DINASTIA: CAPÍTULO XXXI - O BAÚ
Não seria como advogado de um escritório em Feital que eu conseguiria fazer alguma coisa. Por mais vontade que eu tivesse, por mais que meu sobrenome ajudasse não seria o suficiente e eu não queria mais atingir simplesmente a milícia de Feital.
Eu queria acabar com a bandidagem do Rio de Janeiro.
Ao contrário de meu pai que se elegeu deputado federal através do voto de cabresto, cometendo todos os tipos de crime eleitoral e praticando atos da velha política eu fiz uma campanha limpa. Prestei contas em um site da internet de todos os meus gastos, não ofereci camisas de futebol, dentaduras, nada em troca de votos. Apenas minhas propostas e retidão de caráter.
Arregacei as mangas. Fui às ruas quase não parando em casa. Subi as favelas que o “poder paralelo” deixou. Visitei escolas, passei aos estudantes minhas propostas. Fiz corpo a corpo embaixo de Sol dando pessoalmente meu “santinho” a cada pessoa.
E usei sim o nome de meu bisavô. Pepe Granata era um homem respeitado, tradicional e a única coisa que usei dele foi seu nome. Apesar dos quase cem anos de idade era um homem ativo. Gravou propaganda eleitoral comigo e participou de alguns comícios. Na verdade ele queria participar de todos, mas por recomendações médicas foi poupado.
Luciana também foi uma grande companheira no período. Entendeu que eu não tinha tempo pra namorar, viu o tamanho de meu projeto e caminhou ao meu lado. Ajudou-me a entregar santinhos e botou a boca no microfone dizendo porque confiava em mim.
E assim fui fazendo minha campanha até que chegou o dia da eleição.
Tenso acordei logo cedo e fui ao colégio Benito Granata, local que eu votava. Entrei no colégio e fui bastante aplaudido por populares. Cumprimentei mesários, encaminhei-me a urna eletrônica e na hora de votar fiz o “V” da vitória. Todos os clichês de candidatos.
Depois de votar fui pra casa descansar um pouco e mais tarde “grudei” na internet acompanhando a votação. Tive menos votos do que esperava, talvez devido minha “campanha limpa” coisa pouco normal na classe política. Depois de um tempo fechei o notebook e liguei para Luciana achando que não entrara.
Deitei um pouco e bateram na minha porta. Abri e a empregada assustada disse que meu bisavô chamava no escritório. Perguntei porque ela tremia e ela respondeu “ele tem diabinho na garrafa”. A mesma coisa que dissera ao meu pai. Ri, contei que essa história era crendice popular e fui ao escritório.
Chegando lá encontrei o Barão com alguns homens do meu partido bebendo e ao me verem Pepe gritou “salve o deputado Francisco Granata!!”. Os homens deram o salve e eu respondi que nada entendia, pois, minha votação fora aquém que eu pensava.
Um dos homens perguntou se eu vira quem foi o campeão de votos. Respondi que não e ele me contou que fora Juninho Babalu, o cantor de tecnobrega. Comentei que isso era bom já que Juninho se candidatara por nosso partido e ele emendou “graças a sua votação vários de nossos candidatos foram eleitos, inclusive você”.
Com sorriso amarelo peguei um copo e brindei com os homens. Graças ao Juninho Babalu, que tinha como principal projeto o feriado de dia do tecnobrega eu fui eleito deputado.
Comemorei com Luciana em um motel. Dentro da hidro enquanto ela bebia champanhe eu bebia guaraná. Ainda não me adaptara totalmente a bebida alcoólica. Luciana ria e ironizava que devíamos assistir um show de Juninho Babalu até como forma de agradecimento. Eu ri e respondi que ela poderia ir sozinha me representando.
Séria Luciana perguntou se eu tinha noção da responsabilidade que eu carregaria a partir daquele instante. Respondi que com grandes poderes vinham grandes responsabilidades. Luciana achou bonito e perguntou de quem era aquela frase, achava ser de Abraham Lincoln ou Churchill e eu rindo respondi que era uma fala de tio Bem para o homem aranha.
Minha namorada me deu uns tapas rindo e perguntou qual seria meu primeiro ato depois de eleito. Respondi que era casar com ela e dei um mergulho.
Ao voltar encontrei quieta me olhando. Perguntei se estava tudo bem e ela me pediu que repetisse o que eu disse. Perguntei se ela queria casar comigo. Luciana pálida perguntou se o pedido era sério e respondi “nunca falei tão sério em minha vida”. Emocionada minha namorada me abraçou e contou que era tudo que queria.
Perdi Luciana duas vezes, não queria perder a terceira. Por tudo que vivi com ela e principalmente tudo que vivi sem eu já não tinha dúvidas que era o amor de minha vida. Era minha mulher, minha amante, companheira e queria que fosse para sempre.
