AS MULHERES DE ADÃO: CAPÍTULO II - AMANDA
Meu velório seguia animado. As pessoas reclamavam que além do calor senegalês que fazia no Rio não tinha nada pra comer e beber então fizeram um rateio telefonando pra uma rede de fast food que entregou esfihas e tio Freitoca organizou uma comitiva que foi a um bar mais próximo comprar umas “geladas”.
E a galera ficou lá comendo, bebendo enquanto eu estava no caixão sob olhar da Bia. Mulheres apareciam, me olhavam, choravam e iam embora enquanto homens comentavam uns com os outros qual era meu segredo.
A verdade é que me taxavam como “galinha”, mas nunca concordei com essa alcunha. Não sou e nunca fui “galinha”, era até um rapaz tímido podem acreditar.
Só que eu sempre coloquei paixão, amor em tudo que fiz na vida. Amei demais e sempre gostei disso, me amaram também, mas eu sempre preferi amar porque o amor é um sentimento que faz bem, alivia a alma e a faz brilhar.
Nós somos reflexos daquilo que sentimos. Quando sentimos raiva somos raivosos, mágoas amargurados. Amamos somos felizes. O amor é o sentimento mais puro e nobre que existe e é ele que nos separa de seres irracionais.
E meu corpo e minha alma sempre exalaram amor por seus poros.
Não só amor pelas mulheres, mas pelas coisas que fiz em vida, por minha família, meus amigos. Sempre fui um cara “do bem” e na verdade só descobrimos o quanto somos amados quando morremos. Pela quantidade de gente que vai se despedir de nós.
E tinha muita gente no meu.
Certo momento chegou o seu Damasceno Bebezão cercado por uma grande quantidade de gente. Eram os integrantes da Unidos do Bebezão, escola de samba que eu frequentei desde moleque no morro do Bebezão.
Sim, eu era sambista mesmo branquelo, classe média alta e com cara de nerd. Eu morava perto da comunidade e tocava tamborim em sua bateria.
Damasceno Bebezão pediu a palavra e disse que aquela tarde era uma ocasião muito triste com o meu “passamento pra terra do pé junto” e que iria me homenagear fazendo de mim enredo pro carnaval do ano seguinte.
Mestre Cabeça de Ovo estava lá com os ritmistas e suas peças e nesse momento fizeram um rufar com a bateria em minha homenagem. Se estivesse vivo eu teria me emocionado porque nunca havia recebido um rufar.
Damasceno olhou pra mim e notou que eu estava sorrindo. Estranhou e perguntou de que eu estava rindo enquanto o cantor da escola o Maneta do cavaco disse que a escola estava ali pra me homenagear e cantou meu samba preferido.
Se meu velório estava uma zona naquele momento piorou. O que era pra ser minha partida com todos chorando virou um ensaio de escola de samba. Maneta cantando, a bateria tocando, as passistas seminuas entraram pra sambar e o povo sambando junto.
Eva ria, encostou ao ombro de Bia dando um beijo e disse “velório do Adão tinha que ser assim mesmo”. Bia disse nada, continuava impassível ao meu lado como se estivesse em outra dimensão não ouvindo o samba.
Naquele momento entrou uma bonita mulata no velório. Perto de seus cinquenta anos, bem vestida, entrou com um homem elegante ao lado, italiano e chegou perto do caixão.
Ao chegar perto Bia olhou pra ela que a cumprimentou. Eva deu um abraço na mulata falando “Quanto tempo Amanda, você está linda!”.
Amanda agradeceu e perguntou a Eva o que tinha ocorrido comigo, tio Freitoca ouviu e respondeu “siricutico”, se eu estivesse vivo já teria me irritado com meu tio.
Ao som da bateria da Unidos do Bebezão Amanda passou por Bia, deu um beijo na minha testa e acariciou meus cabelos dizendo “oh meu menino, você está tão lindo, que pena”.
Amanda é um personagem importante da minha história.
Voltemos então vinte e cinco anos no tempo. Eu garotinho com dez anos de idade.
Vivíamos minha irmã, eu e meus pais numa casa confortável em Vila Isabel, zona Norte do Rio de Janeiro.
Tive uma infância feliz e saudável como de todo garoto suburbano. Em um tempo que a violência do Rio de Janeiro já era muito falada, mas estava longe de nós.
