DINASTIA: CAPÍTULO II - VIDA NA ITÁLIA
“Salvatore!!
Oddio mio onde se meteu esse bambino???”
O
italiano nunca foi meu forte apesar da descendência, mas imagino que o jeito de
falar era perto desse. Era Antonieta, mãe de Salvatore lhe chamando, pois, era
hora da janta e o jovem italianinho já se “perdera” pelas ruas de Nápoles.
Salvatore
era um jovem bonito, encorpado e de sorriso largo o que conquistava as
menininhas. Gostava de cantar e nos fins de noite passeava com os amigos
fazendo serestas para as meninas. Era o terror dos pais de família e muitas
vezes tinha que fugir de maridos enciumados.
Levava a
vida com extrema felicidade mesmo com as dificuldades econômicas que a Itália
passava no fim do século XIX. Os italianos começaram a migrar para o Brasil na
década de 1870. O alto crescimento da população e o acelerado processo de
industrialização afetaram diretamente as ofertas de emprego no continente e
isso fez muita gente emigrar pelo mundo.
Antonieta
continuava chamando Salvatore pela janela até que o jovem apareceu de forma
acelerada descendo a ladeira e na porta de casa pedindo desculpas à mãe pela
demora. Salvatore abre a porta, pede bênção e entra com Antonieta lhe mandando
tomar banho para jantar.
O banho
gelado é tomado de forma rápida devido ao inverno mais frio que o normal que
tomava conta da cidade.
A casa é
humilde, velha, mal cuidada. Já teve dias melhores. O problema é a crise que se
espalha pelo país e a família Granata não escapa dela. Benito Granata, pai de
Salvatore, é um pequeno comerciante e sofre diretamente com a crise, pois, como
as pessoas não têm dinheiro pra comprar ele não vende e ele não vendendo não
ganha dinheiro. Simples assim.
Comida
não faltava na casa dos Granata já que tinham um mercadinho, mas Benito se
preocupava. Já devia dinheiro aos fornecedores e cada vez era mais difícil
conseguir alimentos. Também sofria com o calote de vários consumidores que
compravam fiado e não pagavam. Mas Benito tinha um bom coração e entendendo a
situação que as pessoas passavam não cobrava. Só que dessa forma sua situação
piorava a cada dia.
Salvatore,
de banho tomado, sentava-se à mesa com seus irmãos e Benito puxava a
oração. Agradecia por ainda ter o que
comer enquanto tantos passavam fome. Na mesa uma sopa com cenouras, beterraba e
outros legumes que reforçavam a comida e água para beber. Todos em silêncio
comiam apenas com o barulho dos grilos do lado de fora acompanhando.
Depois de
um tempo Antonieta contou ao marido que o dono da casa fora cobrar o aluguel.
Benito com jeito abatido, olhar fundo de quem não dormia bem há tempos e
aspecto bem mais velho do que realmente era respondeu a mulher que não tinha
dinheiro e não teria como pagar.
Antonieta
tensa contou ao marido que o homem fez ameaças e insinuou que pegaria a casa de
volta. Salvatore, o mais velho dos filhos, propôs que o comércio ficasse aberto
por mais tempo, abrissem assim que o Sol nascesse e só fechassem depois que as ruas
estivessem vazias.
Apesar do
jeito namorador e de gostar de serestas Salvatore era um ótimo filho.
Trabalhava com o pai sendo seu braço direito e pessoa de confiança.
Benito
agradeceu a preocupação do filho, mas disse que de nada adiantaria fazer
aquilo, pois, o problema não era o tempo de trabalho e sim a falta de dinheiro
das pessoas. Antonieta deixou cair umas lágrimas e respondeu que daquela forma
acabariam morando na rua e passando fome.
Benito
ficou um tempo em silêncio enquanto Antonieta e Salvatore olhavam para o nada e
os menores comiam como se nada ocorresse, blindados pela ingenuidade infantil
quando o patriarca suspirou fundo e colocou um folheto na mesa.
Antonieta
não sabia ler, mas Salvatore sim e olhou por um tempo o panfleto. Antonieta
perguntou o que era e Salvatore leu.
“América,
terra no Brasil para os italianos. Navios partem todas as semanas do porto.
Venham construir seus sonhos com a família. Um país de oportunidades. Clima
tropical e abundância. Riquezas minerais. No Brasil vocês podem ter o seu
castelo. O governo dá terra e ferramentas para todos.”
Um dos
filhos menores perguntou o que era o Brasil e Salvatore olhando para o pai
respondeu ao irmão que era longe, muito longe. O rapaz emendou perguntando ao
pai no que ele pensava.
Benito
pegou a jarra, encheu o copo de água e respondeu ao filho que aquela podia ser uma
solução. Antonieta se enervou e disse não saber
nada sobre aquela terra estranha, que devia ter selvagens, canibais. Um outro
filho perguntou a mãe o que eram canibais e Salvatore respondeu “pessoas que
comem outras pessoas”. O menino apavorado gritou que “não queria ir pra lugar
onde comem pessoas, não queria o Brasil” e saiu correndo da mesa chorando.