No dia do casamento minha mãe colocou minha gravata rindo que eu não conseguia aprender a colocar. Eu brinquei que era um dos meus maiores defeitos e nunca aprenderia. Renata colocou a mão em meu rosto e disse “bendito seja o homem que um dos maiores defeitos é não saber colocar uma gravata”. Sorri sem jeito e ela completou dizendo que tinha muito orgulho de mim.
Abracei emocionado minha mãe dizendo obrigado quando Cássio surgiu. Perguntou se eu estava pronto para ser enforcado e sorrindo com lágrimas nos olhos respondi que estava pronto para ser feliz.
Saí da mansão e já encontrei Pepe no carro. O meu bisavô gritou mandando que eu me apressasse, pois, estava com fome e queria ir logo para a festa. Rindo respondi que já ia e pedi para que ele enganasse a fome com biscoito.
No altar perguntei a Cássio se Luciana iria mesmo e me gozando meu padrasto respondeu que no lugar dela fugiria. Antes que eu falasse algo a marcha nupcial começou a tocar e Luciana entrou.
Na hora que ela entrou conduzida pelo pai lembrei-me da noite que lhe conheci na festa de Pepe e Beatriz e uma lágrima rolou por meu rosto. Luciana estava linda demais e eu queria que aquele momento se eternizasse. Peguei a mão da mulher que amava e falei para ela “casaria com você quantas vezes fosse necessário” e Luciana respondeu “eu diria sim a todos os seus pedidos”.
A festa como sempre foi na mansão Granata. Muita fartura de comida, bebida e felicidade. Puxei Luciana para o meio do salão e assim dançarmos. Todos olhavam e enquanto eu conduzia minha amada na dança perguntei se ela imaginava que duas crianças poderiam naquele momento nos olhar e se apaixonarem como ocorreu conosco um dia. Luciana séria chegou em meu ouvido e disse “espero que não porque você dança muito mal”.
Todos os convidados foram para a pista de dança e celebravam nosso casamento. De repente o som parou e uma voz conhecida disse ao microfone que queria cantar uma música em homenagem ao casal. Pepe Granata.
Eu esperava por “Mérica, Mérica, Merica” o hino de nossas festas, mas ele cantou “Reginella campagnola”, a música que mudara sua vida.
Apesar da idade avançada Pepe Granata cantou no tom, sem desafinar e divinamente bem acompanhado pela orquestra. No fim desejou felicidade para nós e celebrou sua ótima memória que fez lembrar daquela música em momentos importantes de sua vida.
Saímos à francesa da festa e fomos ao hotel onde reservamos um quarto. Peguei minha esposa em meus braços, entramos no quarto e fizemos amor. Ao fim deitados e abraçados comentei rindo com Luciana que eu era o primeiro de muitas gerações de Granatas que não casava com a noiva grávida.
Enquanto eu ria Luciana séria perguntou “Quem te disse isso?”. Comentei sobre Pepe, Pepino, Luigi e só depois entendi onde ela queria chegar e parei. Luciana olhou para mim e disse “soube três dias atrás, mas quis esperar o casamento”.
Continuei olhando para ela que assustada pedia para que eu falasse algo. Peguei Luciana no colo e rodei com ela pelo quarto comemorando.
No caminho ao aeroporto para a lua de mel contei ao celular a novidade a familiares e amigos. Embarcamos para Macchu Picchu. Finalmente eu conseguiria “curtir” o local em paz.
Não ficamos muitos dias no Peru, logo voltamos porque tinha coisas para fazer no Brasil. Luciana voltou ao trabalho no escritório de Cássio e eu me preparava para tomar posse.
Tomei posse como deputado estadual no começo de 2011 e estabeleci a milícia como foco de meu mandato. Estudei muito sobre ela, seus meandros, ramificações, sustentáculos e um dia decidi falar na plenária.
Eu era o mais novo dos deputados e sentia que meus colegas não me levavam muito a sério. Talvez apenas por minha idade ou pelo histórico dos Granata na política, pouca eficácia e muitas negociatas. O presidente da casa me deu autorização para falar e subiu ao púlpito.
Com tranqüilidade peguei meus papéis, dei boa tarde aos meus colegas e falei “eu sei que muitos dos senhores são milicianos”. Até eu falar essa frase ninguém prestava muita atenção em mim, mas depois como mágica se ouviu um grande burburinho e agitação. Continuei “nem citei nomes e a plenária ficou dessa forma, isso prova que estou certo”.
Fiz um discurso contundente mostrando a milícia como aquela casa nunca vira, desnudada. Quanto mais eu falava mais aumentava a agitação e no fim eu prometi que acabaria com a milícia no Rio de Janeiro e colocaria muitos daqueles deputados na cadeia.