Estudava de manhã, fato que odiava porque detestava acordar cedo. Na escola fiz meu melhor amigo pra vida toda, o Edu, amigo que me acompanhou até o fim. Eva era de uma turma abaixo. Eu era um bom aluno, só tinha dificuldades em matemática, mas dava um jeito pra passar.
Chegava em casa e ainda conseguia ver o fim dos desenhos, adorava Caverna do Dragão e He Man. Almoçava, jogava um pouco de videogame no meu Atari e ia pro curso de inglês as terças e quintas, segundas e quartas ia pro judô.
Chegava dessas atividades no fim da tarde. Largava a mochila em casa e ia pra rua jogar bola, muitas vezes ainda com o uniforme do colégio e tomava bronca da dona Emengarda, empregada da família há mais de trinta anos que foi mandado por meus avós lá do Nordeste por eles não confiarem nos meus pais.
Na verdade a dona Emengarda que parecia minha mãe mesmo. Ela que lavava minhas roupas, passava. Dava bronca em relação a horários e me acordava todo dia seis da manhã pra aula e voltava no meu quarto seis e dez porque eu ainda não tinha levantado.
Eu chegava à mesa e o café estava pronto pra mim e Eva. Meus pais que trabalhavam de noite dormiam profundamente.
E o café da manhã era maravilhoso, feito com muito esmero. Suco de laranja, frutas, pão, manteiga, requeijão, presunto, queijo e uma torta de maçã que só a dona Emengarda sabia fazer. Dá água na boca só de lembrar.
Se o café da manhã era bom o almoço e o jantar nem se fala. Dona Emengarda era uma cozinheira de mão cheia. Macarrão, lasanha, galinha com maionese, ao molho pardo, filé com fritas, peixe assado. Nunca comi tão bem.
Minha rotina na semana era essa e no fim de semana ia com o Edu e seu pai no Maracanã ver o Flamengo jogar. Via e sonhava em jogar no clube um dia, ser um novo Zico, Junior ou Adílio.
A vida ia assim. Era gostoso viver, gostosa minha infância sem grandes preocupações ou medos, mas um dia a vida de verdade se apresenta pra nós e ela se apresentou pra mim.
Dona Emengarda passou mal e só estavam Eva e eu em casa. Corri na casa do Edu e por sorte seu pai estava em casa. Ele colocou nossa empregada no carro e partimos pro hospital.
Chegamos lá e descobrimos que ela teve um AVC, acidente vascular cerebral e foi imediatamente pra mesa de cirurgia. Minha irmã com apenas oito anos chorava na sala à espera de notícias e eu a consolava falando pra se acalmar que tudo acabaria bem.
Eu com dez anos tendo que acalmar minha irmã e ser o adulto da história porque meus pais de adultos tinham nada. Mas a verdade é que eu também estava com medo.
Não passava pela minha cabeça a ideia que dona Emengarda pudesse morrer, ela era como da família pra mim uma segunda mãe, quem cuidava de mim. Eu nem tinha tanta intimidade com a morte assim, só tinha convivido com ela quando meu pastor alemão Guinter morreu e quando vi um gato ser atropelado e morrer na minha frente.
Meus pais chegaram ao hospital. O pai de Edu passou a situação pra eles que nos levaram pra casa.
Dona Emengarda resistiu durante vinte dias, mas não aguentou e faleceu.
Foi um choque para todos nós. Ficamos todos muito tristes com sua partida e nossa casa virou um caos. Meus pais não sabiam cuidar de nada então a bagunça tomou conta do ambiente e comíamos pizza todos os dias.
Fora as inúmeras vezes que acordava atrasado pra escola e tinha que me arrumar correndo e ir pra aula apenas com um gole de leite.
Não estava dando pra viver assim.
E meus pais também acordaram e viram que não dava pra continuar aquela forma resolvendo contratar uma empregada nova.
Várias foram entrevistadas, mas nenhuma alcançava os objetivos que meus pais queriam. Eu já não aguentava mais comer pizza, até assistia a programas culinários na televisão pra ver se aprendia a cozinhar. O tempo passava e nada da nova empregada ser contratada.
Até que..
..uma tarde eu voltava do colégio, abri a porta de casa e senti que naquele momento eu deixava de ser criança e virava um adolescente. Adolescente precoce com dez anos.
Minha mãe conversava na sala com uma mulata maravilhosa.
Parecia uma daquelas mulatas do Sargentelli. Sorriso farto, lindo, rosto angelical, seios grandes e empinados (nesse dia descobri a parte do corpo feminino que eu mais gostava), uma Deusa.