Benito
mandou a mulher parar de falar besteiras e Antonieta perguntou como seria, quem
poderia ir e Benito respondeu apenas eles e as crianças. Assustada Antonieta
perguntou “e meus pais?”. Benito respondeu de pronto “Só nós”.
Uma das
filhas chorando diz “não quero ficar longe da nona” saindo também correndo da
mesa. Benito irritado disse que a mulher estava assustando as crianças e ela
rebate que também estava assustada. O casal discute sob o olhar de um calado
Salvatore.
Depois de
um tempo ouvindo a discussão Salvatore se encheu de coragem e disse “faça o que
tiver que fazer papa”. Os dois pararam para olhar o filho que disse a frase
mais uma vez.
Continuaram
olhando Salvatore que voltou a tomar a sopa e ao se notar vigiado pede aos pais
para tomarem a sopa que estava esfriando.
Salvatore
Granata, meu tetravô, tinha a maior característica que marca minha família, a
coragem. Bem ou mal ele tinha uma vida na Itália, não conhecia nada além de
Nápoles que era sua terra natal, sua raiz. Ali tinha seus sonhos, esperanças,
amigos e amores, mas ao ver a família em uma fase ruim de imediato apoiou a
mudança.
A
história de migração foi deixada um pouco de lado, mas a situação
não melhorava. Uma tarde Salvatore e Benito estavam no comercio vazio quando
chegou um grupo. O homem que liderava esse grupo era um dos fornecedores que
não conseguia receber. Perguntou a Benito se ele tinha o dinheiro e o homem
respondeu “muito pouco”.
O homem
pediu o dinheiro. Benito de forma humilde abriu a caixa e o homem foi logo
metendo a mão tirando tudo. Contou na frente de Benito e Salvatore e reclamou
que tinha muito pouco. Mandou que os homens recolhessem frutas, legumes, sacos
de arroz e feijão, enfim, produtos do comércio até que fosse o suficiente para
pagar toda a dívida.
Salvatore
levantou para encarar o grupo e ficou frente a frente com o homem olhando em
seus olhos. O homem perguntou se ele queria alguma coisa. Benito puxou o filho
e o homem rindo mandou que ele ouvisse o pai que seria melhor para sua saúde.
Benito
disse no ouvido do filho que “coragem não era burrice” e os dois sentados
impassíveis viram o bando levar quase tudo.
Depois
deles irem embora Benito levantou e olhou o que sobrara do comércio. O homem
desolado contabilizava o enorme prejuízo quando Salvatore levantou, colocou a
mão no ombro do pai e perguntou sobre a história do Brasil.
Benito
andou até a frente do comércio e olhou o céu. Ele estava estrelado, com uma Lua
linda. Salvatore andou até o lado do pai, olhou também e perguntou se o céu no
Brasil também era assim.
Benito
perguntou ao filho se aquela ideia era realmente a melhor, alegou que seria uma
mudança brusca de vida.
Salvatore
respondeu que qualquer mudança brusca seria melhor que a vida que levavam em
Nápoles. Benito suspirou e pediu ajuda ao filho para fechar o comércio.
Enquanto
Benito e Antonieta discutiam na sala Salvatore deitado olhava para o teto
pensando na vida. Pensava em tudo que deixaria pra trás e em Dora, a preferida
entre as namoradinhas, que pensava um dia se casar, ter filhos e que com essa mudança
teria que deixar pra trás.
A casa
ficou em silêncio e algum tempo depois Benito bateu na porta. Salvatore disse
que estava aberta e o pai abriu. Benito contou que estava tudo resolvido e
iriam para o Brasil. Salvatore respondeu apenas “que bom”. O pai desejou boa
noite e fechou a porta. Salvatore resolveu dormir que o dia seguinte seria
longo.
Benito
encontrou um desses agentes que negociavam vindas para o Brasil e o homem
vendeu o país como um sonho. Garantiu as passagens gratuitas e que em poucos
anos poderiam juntar um bom dinheiro, voltar para a Itália e até comprar um
pedaço de terra.
Aquilo
serviu como uma ária para os ouvidos de Benito que rapidamente agilizou a
mudança. Vendeu o pequeno comércio que passara por décadas no seio da família,
pagou fornecedores, o dono da casa que moravam e guardou o que sobrou para o
começo da vida no Brasil.
Salvatore
saiu com os amigos e foi a uma taverna. Com eles bebeu bastante vinho e se
lamentava por não vê-los nunca mais. O seu melhor amigo Eliseu lhe deu um
abraço e respondeu que sempre seriam amigos e para que ele nunca esquecesse que
tinha sangue italiano.
Salvatore
ouviu o amigo e puxou o grito de “Viva a Itália!!” seguido por todos, depois
começaram a cantar.
Passaram
horas cantando até que Salvatore ficou em silêncio e lembrou-se de Dora. Eliseu
propôs que fossem até sua casa lhe fazer uma serenata e Salvatore topou. Foram
todos para a casa de Dora.
Já eram
altas horas quando começaram a cantar. Salvatore e mais três amigos bêbados
cantando as dores de amor até que Dora abriu a janela e perguntou se estavam
loucos.