Desci do púlpito sob forte gritaria e protesto chamando muito mais atenção do que quando subi.
Eu sabia que mexia um vespeiro, abria a caixa de Pandora e não tinha mais como voltar atrás.
Cheguei ao apartamento que alugamos em Copacabana e encontrei Luciana assustada. Perguntei a ela o que ocorrera e ela perguntou se eu sabia o que estava fazendo. Não entendi o que minha esposa quis dizer até que me toquei. Perguntei como ela já sabia e Luciana respondeu que só se falava sobre nos noticiários.
Liguei a televisão e vi o noticiário que falava sobre meu discurso. Senti orgulho. Não de aparecer na tv como provavelmente seria o orgulho de meu pai, mas por saber que eu fazia o certo e essa era a minha luta. No fim do noticiário o telefone tocou e era meu bisavô pedindo que eu fosse até a mansão cedo no dia seguinte.
Na manhã seguinte ao tomar café lia os jornais e eu era primeira página em todos. Luciana me contou que sentia medo, principalmente porque teríamos um filho. Peguei em sua mão e comentei que era por ele e seu futuro que eu fazia aquilo. Minha mulher sorriu e falou que estaria comigo sempre. Dei um beijo em sua mão e respondi que sabia.
Fui até a mansão e quando entrava passei por Ricardo que saía. Meu tio olhou pra mim e falou “moleque, ta cavando a sepultura”. Sem medo olhei para ele e respondi “espero sinceramente tio que o senhor não tenha nenhum envolvimento com esse tipo de negócios, porque eu não vou querer saber se temos o mesmo sobrenome”. Ricardo riu e argumentou que seus negócios eram outros. Completei “isso que vamos ver”.
Encontrei Pepe na sala todo arrumado e perguntei aonde ele iria. O Barão respondeu que eu iria com ele. Nada entendi e ele completou “vi ontem na televisão que você fez, precisa se precaver”.
Entramos no carro e fomos ao morro de Mangueira. Pepe me levou ao centro comandado pela neta de Mãe Baiana, aquela que fez seu santo. A mulher celebrou a nossa chegada e Pepe comentou que queria proteção para mim.
Falei com meu bisavô que eu não tinha nenhuma religião e Pepe me deu uma bronca “mexe com o tipo de gente que está mexendo e não tem religião pra lhe proteger? Quer deixar sua mulher viúva e seu filho órfão?”. Entendi o seu conselho e decidi seguir.
Pedi licença não remunerada na Assembleia, me despedi de Luciana e mais de setenta anos depois de Pepe repeti seus passos, “fiz o santo”. Fiquei vinte e um dias no barracão passando por todos os procedimentos que o Barão passara na juventude quando “fechou seu corpo” e no fim a mãe de santo contou que eu estava com o “corpo fechado”.
Comentei com ela que se a minha situação era igual à de Pepe, só morrer quando atingisse a felicidade plena eu teria problemas, pois, me considerava a pessoa mais feliz do mundo. A mulher olhou pra mim e respondeu que não, minha missão era outra.
Ela contou que minha missão só estaria completa quando eu fizesse o povo feliz. Não entendi o que ela quis dizer e ela completou “sucê vai mudar a vida de sua gente. Desse país. Quando esse povo for feliz de verdade sua missão estará completa”.
Naquele momento também virei filho de Xangô.
Pedra rolou Xangô
Lá na pedreira
Segura a pedra meu Pai
Na cachoeira
Tenho o meu corpo fechado
Xangô é meu protetor
Firma seu ponto meu Pai
Pai de cabeça chegou
Dessa forma eu voltei forte ao trabalho. Poderoso. Fiz investigações, contei com a ajuda da polícia e consegui começar a colocar algumas pessoas em maus lençóis e claro que isso me traria problemas.
Um dia dirigia sozinho em direção a minha casa quando parei em um sinal de trânsito. Sem perceber um homem chegou com uma pistola na minha janela. Lembrei logo da morte de meu pai e senti um frio na espinha. Mas o homem não me reconheceu, só queria me assaltar.
Tentei manter a frieza e desci do carro. Ao descer o homem saiu em disparada com o veículo. Cruzou a esquina e eu peguei meu celular para ligar. No momento que comunicava o assalto à polícia ouvi muitos disparos de tiros.
Corri em direção ao barulho. Era a direção feita pelo carro. Ao virar a esquina vi meu carro parado e totalmente metralhado. Um carro parado ao lado. Na hora me escondi para ver o que ocorria.