Minha mãe me viu e me apresentou à mulata. Ela se chamava Amanda. Gaguejei meu nome pra ela de tão tímido que fiquei e Amanda sorriu perguntando se eu me chamava Adão igual o primeiro homem da Terra.
Ouvi esse gracejo muitas vezes na vida e dessa vez foi a que fiquei mais sem graça. Dei um sorriso amarelado e respondi que sim, ela sorriu e eu saí indo em direção do quarto.
No caminho deparei com Eva que comentou a beleza da candidata a empregada e que torcia pra que nossa mãe a contratasse. Eu não vi maldade naquele comentário à época e respondi que seria uma boa mesmo porque não aguentava mais comer pizza.
Mas o motivo não era esse. Eu queria que ela fosse contratada pelo mesmo motivo que meu short ficou apertado no momento que a vi.
Pra alegria do povo e felicidade geral da nação Amanda foi contratada e no dia seguinte se mudou de mala e cuia lá pra casa.
Sua comida não era tão boa quanto de dona Emengarda, mas era muito melhor que comer pizza todos os dias e era uma delícia ser acordado por ela.
Na hora que ela me acordava dava um jeito de me virar de bruços e ela não notar meu estado.
Eu chegava da escola e lá estava aquele monumento de shortinho, blusinha colada no corpo estendendo a roupa e sambando ouvindo rádio.
Naquela época que aprendi o prazer onanista e não eram raras as vezes que chegava da escola, olhava Amanda, dava boa tarde e corria pro banheiro.
Enquanto eu estava lá Eva gritava que eu devia parar de comer besteiras na escola porque eu sempre chegava passando mal e correndo pro banheiro. Amanda que não era boba nem nada só ria.
Edu começou a frequentar mais a minha casa, não só ele como todos os meninos da rua. A desculpa era o vídeo game, eu era o único da rua que tinha, mas a verdade é que se eu não tivesse eles iriam da mesma forma, queriam era ver a Amanda.
E o tempo foi passando, fui crescendo e a mão parecia de um trabalhador braçal, cheia de calos por causa daquela mulher. Amanda era um doce comigo, fazia o almoço que eu pedia, deixava minhas roupas impecáveis, mas eu queria mais, muito mais.
Ela me distraía tanto que comecei a ir mal na escola. Principalmente em matemática que sempre foi meu ponto fraco. Pela primeira vez vi meu pai preocupado comigo em relação a estudos e achando que eu poderia ficar reprovado. Minha mãe até queria contratar uma explicadora.
Mas Amanda ouviu o papo e se ofereceu pra ajudar. Contou que era boa em matemática e poderia me ensinar a matéria. Eu um poço de timidez fazia sinal com a cabeça que não, mas minha mãe gostou da idéia e por uma graninha a mais por mês a contratou.
Começaram as aulas particulares, mas eu não conseguia me concentrar. Ficávamos os dois sentados à mesa com cadernos, livros, lápis na mão, ela me explicava a matéria e eu não conseguia prestar atenção, só olhava seus decotes e assim minha situação na escola não melhorava.
Amanda ficou preocupada porque se meu rendimento não melhorasse ela perderia aquele dinheiro extra. Então teve uma ideia.
Propôs-me um acordo, eu sem entender perguntei qual seria. Amanda respondeu que se eu tirasse dez na prova que estava por vir me deixaria vê-la trocar de roupa. Meu coração disparou naquela hora.
Eu não conseguia balbuciar nenhuma palavra. Amanda sorriu e estendeu a mão perguntando se o “negócio estava fechado”, eu nervoso levantei a minha mão gelada e apertei a sua concordando.
Vou contar uma coisa pra vocês. Eu nunca estudei tanto quanto naquele período. Manhã, tarde, noite, eu devorava matemática, sonhava com números, equações, teoremas. Poderia perfeitamente virar um matemático, viver disso, ser um futuro Einstein.
Mas tudo que eu queria era ver a Amanda nua.
Chegou o dia da prova. Eu estudei como um “condenado” e tinha certeza do dez. Fiz a prova em apenas dez minutos e todos ficaram espantados quando entreguei a mesma para a professora.
Dois dias depois saiu o resultado, tirei 9,6. Errei a última questão quando em vez de fazer uma soma multipliquei.
Cheguei em casa e meus pais ficaram orgulhosos de mim, afinal com aquele 9,6 eu passara de ano. Amanda via a tudo um pouco mais afastada. Meu pai perguntou o que eu queria de Natal e respondi uma bicicleta nova.
