatore
apenas olhava a mãe lhe xingar sem reação, parecia em outra dimensão. Morgana
tentou lhe consolar quando o rapaz em um ímpeto saiu correndo.
Morgana
saiu atrás gritando por ele. Rodou por todo o navio procurando o amado e só o
encontrou muito depois em um canto sozinho chorando.
Morgana
sentou-se ao lado do noivo e lhe abraçou dizendo que estava com ele. Chorando
copiosamente Salvatore colocou a cabeça no colo da noiva e nada falava. Morgana
acariciou seus cabelos e contou que sempre estaria com ele, onde ele estivesse.
Salvatore
foi se acalmando aos poucos e levantou-se do colo. Com o rosto molhado devido
ao choro olhou para a noiva, acariciou seus cabelos encaracolados e lhe beijou.
Morgana
no começo tentou se afastar, mas acabou correspondendo ao beijo do amado. Aos
poucos os beijos foram se intensificando e o casal acabou fazendo amor pela
primeira vez.
Primeira
e última.
Nos dias
seguintes foi a vez de Morgana apresentar os sintomas da peste negra. Já
estavam próximos da chegada ao Brasil e Salvatore sem sair de perto da amada
pedia para que ela reagisse.
A navio
atracou no porto de Santos, estado de São Paulo, no dia 22 de novembro de 1899.
Uma grande confusão foi formada na descida do navio. Empurra-empurra, gente
sendo pisoteada e nessa confusão os pais de Morgana e a família de Salvatore
acabaram sendo levadas para fora do navio mesmo tentando ficar.
Salvatore
ficou no porão com Morgana em seus braços. Com um fiapo de voz a moça disse “ao
seu lado pra sempre”. Salvatore chorava e pedia para a noiva não lhe deixar,
mas aos poucos sua respiração ia ficando mais fraca, mais esparsa até que
Morgana faleceu nos braços de Salvatore.
O homem
gritava desesperado pela morte da amada enquanto os
italianos
desciam do navio em nova terra.
Salvatore
ficou ainda por um bom tempo abraçado ao corpo de Morgana até que se viu
obrigado a deixar o navio. O homem abatido, dilacerado pelas tragédias que
cercavam sua vida foi o último a deixar a embarcação.
Desceu
com um porto bem mais vazio do que estava horas antes no desembarque. Naquele
instante se lembrou da família, se perdera dela.
Começou a
procurar pela família. Procurou entre aqueles italianos que ainda estavam
perambulando por lá gritando por Benito e Antonieta. Nada. Depois de horas
sentou na calçada perdido, abandonado, com o coração em frangalhos naquela
terra estranha sem ter o que fazer.
Com a
cabeça baixa, sentado, sentiu uma mão em seu ombro. Olhou de imediato pensando
poder ser algum rosto conhecido, mas era uma mulher ruiva, gorda, na altura de
seus cinquenta anos.
A mulher
se comunicando em italiano perguntou se ele estava perdido e Salvatore
respondeu que sim, se perdera de sua família e perguntou se ela conhecia Benito
e Antonieta Granata.
A mulher
respondeu que não e comentou que ele devia estar cansado e com fome. Salvatore
respondeu que sim e ela contou que era responsável por uma hospedaria de
imigrantes perguntando se ele não queria ir pra lá.
Salvatore
titubeou um pouco, mas respondeu que sim, só não tinha
dinheiro.
A mulher respondeu que ele podia ajudar na manutenção
da
hospedaria até decidir o que fazer da vida. Salvatore agradeceu e teve sua mão
puxada pela senhora para que levantasse.
A senhora
perguntou sua idade e ele respondeu “dezessete”. Ela assustada comentou “é um
bambino ainda”.
Salvatore
conseguia pensar em nada, só em tudo que ocorrera em sua vida, toda a
transformação e que precisava achar sua família.
Andando
ao seu lado a senhora colocou a mão em seu ombro e comentou.
“Bem
vindo ao Brasil”.
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