Um homem desceu do carro e abriu a porta do motorista. O assaltante caiu no chão morto e o homem gritou “puta que pariu!! Não é ele!!”. Imediatamente eu entendi a situação. Aqueles tiros eram pra mim e se não fosse assaltado eu que estaria naquele chão morto.
Lembrei de meu bisavô e da história de “corpo fechado”. Aquilo realmente funcionava.
Mas o atentado não me esmoreceu, a única diferença é que comecei a andar com dois seguranças. Continuei minha devassa e cada vez eu ganhava mais espaço na mídia e apoio de políticos, juízes e personalidades em geral. Eu era de fato e de direito “O homem da justiça” ganhando até capa na mesma revista semanal que começou a ruína de Luigi Granata.
Alguns policiais começaram a ser presos. Ligações de alguns políticos começaram a vir à tona trazendo transtornos para eles. Deputados foram investigados, cassados e nesse meio termo aumentavam as ameaças contra minha família e eu. Ligações quase diárias e nesse ambiente Luciana entrou em trabalho de parto.
No momento que isso ocorreu eu não estava com ela. A polícia foi prender um dos figurões que tinha negócios com a milícia e eu fiz questão de ir junto. Policiais batiam na porta e nada do homem atender até que um debaixo do prédio contou que ele tentava fugir pulando a janela.
A polícia arrombou a porta e encontrou o figurão já pendurado na janela para pular. O responsável pela operação apontou a arma para ele e deu voz de prisão. O homem saiu da janela e levantou as mãos não oferecendo resistência e sendo algemado. Nesse instante aproximei e falei “Eu disse que te pegaria se estivesse envolvido tio Ricardo”.
Sim. Caía à casa de Ricardo Granata. O homem estava envolvido até o pescoço com tráfico de drogas, caça níqueis, bingos clandestinos, assassinatos e sociedade com a milícia em muitos desses negócios. Ricardo algemado andava e gritava para mim que aquela história não acabaria assim e eu me daria mal. Gritei de volta “isso é pelo meu pai, por Luigi Granata seu ordinário”.
Ricardo foi levado e meu telefone tocou. Atendi e gritei aos policiais que meu filho nascera.
Corri para a maternidade e minha avó, mãe e padrasto já se encontravam no local. Perguntei por Luciana e minha mãe respondeu que estava bem e mandou que eu fosse logo vê-la. Nem precisou pedir duas vezes.
Entrei no quarto e encontrei Luciana com Bruno no colo. Dei um beijo emocionado em minha esposa que mandou que eu pegasse nosso filho em meu colo. Todo sem jeito peguei e disse “bem vindo ao mundo Bruno Granata, espero que você encontre um mundo melhor do que eu encontrei”.
Deixei que minha esposa dormisse e fui até a mansão contar a Pepe Granata que era trisavô. Ele no escritório encheu dois copos de uísque e brindamos ao novo herdeiro. Conversamos por um tempo e ele me pediu licença, pois, estava cansado e precisava dormir.
Dei a licença a ele e também fui embora. No carro pensava na vida, em meu filho que nascera e como eu sentia necessidade de trabalhar por ele. Pensei em meu pai e senti sua falta, queria Luigi comigo naquele momento. Pensei em tanta coisa que esqueci uma pasta importante na mansão.
Voltei até ela e a empregada me atendeu. Contei que precisava ir ao escritório pegar uma pasta importante e a empregada se benzeu perguntando “Você vai sozinho ali? Deus me livre, tem o diabinho”. Eu ri e mandei a mulher dormir que eu fecharia a porta ao sair.
Fui ao escritório e peguei a pasta. Quando saía percebi que o quadro de meu trisavô Salvatore Granata estava torto na parede. Fui ajeitá-lo, mas um prego se soltou e o quadro caiu no chão revelando um cofre.
Eu não sabia da existência de cofre nenhum na mansão e fiquei curioso. Olhei uma numeração atrás do quadro e arrisquei, era a combinação do cofre e consegui abrir.
Abrindo dei de encontro com um baú.
Peguei o baú e coloquei sobre a mesa. Minha curiosidade naquele momento já era imensa. Abri o baú e tomei um susto. Havia uma garrafa dentro. Peguei a garrafa e olhei, tinha um bonequinho dentro dela, a imagem de um diabinho. Ri e pensei “não é que aquela louca estava certa?”. Não dei muita atenção para a garrafa. Havia vários cadernos velhos dentro e esses me chamaram mais atenção.
Quando abri o primeiro vi que era uma preciosidade. Um velho diário amarelado e com folhas soltando de Salvatore Granata.
Desde sua vida na Itália. Abri os outros e já eram diários de Pepe Granata desde a infância em São Paulo. Eu estava com um grande tesouro na mão.
Que daria um belo livro.
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O HOMEM DA JUSTIÇA
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