Salvatore
respondeu que sim, louco de amor e Dora fez sinal de silêncio dizendo que seus
pais estavam dormindo e iria descer. A moça desceu, abriu a porta e foi ao
encontro do grupo de amigos.
Salvatore
deu uma rosa para ela e disse que lhe amava. Dora se assustou por nunca ter
ouvido isso do rapaz e ele pediu que ela saísse de lá com ele para verem as
estrelas. Dora olhou pra trás e respondeu que não podia, pois, seu pai lhe
mataria.
O rapaz
fez olhar “pidão” e pediu que a moça fosse apenas daquela vez. Dora aceitou e
pediu para que Salvatore esperasse um pouco que pegaria um casaco. Ela entrou e
os amigos se despediram de Salvatore desejando uma boa viagem.
Eliseu
deu um longo abraço no amigo e disse que lhe ajudaria no dia seguinte para ir
ao porto. Eles se afastaram e Salvatore ficou lá sozinho esperando sua amada.
Dora saiu
da casa na ponta dos pés e perguntou ao amado para onde
iriam. O rapaz fez carinho no rosto da moça e respondeu “para o céu”.
Nápoles é
uma das cidades mais lindas do mundo. Seu centro histórico é hoje considerado
patrimônio mundial pela UNESCO e lá ficam as ruínas de Pompeia e o vulcão
Vesúvio. Nesse cenário deslumbrante Dora andou na garupa da bicicleta de
Salvatore tendo apenas a noite como testemunha.
Salvatore
levou Dora até o alto de um morro e lá os dois sentaram no chão de terra e
ficaram observando o mar. Salvatore ficou jogando pedrinhas do alto enquanto
Dora observava as estrelas e comentava o quanto elas brilhavam naquela noite.
Salvatore
para de jogar as pedras e sem coragem de encarar Dora conta que irá embora na
manhã seguinte. Um não olha o outro, o clima é de tristeza. Dora responde que
já sabia e pergunta se é para o Brasil que irão. Salvatore abaixa a cabeça
respondendo que sim e Dora comenta que ouviu falar que é um país bonito.
O rapaz
em um impulso pega a mão de Dora e diz mais uma vez que lhe ama e carregará a
moça consigo no peito. Dora com lágrimas nos olhos encara Salvatore e diz que
eles nunca mais se verão. Ele diz que não, que fará fortuna no Brasil e voltará
pra ela. Dora responde que não, que ele não vai voltar.
Salvatore
se consterna com a tristeza da moça e passa o dedo em sua face limpando suas
lágrimas. Dora abraça o moço e diz que ele sempre será o amor de sua vida não
importando que case, tenha filhos e netos com outro homem.
O casal
de jovens se olha por um instante e num grande atrevimento
para época Salvatore beija Dora, estamos
falando do fim do século XIX onde não se permitia esse tipo de atrevimento. Os
dois se beijam apaixonadamente e depois Salvatore num atrevimento maior ainda
começa a desabotoar a blusa da moça.
Desabotoa
botão por botão e os dois fazem amor ali mesmo naquele morro abençoado pela Lua
e pelas estrelas. Fazem amor e ficam ali deitados, Dora nos braços de Salvatore
olhando para o céu e sem dizer uma única palavra, o silêncio dizia tudo.
Ficaram
horas deitados sem dizer uma frase até que Dora pediu para ir embora alegando
que tinha que chegar em casa antes dos pais acordarem. Salvatore pegou a
bicicleta e a amada sentou atrás lhe apertando forte.
Andaram
na bicicleta pelas ruas de Nápoles numa viagem sofrida, de despedida. Dora
apertava bem forte o amado como se nunca mais quisesse soltar, como se naquele
momento os dois corpos formassem um só. Seu peito apertado apertando suas
costas, sua respiração sentindo o perfume do amado, seu odor para que nunca
mais esquecesse seu cheiro, seu corpo, seu amor.
Histórias
de amor têm que doer, tem que ser fortes, tem que ser intensas senão não valem
a pena, senão não é amor.
Salvatore
parou na porta da casa da moça quase amanhecendo. Os dois se olharam um pouco
como se fosse para não esquecer o rosto um do outro e antes que Salvatore
dissesse algo Dora colocou a mão em sua boca.
Pediu que
não falasse nada. Não se despedisse, apenas dissesse “até amanhã” fingindo que
se viriam no dia seguinte.
Salvatore
concordou então a moça lhe deu um abraço e disse “até amanhã”. Salvatore
acariciou seu rosto, beijou-lhe a testa e disse “até amanhã Dora”.
Dora
sorriu, se virou e foi embora. Entrou sem olhar para trás. Salvatore olhou
ainda por um tempo a casa da moça, montou na bicicleta e partiu.
Antes de
chegar em casa parou na casa do fornecedor que pegou as coisas de sua casa.
Olhou com raiva, pegou uma pedra e jogou na casa quebrando a janela. Montou na
bicicleta correndo e partiu enquanto ouvia gritaria de dentro da residência.
Era uma
pequena vingança.
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