A INTENDENTE MAGALHÃES
*Coluna publicada no blog "Ouro de Tolo" em 16/2/2014
Ano
passado ou retrasado (a memória falha) escrevi uma coluna chamada “As escolas
que a mídia esqueceu” quando falei um pouco das escolas de samba que estão fora
do grande carnaval do grupo especial carioca.
As doze
da elite já estão com seus carnavais bem encaminhados para realizar o maior
espetáculo da Terra. Luxo, beleza, celebridades, mídia. Tudo que faz desse um
grande momento do ano.
Mas não é
para todas assim.
Existe
carnaval fora da LIESA e da LIERJ que hoje gerencia o grupo principal de acesso
com um carnaval cada vez mais parecido com do especial. Esse carnaval se
encontra na Intendente Magalhães onde ficam as escolas da Associação das
Escolas de Samba do Rio de Janeiro. Os grupos B, C e D.
Acredito
que já tenha desfilado mais na Intendente que na Sapucaí e digo que é um
desfile simpático. Em ruas normais, utilizadas no dia a dia o desfile é feito e
os carros alegóricos são colocados. Enquanto ocorrem os desfiles também
acontece o carnaval de rua então é normal vermos escolas desfilando de um lado
e bate-bolas passando do outro.
Pessoas
botam cadeiras na frente de casa para assistir e bater papo. Barracas são
montadas para vender alimentos e nelas tv ligadas mostrando o grupo especial.
Dois mundos completamente diferentes e quando olhamos não dá pra lembrar que
aquilo ali na tv está tão próximo geograficamente de nós.
Arquibancadas
de madeira bem diferentes das frisas e mega camarotes do Sambódromo e pessoas
muito diferentes também. Todos ali falam português, alguns bem, outros não e
não mostram cara de cansaço ou desinteresse. O sorriso denuncia a felicidade em
que vivem. Felicidade que irradiam nos desfiles e recebem de volta daqueles que
desfilam orgulhosos representando suas comunidades sem precisar pagar mil reais
por uma fantasia e enganar que conhece o samba. De quem olha o público e olha a
pista para não tropeçar sem querer em um cachorro que atravessou a avenida.
Como
falei fantasias não custam mil reais. Quase todas as escolas dão fantasias para
suas comunidades e mais, dão até mesmo na hora para poder ter contingente.
Porque arrumar desfilante pra Sapucaí é mole, pra desfilar na Intendente não.
Só por muito amor a escola ou ao samba.
Diretores
de harmonia chegam a chamar pessoas no público ou simplesmente que estão
passando perguntando se não querem desfilar. Praticamente imploram. Alguém que
passava pela calçada como quem não quer nada pode parar de repente em cima de
um carro alegórico.
Ou até
mesmo desfilando de baiana. Um grande drama do carnaval moderno é a falta de
baianas que ocorre por vários motivos como envelhecimento e morte das mais
antigas, preconceito das mais novas com a função, perda de integrantes para
igrejas evangélicas e a concorrência com o grupo especial.
Uma das
coisas mais cruéis que pode ocorrer é a escola pequena da Intendente desfilar
no mesmo horário que uma co irmã poderosa da localidade no grupo especial.
Não
existe cidade do samba. As escolas se viram como podem em barracões sem o
mínimo de infra-estrutura. Lugares mal localizados, sujos, com focos de doenças
como dengue onde pessoas que vão por amor trabalham horas e horas para colocar
uma escola na avenida. Uma enorme dificuldade para levar carros para a
Intendente tendo que fazer “vaquinha” entre dirigentes com um pouco mais de
recursos para pagar guincho e empurradores.
Fantasias que são terminadas em
cima da hora e muitas vezes rolando stress no momento da entrega pois o
dinheiro prometido não foi todo entregue a quem realizou o trabalho.
Carro sendo
terminado na avenida, fantasia sendo entregue na avenida. Mais uma vaquinha
para pagar músicos, mestre de bateria e lanche para as crianças. Subvenção?
Subvenção para esses grupos é uma piada. É uma miséria e muitas vezes sai em
cima dos desfiles com as escolas tendo que correr para fazer seus carnavais.
Não é raro barracões e ateliês só abrirem em janeiro para iniciar os trabalhos.
Isso
quando parte da subvenção já não vem comprometida por causa de dívidas
anteriores.
Quadras
(quando existem) deficitárias. Escolas desses grupos dificilmente cobram
entrada até porque mesmo se cobrarem mísero um real a “comunidade” vai
reclamar.
E nesse
redemoinho todo o sistema de acesso e descida é cruel. Muitas vezes quatorze
escolas desfilando por uma vaga no grupo acima e até seis vagas para descer.
Boa parte das escolas já é rebaixada antes mesmo de começar o julgamento graças
à “obrigatoriedades” e para aumentar a crueldade às últimas colocadas do último
grupo viram blocos.
Sim,
blocos. Escolas tradicionais passam pela humilhação de ter que optar entre
virar bloco ou enrolar a bandeira. O lema é “O novo sempre vem”. Escolas
antigas e mal administradas acabam dando lugar a outras de proveta bancadas por
algum município do grupo de pessoas (honestas ou não) que irão inflar essas
escolas até onde seus egos tiverem vontade e quando cansarem do “brinquedinho”
abandonar até que definhem.
A
tradicional Vizinha Faladeira passou por isso e optou (pelo menos por enquanto)
pelo fim. A também tradicional Lins Imperial corre por esse risco em 2014. A
Vizinha esteve no grupo A no começo do século, a Lins nos anos 90 no grupo
especial, mas não há respeito a tradição e a história. Pessoas que comandam o
carnaval hoje não veem trajetória e sim números, onde podem ganhar. O show não
pode parar.
E pensar
que ano que vem pode ser o Boi da Ilha passando por isso dá agonia.
É
difícil, é complicado, só louco participa de um carnaval na Intendente
Magalhães. Da o seu suor, seu sangue e sua lágrima muitas vezes afastando
amigos e brigando com família.
Conheço
bem mais essas escolas que as da Sapucaí e posso dizer que me sinto melhor no
meio delas. Mais a vontade, melhor recebido, mais querido. Se é uma loucura
vivenciar isso tudo faço parte do “bando de loucos”.
Mas o que
seria do carnaval se não fosse a loucura?
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirObrigado amor
Excluirbeijão
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