Eles se afastaram e Amanda se aproximou dando parabéns. Abaixei a cabeça tímido e agradeci. Ela então falou que eu não havia tirado o dez do acordo, mas consegui passar de ano então merecia o presente.
Naquele mesmo dia meus pais saíram com Eva e fiquei sozinho em casa com Amanda. Ela me chamou para o quarto e trancou a porta.
Meu coração acelerou. Sentei na cama e assisti Amanda tirar a blusa, o short, ficar apenas de calcinha e sutiã. Tirando as revistas masculinas eu nunca tinha visto uma mulher com tão pouca roupa na minha vida. Tá, já havia visto Eva, mas irmã não é mulher.
Ela então virou pra mim e notou o estado das “minhas coisas”. Riu e falou que eu estava animado. Consegui responder nada. Amanda então desabotoou o sutiã e ficou com as mãos na frente dos seios.
Eu babava, em pensamento implorava pra ela tirar as mãos da frente quando ela disse que já estava bom e eu poderia sair do quarto porque ela precisava acabar de trocar de roupa.
Fiquei sem reação, entendi nada. Então Amanda falou que ficar nua era só pra 10 e eu havia tirado 9,6 e novamente pediu pra eu sair e ela se trocar.
Saí frustrado do quarto, nunca fiquei tão puto por errar uma questão em prova.
Amanda era passista da Unidos do Bebezão. Escola já citada por mim e na quadra da escola um italiano se apaixonou por ela, começaram a namorar e ele a pediu em casamento.
Ela topou na hora e chegou em casa contando a novidade. Todos ficaram felizes por Amanda, menos eu que ficaria sem minha musa. Amanda então disse que não nos deixaria na mão e trabalharia em casa até a véspera de Natal e viajaria no dia seguinte pra Itália.
Fiquei desolado com suas novidades, ela continuou e contou que a escola faria a ceia de Natal na quadra e serviria também como uma despedida dela e que se sentiria muito honrada se fôssemos porque ela nos via como sua família.
Meus pais toparam então eu passaria a ceia de Natal com Amanda, minha última refeição com ela.
Fomos pra quadra e eu que nunca tinha pisado numa escola de samba adorei. Corri pra bateria e lá me ensinaram como pegar em um tamborim e tocar. Lógico que meu começo foi uma lástima, mas com o tempo aprendi tanto que durante anos, até minha morte fui ritmista da agremiação.
Já não estava tão triste com a partida de Amanda, me diverti muito naquela noite e Amanda também estava muito feliz com seu namorado italiano. A frustração veio apenas quando na hora dos presentes em vez de bicicleta meu pai me deu um livro de matemática. Alegou que me viu estudar com tanta vontade naqueles meses que imaginou que eu adorasse a matéria.
Despedimos-nos de todos. Amanda me deu um beijo carinhoso no rosto e pediu que eu me cuidasse. Fomos embora e eu no carro acariciava o rosto sentindo o beijo de Amanda e chegando a conclusão que não era apenas tesão. Amanda era meu primeiro amor.
Botei o pijama, deitei e dormi um sonho profundo. Sonhava com Amanda quando bateram na minha porta.
Cheio de sono abri e era Amanda, que entrou, trancou a porta e mandou que eu me sentasse porque estava me devendo.
Sentei e ela tirou peça por peça da roupa até ficar completamente nua. Depois veio por cima de mim me beijando.
Fizemos amor, minha primeira vez aos doze anos de idade.
Quando acordei ela não estava mais lá. Até meu velório nunca mais nos encontramos. Levantei, troquei de roupa e desci. Meus pais estavam na sala ouvindo disco natalino quando notei uma bicicleta em um embrulho.
Perguntei o que era aquilo e meu pai respondeu que era pra mim. Cheguei perto dela e falei que não esperava mais que me dessem bicicleta e que teriam me enganado direitinho com aquele livro. Meu pai gritou do sofá que não foram eles que compraram.
Estranhei. Toquei na bicicleta e naquele momento vi um bilhete escrito e preso nela. Peguei o bilhete e lá estava escrito “não se esqueça de mim nunca meu menino”.
Peguei a bicicleta e fui andar na rua. Gargalhando, andando rápido e fechando os olhos pra sentir o vento batendo no meu rosto.
Não era mais um menino, agora era um homem graças a minha professora particular.
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VELÓRIO
Estou amando essa história!
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